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UMA JANELA SOBRE A EURÁSIA

Apresentação

Ao contrário do que se assume e se confunde habitualmente – como o demonstra o fato de o nome Rússia sempre aparecer ao lado dos Estados-nação que merecem o nome, conjuntamente chamados de “países” –, a Rússia não é, e jamais foi, uma nação. Trata-se, na verdade, de um conjunto de nações submetidas a um poder central e centralizador, ou seja, de um império, por definição. Na verdade, a atual encarnação do império, sob a denominação de Federação Russa (reunião coercitiva de dezenas de repúblicas, povos e etnias, compreendidos entre a Europa e o Pacífico), é, em tudo e por tudo, a terceira versão do império dos czares, depois do próprio e de seu sucessor imediato, a URSS. De fato, trata-se do derradeiro império histórico europeu, depois da derrocada de todos os demais ao longo do século XX (impérios austro-húngaro, alemão, francês, britânico e otomano). Não por acaso, ele é hoje governado, como sempre o foi, por um déspota vitalício (desde a queda de Nicolau II, no início do século XX, apenas nove “czares” governaram o império, em sucessão ininterrupta: [Nicolau Romanov,] Lênin, Stálin, Kruschev, Brejnev, Andropov, Tchernenko, Gorbatchev, Yéltsin, Putin). Tampouco por acaso, as invasões e guerras de agressão em seu entorno são também ininterruptas. Apenas depois da Segunda Guerra Mundial: Hungria (1956), Tchecoslováquia (1968), Afeganistão (1979), Chechênia (1999), Geórgia (2008), Ucrânia (Crimeia, 2014; todo o país, 2022), para não falar da relação de vassalagem de vizinhos como Belarus e Cazaquistão, e de ameaças constantes a outros vizinhos, como os países bálticos e Moldova (cuja região da Transnístria encontra-se ocupada, assim como partes da Geórgia). Paul Goble é um dos maiores especialistas atuais em geopolítica eurasiana. Este pequeno mas grandemente importante artigo é, originalmente, uma postagem recente de seu blog,[1] em que analisa sucintamente as observações de outro especialista em império russo, o tcheco Yury Mesik, sobre tendências fundamentais (além de atuais) do império.

Luis Dolhnikoff

 

O próximo colapso da Rússia

Apesar de avisados por Andrey Amalrik em seu livro de 1969, A União Soviética sobreviverá até 1984?, os líderes ocidentais ignoraram a possibilidade que ele apontava e, mesmo em 1990-91, assim trataram outros que previam que a URSS iria se desintegrar. O resultado foram inúmeros erros políticos que lançam sua sombra espessa até hoje, diz Yury Mesik, analista eslovaco especializado em história russa.

Que isso tenha acontecido, afirma, não deveria surpreender. Afinal, as pessoas muitas vezes perdem de vista “as coisas mais óbvias, e os profissionais o fazem com ainda mais frequência, porque se concentram no status quo”.[2]

“Como resultado da incapacidade de especialistas e políticos ocidentais de prever a previsível desintegração da URSS, emergiu uma nova realidade e o Ocidente não pôde reagir de maneira oportuna e planejada”, diz Mesik. “O resultado foi improvisação e fracassos trágicos, cujas consequências continuaram por décadas”, como é agora óbvio na Ucrânia.

Segundo o analista eslovaco, “a próxima desintegração da Rússia é igualmente inevitável. E se a Europa e o Ocidente, mais uma vez, não estiverem preparados, os resultados serão igualmente trágicos”. Ou ainda piores: envolveriam o surgimento de uma Iugoslávia [na forma de uma feroz guerra civil] com armas nucleares [a antiga Iugoslávia foi muitas vezes comparada a uma pequena Federação Russa; portanto, invertendo os termos, a Federação Russa pode e deve ser comparada a uma grande Iugoslávia]. “Logo, refletir sobre a próxima desintegração da Rússia não é uma distração nem a confusão entre o que é desejado e o que é de fato”.

Em vez disso, ele argumenta, é fundamental pôr foco nessa possibilidade [ou probabilidade], para que o Ocidente esteja preparado. A “Federação Russa” – Mesik insiste que ela deve estar sempre entre aspas, pois não é nem russa [mas multinacional] nem federativa [mas imperial] – desintegrar-se-á porque o império centrado em Moscou se baseia em ideologia, coerção e venda de petróleo e gás para o exterior.

Todos os três fatores estão se enfraquecendo, diz Mesik; e a guerra de Putin na Ucrânia apenas acelerou o processo. Agora, é muito provável que o estado centrado em Moscou não sobreviva tanto quanto parecia apenas alguns anos atrás. Hoje, ele sugere, a desintegração se aproximou para algo tão curto quanto três a cinco anos.

As áreas que a Rússia ocupou sob Putin retornarão aos seus proprietários anteriores [Moldova, Geórgia, Ucrânia]. As áreas que Stalin tomou, como Kaliningrado, partirão. Muitas das partes não russas do país [como o Cáucaso] irão se separar, pois há ali muito menos russos do que Moscou admite, ou o Ocidente conhece ou reconhece. O mais importante é que as vastas áreas russas provavelmente se dividirão em vários estados de língua russa.

Exatamente como serão as novas fronteiras é incerto. Há muitas incógnitas nessa geometria. Por isso o mais relevante é outra coisa, conclui Mesik: “O Ocidente deve começar agora a analisar os possíveis cenários de desintegração da ‘Federação Russa’”. Deve estar preparado. No mínimo, o “tabu” atual de falar sobre esse futuro provável deve ser imediatamente suspenso.

Sábado, 16 de abril de 2022

[1] Window on Eurasia. Acessível em: http://windowoneurasia2.blogspot.com/2022/04/west-must-prepare-for-inevitable-coming.html.

[2] Ver: eurointegration.com.ua/rus/experts/2022/04/7/7137272/, em ucraniano; ideal- ural.org/archives/podgotovitsya-k-neizbezhnomu-napadenie-na-ukrainu-radikalno-uskorilo-razval-rossii, em russo.