Deus, ecce deus
“(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo que é justamente
o que o medo quer)”
Alexandre O’Neill
Rubro soltou-se o vírus.
O medo aspira o corpo
para dentro dos bofes da palavra.
Asfixia as coronárias.
Enxerto-me na rendição à luz
e “penso no que o medo vai ter”.
A garganta busca a rosa.
*
Dias cerrados mesmo a deus.
Poemas brancos, por inaugurar.
Veneno, de cal virgem.
Nossa débil e última guarida.
*
À submissão da sombra a língua
larga os rebentos.
Assédio das casas mudas.
Onde escavar a saída?
*
Espiga, Deus!
Entre as duras colunas de um vírus
e não receies a sua insolência.
Espiga, Deus!
João Rasteiro
Março, 2020
Deus, ecce deus
“(I consider what fear will have
and I am afraid which is precisely
that which fear is after)”
Alexandre O’Neill
Reddened the virus broke loose.
Fear sucks in the body
inside the lungs of the word.
Choked coronaries.
Engrafted in the surrender to light
“I consider what fear will have”.
The throat seeks the rose.
*
Days barred even to god.
Blank poems, unlaunched.
Quicklime poison.
Our frail and last shelter.
*
Yielding to the shadow, the tongue
releases the sprouts.
Siege of the mute houses.
Where may the exit be dug?
*
Sprout, God!
Amid the harsh columns of a
virus
and fear not its insolence.
Sprout, God!
João Rasteiro
(Translation: Patrícia Taborda Silva)