Como falar da morte? Como falar da morte para as crianças?
O pato, a morte e a tulipa (Cosac Naify, 2009), escrito e ilustrado pelo alemão Wolf Erlbruch e traduzido por José Marcos Macedo, introduz de forma poética um tema difícil tanto para crianças quanto para adultos.
O livro conta a história de amizade entre um pato e a morte. É claro que no começo a morte provoca no pato um temor bastante justificado:
– Quem é você, e por que fica andando atrás de mim?
– Ainda bem que você finalmente percebeu – disse a morte. – Eu sou a morte.
O pato levou um susto.
E não era para menos.
– Você veio me buscar agora?
Num ensaio intitulado “Devemos temer a morte?”, que compõe o livro Ensaios sobre o medo, organizado por Adauto Novaes, Francis Wolff afirma (o que nos parece bastante óbvio) que o medo mais universal é o medo da morte, no entanto é o medo de que menos falamos abertamente: “falamos abertamente de doenças, de sofrimentos, de assassinatos, de massacres, de terror, mas da própria morte só falamos de maneira camuflada, e do medo que ela inspira – do medo que nossa própria morte inspira – não falamos quase nada […]”.
Falar da morte, não importa quem seja o interlocutor, é, portanto, um assunto delicado. Imagina-se, em geral, que a ideia da morte esteja distante do universo infantil, mas não é bem assim. Na opinião de Wolff, “[…] se o idoso está mais próximo de morrer do que a criança, a criança está mais próxima da ideia da morte”. Se para o idoso, a morte é velha conhecida, para a criança é uma novidade, uma ideia bastante abstrata, que ela ainda precisa explorar. Ou seja, a morte e seus símbolos rondam a criança, os fantasmas de repente chegam do além, conforme se lê nas histórias de terror clássicas que leitores de todas as idades tanto apreciam.
Em O pato, a morte e a tulipa, com o decorrer do tempo, a morte, longe de ser assustadora, passa a ser a grande companheira do pato que envelheceu:
– O que a gente vai fazer hoje? – perguntou a morte bem-humorada.
– Hoje a gente não vai até o lago – disse o pato. – Vamos fazer uma coisa bem bacana.
A morte ficou aliviada.
– Subir numa árvore? – perguntou de brincadeira.
Quanto à criança, sabe-se que um dia, inevitavelmente, ela começará a pensar na morte de modo mais realista, pensará na morte dos outros e na sua própria. Como dizia Hegel, o homem é um animal mortal, que só deixa de ser animal quando se lembra que é mortal. Apesar dessa condição essencialmente humana, Wolff afirma que muitos adultos se surpreendem quando ouvem seus filhos opinar sobre a morte e se angustiar com essa ideia.
Num outro texto de Ensaios sobre o medo,Nathalie Frogneaux lembra que, se por um lado o medo da morte é um sentimento negativo, por outro lado ele tem, como todo sentimento negativo, “[…] um poder revelador superior ao positivo, uma vez que ele permite fazer surgir mais rapidamente, com mais lucidez e clareza, o que o valor ou o bem deixa na sombra e na confusão”. Se a mentira revela o valor da verdade, da justiça etc., a morte revela o valor da vida, conclui Frogneaux.
O medo, diz a mesma ensaísta, nos permite sair da ignorância do perigo. Mas o medo não afasta os homens do perigo, ele apenas permite que os homens o enfrentem com prudência. Parafraseando Aristóteles, Frogneaux afirma que “enquanto é próprio do covarde fugir do medo, o imprudente o ignora”.
Francis Wolff imagina um homem que não tem medo da morte, nem em pensamento, nem em atos, nem na sua alma, nem no seu corpo. Esse homem, evidentemente, conclui Wolff, não viveria muito tempo, “Pois o medo da morte é apenas a face negativa (e afetiva) do instinto de sobrevivência”. Desse modo, temer a morte nada mais é do que uma emoção saudável que preserva a vida.
Existe também o medo da morte de pessoas próximas, daqueles que amamos. Nesse caso, o que nos aflige não é apenas a perda da vida da pessoa, mas também, e sobretudo, a perda dessa pessoa em nossa vida. Esse sentimento, aliás, aflige muito a morte, no final do conto de Erlbruch: “Quando perdeu o pato de vista, por pouco a morte não ficou triste. Mas assim era a vida”.