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O submundo do livro no Brasil

A edição mais recente de “Já podeis da pátria filhos”, o ótimo livro de contos de João Ubaldo Ribeiro, do ponto de vista das editoras, tem curiosa trajetória. O livro, relançado pela Objetiva, saiu pelo selo Alfaguara, editora espanhola adquirida pela Santillana, esta do grupo espanhol Prisa, de comunicações, dono do jornal El País. Em 2005, a Santillana comprou 75% da brasileira Objetiva, editando o livro de João Ubaldo em 2009. Mas a coisa não acaba por aí, na verdade, mal começa.

Uma gigante, dona de várias grandes editoras, engole a outra. A alemã Bertelsmann, que havia incorporado a norte-americana Random House em 1998, comprou a Penguim, do grupo inglês Pearson, em 2012, gerando o maior conglomerado editorial do planeta, a Penguim Random House. Daí para a frente, a Penguim Random House, enquanto ramo editorial da Bertelsmann (53% das ações) e parte da inglesa Pearson (47% das ações), comprou a italiana Mondadori (dona da mexicana Grijalbo), a argentina Sudamericana, a espanhola Santillana (dona da Aguilar, Plaza, Alfaguara), entre outras, gabando-se, no seu último relatório anual, de possuir mais de 250 editoras nos cinco continentes e de vender, anualmente, mais de 800 milhões de livros”.

A Santillana, dona da Objetiva, ao ser adquirida pela Penguim Random House em 2014, entregou sua editora brasileira à adquirente, que passou a ter a totalidade do controle da empresa. Como a Penguim, desde 2011, já era dona de 45% da Companhia das Letras, ao ser adquirida pela Bertelsmann, repassou também sua parte na editora local à recém-criada Penguim Random House. Esta, para unificar seus negócios no Brasil, pretendeu comprar o restante da Companhia das Letras, o que seu proprietário não aceitou, concordando, no entanto, em dirigir as duas empresas locais conjuntamente para a sócia.

Para que ele não dirigisse uma empresa da qual não era sócio, depois de um ano a Penguim Random House repassou-lhe, em março de 2015, parte da Objetiva, permanecendo com 45%, o mesmo percentual que detinha na outra. Os direitos de publicação de importantes escritores brasileiros nos âmbitos negociados dividem-se agora entre a Companhia das Letras (55%) e a Penguim Random House (45%), que busca empurrar por aqui o que vende internacionalmente.

O leitor pode ter ficado meio zonzo, apesar de termos simplificado enormemente as posses de todos os grupos citados. Lembre-se, porém, que tratamos unicamente de um livro e duas editoras locais. A situação no setor livreiro do nosso país é, de fato, bem mais alarmante, com grande entrada de monopólios estrangeiros nos últimos anos. O Brasil, ao contrário do que comumente se pensa, consta no 7º lugar entre os países que mais vendem livros no mundo, ainda que os três primeiros lugares – China, EUA e Japão – vendam juntos a maior parte, 77%. Mesmo sendo os dados disponíveis de 2003 (sua atualização custaria cerca de 360 dólares através da agência Euromonitor), indicam porque o setor editorial brasileiro recebeu tanta atenção das corporações internacionais, particularmente no que diz respeito às vendas de livros para o governo federal, didáticos ou não.

Quando o mercado está em processo de substituição pelo monopólio, este faz ‘dumping’ conforme suas necessidades de liquidar concorrentes específicos, geralmente através de descontos no fornecimento de alguns livros ao grande varejo, repassáveis ao consumo via promoções temporárias, após ter imposto sobrepreços muito além da taxa de lucro mais tacanha, que voltam a valer para escalpelar o consumidor quando estiver monopolizada a área ou for conveniente, apesar de sua escala gigantesca de produção baratear enormemente o custo unitário do que vende.

A discussão, no Congresso Nacional, de uma lei que impeça o grande varejo de diminuir o preço de capa estabelecido pela editora por um ano pelo menos, para evitar a falência das pequenas e médias livrarias, não enfrenta nem estabelece restrições à prática dos monopólios-fornecedores, no sentido de proteger as editoras nacionais. A ação negativa dos monopólios é anterior à crise econômica, embora seja verdade que a crise econômica e a pressão das “promoções” dos monopólios esteja fazendo até a editora de quintal baratear desesperadamente seu preço de capa através de promoções para reduzir os estoques.

Empresas como a Bertelsmann e outras cobras criadas editam livros com marketing global para vender, não para serem lidos, com umas poucas exceções de qualidade, mais para dificultar o crescimento de editoras nacionais e suplantar a livre concorrência.

Para se ter uma ideia de como as coisas funcionam, mesmo quanto a um clássico, a edição local da Penguim para “Totem e Tabu” (2013), de Sigmund Freud, omite, sem anúncio algum na capa ou contracapa, um trecho que trata, justamente, de incesto, esse detalhe de somenos importância para a Psicanálise, o que o leitor só descobre quando chega à página em que deveria constar o seu início, depois de ter empatado o dinheiro.

A concentração do capital é tanta, que uns poucos grupos monopolizam a edição de livros em âmbito mundial. As sucessivas compras e vendas de conglomerados editoriais dão uma ideia da rapidez com que isso acontece. Ainda desconhecidas, mesmo entre os que se dedicam ao livro ou à escrita, as conexões entre os monopólios revelam uma espécie de submundo, que ameaça a ampla divulgação da arte, do conhecimento e das ciências nacionais. Sendo que o pouco que é editado, poderá vir a ser dispensado a qualquer momento, desde que dominem inteiramente determinada área. Entre os maiores monopólios mundiais do livro, em termos de receita, se destacam os seguintes, dos quais procuraremos dar outras informações.

A alemã BERTELSMANN, controladora da Penguim Random House, é dona de 52 emissoras de televisão, dezenas de rádios, mais de 500 revistas e inúmeras outras mídias impressas que ajudam a empurrar a venda de livros. Para reduzir custos e manipular preços, detém mais de 50 gráficas. É dona da gravadora BMG, de várias universidades e colégios ao redor do mundo, operando diretamente em mais de 50 países. Informa estar voltada para adquirir “empresas de educação” no Brasil, já possuindo algumas, especialmente na área da Medicina.

A inglesa PEARSON, sócia da Penguim Random House, que se intitula, para além do setor livreiro e de comunicações, a maior empresa educacional do mundo, com atuação em 80 países, inclusive no setor educacional brasileiro desde 1970. Adquiriu, mais recentemente, uma leva de cursos de inglês locais, entre eles Wizard e Yázigi, e afirma ser o nosso país um dos quatro que tem por foco. Dona de metade do jornal ‘The economist’, por ter vendido há pouco a outra metade.

A canadense THOMSON, voltada ao setor educacional em 53 países, hoje com sede nos EUA, vendida em parte à norte-americana CENGAGE LEARNING, atuante em 140 países, incluído o Brasil.

A francesa VEOLIA, antiga Vivendi, com atuação em 77 países, inclusive o Brasil, nas áreas de energia, transporte, águas, esgotos e livros, até há pouco dona da GVT brasileira.

Assim, ao refazer em sentido inverso, a Bertelsmann e a Pearson, donas da Penguim Random House, operando no Brasil via Objetiva-Companhia das Letras, que se utilizam do selo Alfaguara, detém direitos sobre a obra de João Ubaldo Ribeiro, escritor que buscou elevar a autoestima do povo brasileiro contra a submissão a tudo isso.

“Já podeis da pátria filhos” também pode ser encontrado em edição menos recente da Nova Fronteira nos sebos, a preços em conta.

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FONTES: Sites locais e internacionais das companhias citadas e o relatório “Bertelsmann Annual Report 2014”. Também se consultou o trabalho de Fábio Sá Earp e George Kornis, “A economia da cadeia produtiva do livro”, BNDES, 2005 e matérias de jornais.

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Obs.: 2º texto de 3 interligados, sendo o 1º a resenha do livro de contos “Já podeis da pátria filhos, de João Ubaldo”. O 3º, sobre a situação do escritor brasileiro e seus leitores, sairá na próxima edição.