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Lendas, mitos e histórias sobre a serpente

O Ano Lunar de 2013 inicia no dia 10 de fevereiro e corresponde à serpente, sexto animal na ordem do zodíaco chinês. Popularmente, os nativos desse signo (2001, 1989, 1977, 1965, 1953, 1941,…) são também chamados carinhosamente de “dragõezinhos” [小龙 xiǎo lóng]. Uma lenda narra que a serpente teria utilizado o ardil de parente mais próximo do dragão para ser classificada no sistema zodiacal1. A astrologia chinesa caracteriza as pessoas do signo como inteligentes e racionais — dotadas de autocontrole e vaidosas. O signo da serpente é representado pelo ramo terrestre 巳[sì “serpente”] e governa o período entre as nove e onze horas da manhã e o quarto mês do ano lunar.

A serpente na mitologia chinesa

Desde os tempos mais remotos, a serpente está presente de forma marcante em mitos, lendas e fábulas chinesas. Provavelmente, por fazer parte do ecossistema da Ásia, os materiais arqueológicos encontrados indicam a cobra como um dos principais totens das tribos primitivas. Em Shan’haijingO Livro da Natureza, há vários registos de seres fantásticos, espécies mistas de serpente, dragão e humano. A tribo Xuanyuan [轩辕] do Imperador Amarelo [黄帝 Huángdì], o mítico ancestral chinês, possuía o totem de uma serpente com cabeça humana. Ainda hoje, a cobra é reverenciada por etnias minoritárias no sul e sudeste da China, que realizam procissões em sua homenagem, no décimo quinto dia do primeiro mês lunar.

As gravuras da dinastia Han (206 a.C.-220) retratam as figuras mitológicas de Fu Xi e de Nüwa com suas caudas entrelaçadas. O corpo de Fu Xi era coberto de escamas, enquanto Nüwa tinha cabeça de mulher e corpo de serpente. Nüwa é a deusa criadora dos homens. Diz o mito que a deusa do céu, Hua Xu, deu à luz gêmeos. O bebê de sexo masculino foi chamado de Fu Xi, e o de sexo feminino, Nüwa. A deusa tinha um imenso poder, pois era capaz de mudar de forma mais de setenta vezes por dia.

Pouco tempo depois de ocorrer a separação entre o céu e a Terra, não existiam ainda seres humanos. Nüwa pegou então um punhado de lama e moldou várias crianças, à sua imagem e semelhança. Algum tempo depois, ela se cansou. Pegou então uma corda e a emplastou de lama. Balançou-a, em seguida, no céu. Os pingos de lama que caíram sobre a terra transformaram-se também em seres humanos.

A partir desse momento, passaram a existir na terra diferentes classes sociais: os ricos, moldados pela própria Nüwa, e os pobres, feitos com os pingos de lama.

No noroeste da China, existe uma montanha chamada Imperfeita, que ganhou este nome devido à fúria de Gonggong, o deus das águas, ao ser derrotado na guerra pelo Imperador Amarelo. Impetuosamente, ele jogou-se contra a montanha, um dos pilares de sustentação do céu. A montanha desmoronou e arrebentou a corda que segurava a Terra. Logo, o céu se inclinou na direção noroeste, e a Terra afundou na direção sudeste, fazendo com que o sol e a lua nascessem no leste e se pusessem no oeste. Igualmente, os cursos dos rios foram desviados para o mar oriental, provocando uma grande inundação. Da grande fenda do céu, jorrou também água sem parar, provocando muitas mortes. Nüwa, vendo os seus filhos em tamanho apuro, sentiu um aperto no coração e decidiu salvá-los.

Ela colheu pedras multicoloridas do fundo dos rios, acendeu o fogo e fundiu as pedras até que se tornassem uma substância grudenta, como cola, e a utilizou para remendar a fenda do céu. Como temesse que o céu despencasse outra vez, cortou as quatro patas de uma tartaruga marinha gigante para que servissem de pilares nos quatro cantos da Terra. Assim, o céu seria como um tecido cobrindo a Terra. O resultado de tudo isso foi que os seres humanos nunca mais precisaram ficar preocupados, com medo de que o céu tombasse sobre suas cabeças.

Porém, o fato de o céu ter despencado provocou outras catástrofes. Na região de Ji, um dragão negro revolveu-se no rio, a fim de provocar inundações. Nüwa matou-o, aproveitando para dispersar as feras que ali existiam para bem longe dos humanos.
Ela tinha ainda muita coisa pela frente, pois as inundações haviam trazido muitas doenças. Nüwa queimou os juncos, reduzindo-os a cinza, e formou barragens para conter as águas. Apareceram, assim, os continentes, e neles os seres humanos construíram suas casas.

Depois de todo esse trabalho, a paz voltou e a Terra prosperou, mas Nüwa, muito cansada, foi se deitar. Seu corpo desintegrou-se, transformando-se em muitos fragmentos, entre eles, dez deuses que guardam a inteligência e a genialidade.

Nüwa é a deusa da fertilidade e representa a sociedade matriarcal na cultura chinesa. Na Rua das Estalagens em Macau existe um templo dedicado a ela. No vigésimo dia do primeiro mês lunar é comemorado o aniversário de Nüwa [女娲Nôiwó, em cantonense]. Os pequenos caracteres no lado direito da parte de fora da porta indicam que o templo fora inaugurado em 1888, décimo quarto ano do reinado do imperador Guagxu, da dinastia Qing. Uma das peculiaridades do templo é a estátua da deusa esculpida em uma pedra vinda do espaço, comprada na Austrália e doada por fiéis de Hong Kong. A estátua representa a deusa a reparar o céu.

A serpente e a agricultura

Um dito popular chinês diz que quando a andorinha voa baixo e a serpente sai da toca, é sinal da chuva que se aproxima. Dessa forma, a serpente foi divinizada devido ao seu pressuposto poder de presságio de inundação. Com a introdução do Budismo na China, o dragão aparece em muitos sutras, livros sagrados budistas, que conferem ao ser mitológico a qualidade reguladora das águas e das nuvens. Dizem os folcloristas chineses que a serpente, como uma divindade de proteção ao clima, foi preterida gradativamente ao dragão. No entanto, observa-se que o corpo alongado e coberto de escamas do dragão chinês, lembra-nos uma serpente, sugerindo a ocorrência de sincretismo dos dois seres (Wang, 1998: 42-46). O réptil passou a ser objeto de culto devido à serpente Naja gigante (conhecida por Naga) ter se postado atrás e acima da cabeça de Buda, para que os pingos da chuva não atrapalhassem sua meditação.

A serpente na Medicina Tradicional Chinesa e na culinária

Periodicamente, todas as serpentes mudam sua camada exterior para sair uma pele mais flexível, mais nova, assim permitindo que elas cresçam. Este processo é chamado de ecdise e, depois de ela ocorrer, surgem escamas maiores e de cores mais vivas. Os chineses da Antiguidade ao observarem a serpente se contorcendo para verter a pele — sem medo da dor, associaram o fenômeno biológico ao renascimento. Inclusive, especularam sobre sua imortalidade, uma lenda popular do condado Deqing em Cantão conta o porquê da capacidade de rejuvenescimento da serpente.

Muito tempo atrás, os homens apenas precisavam plantar o arroz e, quando os grãos maturavam, não precisavam colhê-los, pois os talos repletos de arroz dirigiam-se sozinhos para a porta de seu proprietário. Naquela altura, homens e serpentes eram bons amigos e as suas únicas preocupações eram com o envelhecimento e a morte.

Um dia, uma anciã e uma serpente conversavam, às portas fechadas, se havia maneiras de se evitar o fim. A serpente teve uma ideia e sugeriu de se livrarem da pele para que nascesse uma camada externa nova e surtisse o efeito de rejuvenescimento. A velha senhora achou uma boa ideia, e as duas começaram a tentar arrancar a pele do corpo.

A cobra escolheu um piso irregular e áspero para se contorcer e esfregar seu corpo àquele chão. Apesar da dor, a serpente persistiu, até a pele verter-se por inteira.

A velha senhora resolveu deitar-se sobre a cama, torcia-se sobre a esteira e a dor que sentia parecia-lhe insuportável. Apenas tinha saído a pele de sua fronte, quando o arroz maduro veio bater à sua porta. Como ela não atendia, ele insistiu por várias vezes, a velha senhora gritou de dentro do quarto, impaciente:

— Daqui por diante não venha mais aqui, espere-me na lavoura para o colher.

Obediente, o arroz voltou para os alagadiços e, a partir de então, nunca mais saiu de lá.
Depois, a anciã disse à serpente:

— Como é dorido mudar a pele, eu prefiro morrer a passar por esse sofrimento.

Desse momento em diante, o ser humano quando velho parte para o céu; enquanto a serpente troca a pele, a cada dois ou três meses, e rejuvenesce.

À serpente também está relacionada a grande capacidade reprodutiva no imaginário chinês. No interior da Mongólia Interior, diz que um rapaz, ao encontrar um casal de serpentes em cópula, deve tapar suas cabeças com um lenço, que ficará com poderes mágicos para enfeitiçar a sua pretendente. Na Planície Central Chinesa2, os antigos também conferiam importância à reprodução humana para o aumento da força produtiva às lidas da lavoura e acreditavam que, ao comer o ofídio, poderia aumentar e melhorar o ato de procriação. Esse hábito alimentar remonta ao período dos Reinos Combatentes (475-221 a.C) e permanece até os dias de hoje. Ao andar pelo interior da China, encontram-se aguardentes com a infusão de serpente e sua carne é considerada como uma especiaria, muito apreciada em pratos tradicionais.

Liu Zongyuan (773-819), poeta confucionista e expoente na literatura chinesa da dinastia Tang (618-907), legou para a posteridade um dos mais belos registos e crítica à injustiça social do sistema vigente àquela altura: “O caçador de serpente” [捕蛇 bŭ shé].

Conta-se que no interior de Yongzhou, província de Henan, existia uma espécie de serpente listrada em preto e branco. E dizia-se que a víbora provocava a morte de qualquer ser vivo que a tocasse. Seu veneno era mortal e não existia qualquer antídoto. Entretanto, a peçonhenta morta servia como princípio ativo a fórmulas medicinais para o tratamento de hanseníase e úlceras, entre outras doenças. De sua pele podiam-se extrair essências para a eliminação de parasitas do corpo. Sendo a atividade de captura desse tipo de serpente muito perigosa, o médico real obteve autorização do imperador para isentar o pagamento de impostos de quem as pegasse e as entregasse, duas vezes ao ano, ao palácio imperial.

Nessa localidade, existia uma tradicional família caçadora dessa espécie de cobra de apelido Jiang. A família já gozava há três gerações do benefício de isenção de impostos. Ao ser perguntado sobre seu sentimento em relação ao ofício, Jiang relatou que tanto seu avô quanto seu pai tinham falecido, durante a atividade do ofício. Ele já exercia essa profissão há doze anos e, por pouco, não tinha caído também em desgraça.

Sentindo muita comiseração pela tragédia de Jiang, Liu Zongyuan sugeriu-lhe mudar de ofício. Jiang, ao ouvir a oferta, agradeceu-lhe dizendo:

— Você sugere isso, por pena de mim? Pois lhe digo que prefiro continuar a exercer essa profissão desgraçada do que voltar a pagar impostos! Caso eu não fizesse isso, eu já teria morrido de tanto trabalhar. Eu e minha família moramos aqui há sessenta anos; entretanto, meus vizinhos estão cada vez mais pobres devido ao fardo de impostos e, por mais que trabalhem, nunca é o suficiente para quitá-los. Meus vizinhos, que não morreram de fome, fugiram para escapar da coleta de impostos; enquanto eu, devido à caça da serpente, sobrevivi e vou levando a vida. Pelo menos corro risco de vida apenas duas vezes ao ano.

Compêndio de Ervas Medicinais, do século XV, ainda regista uma série de indicações quanto ao poder de cura da serpente, que não descreveremos aqui, devido à limitação de espaço.

A presença da serpente na escrita

A presença marcante da serpente pode ser observada no sistema de escrita chinesa. Nos primórdios, o réptil era designado por “ele” [它], terceira pessoa impessoal, explica o Dicionário Analítico de Caracteres Chineses e complementa que, na Antiguidade, os moradores das montanhas costumavam cumprimentar-se com um “Encontrou ela [serpente]?” [无它乎? wú tā hū]. Essa saudação assemelha-se ao “já comeu?” [吃饭了没有? chīfàn le méiyǒu?] ou ao “como vai?” [你好吗? nǐ hǎo ma?], na China contemporânea. O ideograma de serpente, nos dias de hoje, é 蛇[shé], composta pelo radical “inseto e serpentes” [虫 chóng] e “ele” [它 ].

A presença da serpente nas fábulas

Na pesquisa bibliográfica, percebem-se diferentes sentidos impingidos à serpente na civilização do País do Meio. Registamos uma que se relaciona à desconfiança.

Uma fábula bastante conhecida é “Confundindo arco com cobra” [杯弓蛇影 bēigōng-shéyǐng], que virou um provérbio para descrever uma pessoa com excesso de preocupação e sem fundamento.

Chen era o chefe de um distrito no interior da província de Henan. No solstício de verão, ele convidou o seu secretário Du Xuan para beber.

Um arco vermelho estava pendurado na parede e a sombra refletida no copo parecia uma cobra. Du Xuan ficou muito assustado e, com medo de ofender seu chefe, nada disse, limitando-se a beber.

No dia seguinte, Du Xuan caiu doente, com fortes dores no peito. Nada conseguiu comer e passou a noite em claro. Em apenas alguns dias, emagreceu muito. Sua família, vendo o seu estado, chamou os melhores médicos do distrito, mas nenhum deles conseguiu curá-lo.

Chen ficou sabendo do estado de saúde de Du Xuan, foi a sua casa e perguntou o que de fato tinha acontecido. Du Xuan respondeu:

— Quando estive na sua casa, vi dentro do copo uma cobra. Eu fiquei com muito medo, mas, mesmo assim, bebi tudo.

O chefe de Du Xuan, entendendo a causa de sua doença, ficou pensativo.

— Como é que haveria uma cobra no copo que eu dei a ele? Se houvesse, eu também teria visto!

Chen foi para casa. Por mais que pensasse, não conseguia decifrar o enigma. Ele sentou no lugar onde estivera Du Xuan e mandou trazer um copo de vinho. Naquele momento, ele ergueu a cabeça e viu o arco pendurado na parede, refletindo uma sombra, na forma de uma cobra. Imediatamente ele compreendeu o que tinha acontecido.

Chen mandou chamar Du Xuan e pediu que ele ocupasse o mesmo lugar da outra vez. Quando o vinho foi servido, ele apontou para o copo de Du Xuan e disse:

— A cobra que você viu da outra vez é a mesma que aparece agora no seu copo, não é mesmo? Preste bastante atenção e vai perceber que é a sombra do meu arco, pendurado na parede!

Du Xuan recuperou a saúde.

A presença da serpente nos provérbios

Há ditos que comparam a serpente à insaciabilidade. Qu Yuan (340-278 a.C), o patriota do reino de Chu, relaciona a serpente à ambição expansionista do reino de Qin: “Qual o tamanho de uma serpente que engole um elefante?” [一蛇吞象,厥大何如? yi shé tūn xiàng, jué dà hérú]. No Livro dos Reinos [《国语》Guóyŭ], a ameaça e o perigo estão relacionados à serpente como uma referência implícita ao soberano do reino de Zhao capturado pelo reino de Wu. Seu ministro adverte o rei que “há de se eliminar a víbora enquanto é pequena” [为虺弗摧,为蛇若何wèi huǐ fú cuī, wèi shé ruòhé]; em português, há um provérbio semelhante que diz: “quem o seu inimigo poupa, às mãos lhe morre”. No livro do reino de Qi em Estratégias dos Reinos Combatentes [《战国策》Zhàn Guó Cè], um provérbio diz: “se a serpente não possui pés, por que adicionar?” [蛇固无足,子安能为知足 shé gù wú zú, zǐ ān néng wèi zhī zú], ou seja, não invente coisas onde não existem, conhecido no Chinês moderno como “desenhar pernas em serpente” [画蛇添足huàshé-tiānzú].

Um dos Trinta e seis estratagemas [三十六计 sānshíliù jì] é “remexer a mata para atiçar a serpente” [打草惊蛇 dǎcǎo-jīngshé], em português temos provérbios semelhantes como “não levantes a lebre que outrem leve” ou “quem pássaro há de tomar, não o há de enxotar”. O provérbio adverte para não despertar a atenção do adversário para pegá-lo desprevenido. No entanto, também existe a interpretação de provocar o inimigo para que saia do abrigo e atacá-lo de tocaia.

Descrever algo como “cabeça de tigre, cauda de serpente” [虎头蛇尾 hŭtóu-shéwěi] refere-se a começar com grande entusiasmo e terminar com frouxidão, equivalente ao dito português: “entradas de leão e saídas de cão”. O folclorista Wang aponta outro significado, de acordo com os registos históricos, que serve para descrever uma pessoa que na frente elogia e fala mal pelas costas (1998: 210).

A presença da serpente na literatura

O leitor, ao ler até aqui, pode ter ficado com uma impressão de nocividade da serpente, mas não é bem assim. O drama épico A lenda da cobra branca [《白蛇传》Bái shé zhuàn] é uma das óperas mais românticas chinesas. A serpente alva dá provas de amor incondicional e capaz de tudo para salvar seu amado, tendo ao seu lado a leal serpente verde.

A peça inspirada no folclore popular conta que um jovem chamado Xu Xian possuía uma pequena cobra branca de estimação até que seus pais o forçaram a livrar-se dela. Anos se passam e durante uma violenta tempestade, a serpente, que na verdade era um espírito com poderes mágicos, se transforma na bela Bai Suzhen. Bai Suzhen parte ao encontro de Xu Xian, por quem se havia apaixonado, acompanhada de sua criada Xiao Qing, também um espírito de serpente evoluído. O encontro dos dois ocorre ao se protegerem da chuva, na Ponte Quebrada do Lago Oeste em Hangzhou, e se casam imediatamente. O monge local, Fahai, que é capaz de sentir a presença de seres sobrenaturais por meio de seu bojo encantado, acredita que Bai Suzhen é um espírito maligno, que roubou um elixir mágico, e decide separar os dois jovens. No dia do duplo cinco 3, o monge procura Xu Xian e insinua-lhe a beber com sua esposa. Bai Suzhen, ao sorver o destilado, revela a sua forma original, e Xu Xuan morre de susto ao ver a serpente branca. Bai luta contra guardiões celestiais para roubar uma erva mágica que o salvará. Recuperado, ele foge. O monge Fahai acolhe Xu Xian no seu templo e mantém-no como prisioneiro. Bai, com a ajuda de Xiao Qing, utiliza os seus poderes mágicos para ter o amado de volta a seu lado, mas é derrotada. Ao inundar toda a região em que se localiza o templo, ela prejudica todos os seres vivos, e os deuses ajudam o monge Fahai a capturá-la e aprisiona-a sob a Torre Leifeng. Bai Suzhen, após dar à luz, entrega o filho para Xu Xian criar. Depois de adulto, o filho libertará a mãe da prisão e a família finalmente fica reunida.

A Lenda da Cobra Branca é ovacionada pelo público há séculos, e se constitui em mais uma prova do sentimento dúbio de encantamento e medo pela serpente. A personagem Bai Suzhen reúne tradicionais virtudes femininas à personalidade heroica e mágica, um tanto contraditória à imagem da mulher chinesa, enquanto a serpente verde, Xiao Qing, chama a atenção por sua lealdade incondicional a Bai.

Enfim,
Essas linhas traçaram um panorama da simbologia envolvida no ano da serpente. Deixo aos leitores meus votos de felicitação ao Ano Novo Chinês, especialmente dedicados aos nativos de serpente, na cantiga:

Vaidoso, andas sempre todo ajeitado
Por isso, todos se encantam por ti
Dizem que és astuto e charmoso
Mas não têm a coragem de te elogiar
No fundo tens bom coração — mas se mexer contigo — não fazes cerimônia.
Muitos falam de ti, mas és incompreendido.
Se gostem ou não de ti, continuas a ser o mesmo:
Detestas invernos rigorosos
Adoras guardar segredos
Discrição — é a tua palavra-chave
Ages sem deixar rastros
Às vezes, perturbas, outras vezes, és incomodado
Não és de meter foice na seara alheia e segues o teu caminho.

Bibliografia

  • CAPPARELLI, Sérgio; SCHMALTZ, Márcia (2007). 50 Fábulas da China Fabulosa. Porto Alegre: L&PM.
  • EBERHARD, Wolfram (2000). A Dictionary of Chinese Symbols. Londres: Routledge.
  • HE, Xingliang (1991).《图腾文化与人类诸文化的起源》[A cultura do totem e a origem da civilização]. Beijing: Zhongguo Wenlian.
  • SCHMALTZ, Márcia; CAPPARELLI, Sérgio (2010) Contos Sobrenaturais Chineses. Porto Alegre: L&PM.
  • Shan’haijing [O livro da natureza] (2007). Haikou: Nanhai Chubanshe.
  • SIMÃO, Jorge Rodrigues. “Amanhã, sábado, celebra-se o aniversário da deusa Nu Wa”, inHoje Macau dia 10 de fevereiro de 2012. Acessado em 08 de dezembro de 2012.
  • TAO, Yang; Zhong Xiubian (1990).《中国神话》[Mitologia Chinesa]. Shanghai: Shanghai Wenyi.
  • WANG, Chong (1990).《论衡》[Sobre a balança]. Yuan Huanzhong (glosa). Guizhou: Guizhou Renmin chubanshe.
  • WANG, Xun (1998).《腾蛇乘雾》[A serpente na neblina]. Série cultura zodiacal chinesa. Beijing: Academia Chinesa de Ciências Sociais.

Notas

  1. Leia “O ano do coelho”, na Revista Macau, 21, 2010.
  2. A Planície Central é compreendida pelo Centro e Oeste da província de Henan, Centro e Sul da província de Hebei e Sul da província da Shanxi onde se concentrava a etnia Han (Wang, 1998: 16).
  3. Leia “O dia do duplo cinco”, na Revista Macau, 19, 2010.

 Sobre Marcia Schmaltz

Nasceu em Porto Alegre, em 1973, mas mudou-se ainda criança para Taiwan, onde morou por seis anos. É professora e tradutora-intérprete de chinês. Formou-se em Letras e fez mestrado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 2005 e 2006, realizou uma especialização em tradução na Universidade de Língua e Cultura de Beijing (BLCU). Em 2000 ganhou o prêmio Xerox/Livro Aberto pela tradução de Histórias da Mitologia Chinesa e, em 2001, o Prêmio Açorianos de Literatura, categoria tradução. É atualmente professora da Universidade de Macau.