Uma tarefa arriscada, mas “na brincadeira” fiz esta tradução a partir de uma versão em língua inglesa, do poema “I Would Like” (publicado no livro Almost at the End, 1987) do poeta siberiano Yevgeny Yevtushenko.
EU GOSTARIA
Eu gostaria
de nascer
em todos os países,
ter um passaporte
para todos eles,
botar
todos os ministérios do exterior
em pânico
ser todos os peixes
em todos os oceanos
e todos os cães
passeando pelas ruas do mundo.
Não quero me agachar
diante dos ídolos
ou brincar de ser
um hippie da igreja ortodoxa,
mas eu gostaria de me mergulhar
bem fundo no lago Baical
e vir à superfície bufando
em algum lugar, por que não
no Mississipi?
No meu amado universo
eu gostaria de ser
um talo solitário
mas não um narciso delicado
beijando sua própria cara
no espelho.
Eu gostaria de ser qualquer uma
das criaturas de Deus,
até a última das hienas sarnentas –
mas nunca um tirano
nem sequer o gato do tirano.
Eu gostaria de me reencarnar
como um homem
em qualquer circunstância:
uma vítima de tortura da prisão paraguaia,
um menino de rua numa favela de Hong Kong,
um esqueleto vivo em Bangladesh,
um mendigo sagrado no Tibet,
um negro na Cidade do Cabo,
mas nunca
na imagem de Rambo.
Não odeio ninguém a não ser
os hipócritas –
as hienas
em vinagrete.
Gostaria de me deitar
sob os bisturis de todos os cirurgiões do mundo,
ser corcunda, cego,
sofrer todo tipo de doença,
feridas e cicatrizes,
ser vítima de guerra
ou gari,
só para que o sujo micróbio da superioridade
não se aninhe em mim.
Não gostaria de ser das elites
e claro, também não
o rebanho covarde
nem o cão de guarda desse rebanho
nem o pastor
no refúgio do rebanho.
E eu gostaria de ser feliz
mas não às custas de quem não o é
e eu gostaria de ser livre
mas não às custas dos que não o são.
Eu gostaria de amar
todas as mulheres do mundo,
e eu gostaria de ser mulher também –
só uma vez.
A Mãe Natureza
diminuiu os homens.
Imaginem se ela tivesse dado a maternidade
a eles?
Se uma criança inocente
se mexesse
sob seu coração
o homem talvez fosse
menos cruel.
Eu gostaria de ser o pão de todos os dias –
digamos,
uma xícara de arroz
para uma vietnamita em luto,
vinho barato
numa trattoria de trabalhadores napolitanos,
ou um pequeno cubo de queijo
em órbita ao redor da lua:
deixe que me comam,
deixe que me bebam,
deixe só que a minha morte
seja de alguma utilidade.
Eu gostaria de pertencer a todos os tempos,
chocar tanto toda a história
que ela se surpreendesse do fulano tão fodão.
Eu gostaria de trazer a Nefertiti
para o Pushkin, numa troika
eu gostaria de incrementar
o espaço de um momento
em cem vezes,
para que nesse mesmo momento pudesse
beber vodca com pescadores na Sibéria,
e sentar junto com Homero,
Dante,
Shakespeare,
e Tolstoi,
bebendo qualquer coisa,
exceto, é claro,
coca-cola.
– dançar ao som dos tambores do Congo
– fazer greve na Renault,
– correr atrás da bola com meninos brasileiros
na praia de Copacabana.
Eu gostaria
de saber todas as línguas,
as águas que correm embaixo da terra,
e realizar todos os tipos de trabalho ao mesmo tempo.
Eu iria garantir
que um Yevtushenko fosse apenas poeta,
o segundo, um guerrilheiro
em algum lugar,
que por motivos de segurança
não posso revelar,
o terceiro,
estudante de Berkeley,
o quarto – um alegre pinguço da Georgia,
e o quinto,
talvez professor de crianças esquimó em Alasca,
o sexto –
um jovem presidente,
em algum lugar, digamos em Sierra Leone,
o sétimo –
estaria ainda brincando de chocalho no seu carrinho
e o décimo…
o centésimo…
o milésimo…
Para mim não basta ser eu,
deixe que seja todos!
Geralmente cada criatura
tem sua duplicata
mas Deus segurou o papel carbono
na Editora Paraíso
e fez de mim só um.Porém irei embaralhar tudo,
confundir Deus,
ser mil cópias
até o final dos meus dias,
para que a terra zumba
e os computadores enlouqueçam
e o censo mundial de mim dê errado.
Eu gostaria de guerrear em todas suas barricadas,
humanidade,
morrendo cada noite,
uma lua exaurida,
e ressurgindo cada manhã
como um sol recém parido
com uma moleira imortal
no crânio.
E quando eu morrer,
um siberiano François Villon bem fodão
não me coloquem embaixo da terra
francesa ou italiana
senão em nossa terra russa siberiana,
na colina ainda verde
onde senti pela primeira vez
que eu era
todos.
de nascer
em todos os países,
ter um passaporte
para todos eles,
botar
todos os ministérios do exterior
em pânico
ser todos os peixes
em todos os oceanos
e todos os cães
passeando pelas ruas do mundo.
Não quero me agachar
diante dos ídolos
ou brincar de ser
um hippie da igreja ortodoxa,
mas eu gostaria de me mergulhar
bem fundo no lago Baical
e vir à superfície bufando
em algum lugar, por que não
no Mississipi?
No meu amado universo
eu gostaria de ser
um talo solitário
mas não um narciso delicado
beijando sua própria cara
no espelho.
Eu gostaria de ser qualquer uma
das criaturas de Deus,
até a última das hienas sarnentas –
mas nunca um tirano
nem sequer o gato do tirano.
Eu gostaria de me reencarnar
como um homem
em qualquer circunstância:
uma vítima de tortura da prisão paraguaia,
um menino de rua numa favela de Hong Kong,
um esqueleto vivo em Bangladesh,
um mendigo sagrado no Tibet,
um negro na Cidade do Cabo,
mas nunca
na imagem de Rambo.
Não odeio ninguém a não ser
os hipócritas –
as hienas
em vinagrete.
Gostaria de me deitar
sob os bisturis de todos os cirurgiões do mundo,
ser corcunda, cego,
sofrer todo tipo de doença,
feridas e cicatrizes,
ser vítima de guerra
ou gari,
só para que o sujo micróbio da superioridade
não se aninhe em mim.
Não gostaria de ser das elites
e claro, também não
o rebanho covarde
nem o cão de guarda desse rebanho
nem o pastor
no refúgio do rebanho.
E eu gostaria de ser feliz
mas não às custas de quem não o é
e eu gostaria de ser livre
mas não às custas dos que não o são.
Eu gostaria de amar
todas as mulheres do mundo,
e eu gostaria de ser mulher também –
só uma vez.
A Mãe Natureza
diminuiu os homens.
Imaginem se ela tivesse dado a maternidade
a eles?
Se uma criança inocente
se mexesse
sob seu coração
o homem talvez fosse
menos cruel.
Eu gostaria de ser o pão de todos os dias –
digamos,
uma xícara de arroz
para uma vietnamita em luto,
vinho barato
numa trattoria de trabalhadores napolitanos,
ou um pequeno cubo de queijo
em órbita ao redor da lua:
deixe que me comam,
deixe que me bebam,
deixe só que a minha morte
seja de alguma utilidade.
Eu gostaria de pertencer a todos os tempos,
chocar tanto toda a história
que ela se surpreendesse do fulano tão fodão.
Eu gostaria de trazer a Nefertiti
para o Pushkin, numa troika
eu gostaria de incrementar
o espaço de um momento
em cem vezes,
para que nesse mesmo momento pudesse
beber vodca com pescadores na Sibéria,
e sentar junto com Homero,
Dante,
Shakespeare,
e Tolstoi,
bebendo qualquer coisa,
exceto, é claro,
coca-cola.
– dançar ao som dos tambores do Congo
– fazer greve na Renault,
– correr atrás da bola com meninos brasileiros
na praia de Copacabana.
Eu gostaria
de saber todas as línguas,
as águas que correm embaixo da terra,
e realizar todos os tipos de trabalho ao mesmo tempo.
Eu iria garantir
que um Yevtushenko fosse apenas poeta,
o segundo, um guerrilheiro
em algum lugar,
que por motivos de segurança
não posso revelar,
o terceiro,
estudante de Berkeley,
o quarto – um alegre pinguço da Georgia,
e o quinto,
talvez professor de crianças esquimó em Alasca,
o sexto –
um jovem presidente,
em algum lugar, digamos em Sierra Leone,
o sétimo –
estaria ainda brincando de chocalho no seu carrinho
e o décimo…
o centésimo…
o milésimo…
Para mim não basta ser eu,
deixe que seja todos!
Geralmente cada criatura
tem sua duplicata
mas Deus segurou o papel carbono
na Editora Paraíso
e fez de mim só um.Porém irei embaralhar tudo,
confundir Deus,
ser mil cópias
até o final dos meus dias,
para que a terra zumba
e os computadores enlouqueçam
e o censo mundial de mim dê errado.
Eu gostaria de guerrear em todas suas barricadas,
humanidade,
morrendo cada noite,
uma lua exaurida,
e ressurgindo cada manhã
como um sol recém parido
com uma moleira imortal
no crânio.
E quando eu morrer,
um siberiano François Villon bem fodão
não me coloquem embaixo da terra
francesa ou italiana
senão em nossa terra russa siberiana,
na colina ainda verde
onde senti pela primeira vez
que eu era
todos.
Tradução: Miriam Adelman