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Poesia em tempos de indigência

Em tempos de indigência passa-se fome de toda natureza: material, intelectual, afetiva, ética. Indigência evoca miséria de um modo absoluto. E a miséria tem a ver com criação, distribuição e apropriação de bens. Com o possuir e o não possuir.

Esse pensamento, por um viés arquetípico, traz à memória a fala de Sócrates no diálogo de Platão – o banquete, quando os deuses embriagados celebravam o nascimento de Afrodite; entre as divindades, encontrava-se o filho de Métis (Astúcia), Poros (Recurso, riqueza). Quando terminavam o jantar, mesa farta, Penia (Pobreza) chegou mendigando à porta. Aproveitando-se do sono de Poros embriagado com néctar, Penia penetra nos jardins de Zeus e pensando na sua falta de recurso (aporia), no possuir e não possuir, decide ter um filho de Poros. Engravida de Eros.

Eros é, então, engendrado durante a festa de nascimento de Afrodite e tem em comum com a deusa o respeito ao belo. Da descendência materna carrega a carência. A opulência herdou do pai.

Assim, Sócrates, nas palavras de Platão, estabelece a relação entre Eros e a filosofia, entre o não saber e a busca desejosa do saber. Eros, o amor, é a mediação.

Mas que relação se pode estabelecer entre essa metáfora e o fazer poético, reconhecidamente sob o signo de Apolo? Fazer que habita mundos distintos da luz, do sonho e da embriaguez, seja pelo modelo estético apolíneo, seja pelo delírio dionisíaco? Ou, ainda, de que modo essas reminiscências clássicas se entrelaçam com a ideia de um dado estado de indigência, penúria?

Precedendo possíveis respostas imediatas, convém percorrer mais um pouco esse trilhamento no tempo histórico, quando a memória é divinizada pelos gregos do período arcaico como Mnemosine – a mãe das nove musas que ela procriou no decurso de nove noites passadas com Zeus. Lembra aos homens a recordação dos heróis e de seus feitos, preside a poesia lírica. O poeta é, pois, um homem possuído pela memória, o aedo (poeta-cantador) é um adivinho do passado, como o adivinho é do futuro. É a testemunha inspirada dos “tempos antigos”, da idade heroica e, por isso, da idade das origens. Talvez se possa inferir desse contexto a frase atribuída a Freud: “Seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta já passou por ele antes” (FALBO, 2010, p. 1).

Logo, a memória tem algo em comum com a invenção. De acordo com a tradição grega, memória carrega algo de amplo, “metáforas de infinitude”. Mário Quintana falando da imaginação, diz que “é a memória que enlouqueceu”. (QUINTANA, 2008, p. 122)

Para a poesia épica, a memória transformou-se em música que os antigos devotavam às musas em busca da “grande memória”. Uma das funções da musa seria salvar do esquecimento as vivências do passado, estas que podem ser, de alguma forma, ordenadas pela imaginação criativa. Do termo musa surgiram música e museu, duas palavras relacionadas à memória. Dois arquivos, cada um a seu modo, auxiliando-nos a coletar um repertório de memórias em nossas mentes (LE GOFF, 1992).

Boias identitárias: um pouco de memória e história

Marc Bloch (2001), historiador nascido em 1886 e morto em 1944, vítima do nazismo escrevia em sua obra inacabada Apologia da História ou O ofício do historiador, publicada pela primeira vez em 1949:

Por trás dos grandes vestígios de paisagem […], são os homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o ogro da lenda. Onde fareja carne humana sabe que ali está a sua caça (BLOCH, 2001, p. 54).

E, ao ampliar a própria noção de documento e de memória histórica, Jacques Le Goff, citando Lucien Febvre (1949, ed.1953, p. 428 apud LE GOFF, 1992, p. 540):

A história faz-se com documentos escritos, sem dúvida. Quando estes existem. Mas pode fazer-se, deve fazer-se sem documentos escritos, quando não existem. Com tudo o que a habilidade do historiador lhe permite utilizar para fabricar seu mel, na falta das flores habituais. Logo, com palavras. Signos. Paisagens e telhas. Com as formas do campo e com as ervas daninhas {…}. Numa palavra, com tudo o que, pertencendo ao homem, depende do homem, serve ao homem, exprime o homem, demonstra a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem. Toda uma parte […] do nosso trabalho de historiadores, não consistirá num esforço constante para fazer falar as coisas mudas…?

Para Pierre Nora (1978 apud LE GOFF, 1992, pp. 472-3), a memória coletiva é “o que fica do passado no vivido dos grupos, ou o que os grupos fazem do passado”. E sublinha que não se podem esquecer

os verdadeiros lugares da história, aqueles onde se deve procurar, não a sua elaboração, não a sua produção, mas os criadores e os denominadores da memória coletiva: Estados, meios sociais e políticos, comunidades de experiências históricas ou de gerações, levadas a constituir os seus arquivos em função dos usos diferentes que fazem da memória.

Assim, a “memória é um elemento essencial do que se chama de identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia” (ibid., p. 476).

As diversas concepções de memória que priorizam os aspectos da estruturação, as atividades de auto-organização, compreendem os fenômenos mnemônicos tanto nos seus aspectos biológicos quanto psicológicos, como resultados de sistemas dinâmicos de organização e existem na medida em que a organização os mantém ou os reconstitui.
Alguns cientistas foram assim levados a aproximar a memória de fenômenos diretamente ligados à esfera das ciências humanas e sociais.

Assim Pierre Janet (1972 apud LE GOFF, 1992, p. 425) considera que o ato mnemônico fundamental é o “comportamento narrativo” que se caracteriza pela sua função social, pois que é comunicação a outro de uma informação, na ausência do acontecimento, ou do objeto que constitui o seu motivo.

A utilização de uma linguagem falada, depois escrita, é de fato uma extensão fundamental das possibilidades de armazenamento da nossa memória que, graças a isso, pode sair dos limites físicos do nosso corpo para estar interposta quer nos outros quer nas bibliotecas. Isto significa que, antes de ser falada ou escrita, existe certa linguagem sob a forma de armazenamento de informações na nossa memória (1972 apud LE GOFF, 1002, p. 425).

Segundo Le Goff (1992), também os psicanalistas e os psicólogos insistiram, quer a propósito da recordação, quer a propósito do esquecimento (nomeadamente no seguimento de Ebbinghaus), nas manipulações conscientes ou inconscientes que o interesse, a afetividade, o desejo, a inibição, a censura exercem sobre a memória individual. Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta de forças sociais pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva.

Então, a abordagem dos fenômenos tempo e história passa pelo estudo da memória social. Para o tempo e para a história, a memória ora está em retraimento, ora está em transbordamento.

Também é importante estudar a memória nas sociedades de memória essencialmente oral quanto nas de memória essencialmente escrita e, ainda, nas fases de transição da oralidade para a escrita, que Jack Goody (1977 apud LE GOFF 1992, p. 426) chama de “domesticação do pensamento selvagem”. É interessante notar que as sociedades sem escrita, excetuando-se certas práticas de memorização, como o canto, atribuem mais liberdade e possibilidades criativas do que a reprodução mnemônica palavra por palavra, ligada à escrita.

Em sociedades sem escrita “há especialistas de memória, homens-memória: ‘genealogistas’, guardiães dos códices reais, historiadores da corte, ‘tradicionalistas’”, dos quais Balandier (1974 apud LE GOFF, 1992, p. 429) diz que são a ‘memória da sociedade’.

O historiador medievalista Jacque Le Goff (1992) acentua que essa memória assim transmitida não é uma memória exata, ‘palavra por palavra’ (p. 429). Seu papel mais importante relaciona-se à dimensão narrativa e a outras estruturas da história cronológica dos acontecimentos. As sociedades sem escrita atribuem à memória mais liberdade e possibilidades criativas enquanto que a reprodução mnemônica palavra por palavra está ligada à escrita.

O autor sustenta esta hipótese citando César, no De Bello Gallico [1], quando escreve a propósito dos druidas gauleses junto dos quais muitos jovens vêm instruir-se:

Aí, aprendem de cor, um grande número de versos. Por isso, alguns permanecem vinte anos nesse aprendizado. Não creem, porém, lícito transcrever os dogmas de sua ciência, enquanto que para as restantes coisas em geral, para as normas públicas e privadas, se servem do alfabeto grego. Parece-me que estabeleceram este uso por duas razões: porque não querem nem divulgar sua doutrina nem ver seus alunos negligenciar a memória, confiando na escrita; porque acontece quase sempre que a ajuda dos textos tem por consequência um menor zelo em aprender de cor e uma diminuição da memória (De Bello Gallico, VI, 14,3-4 apud LE GOFF, 1992, p. 430).

Com a passagem da oralidade à escrita, Goody (1972 apud LE GOFF, 1992, p. 435) pensa que o aparecimento de processos mnemotécnicos está ligado à escrita; que a existência da escrita implica também modificações no próprio interior do psiquismo e que não se trata apenas de um novo saber-fazer técnico, mas de uma nova aptidão intelectual.

Essa passagem da memória oral à memória escrita é distinta entre os povos e complexa.

No entanto, uma instituição e um texto servem para reconstruir o que se deve ter passado na Grécia arcaica.

A instituição é a do mnemon que permite observar o aparecimento, no direito, de uma função social da memória. O mnemon é uma pessoa que guarda a lembrança do passado em vista de uma decisão da justiça. Pode ser uma pessoa cujo papel de “memória” está ligado a uma operação ocasional. Mas pode ser também uma função durável. Na mitologia e na lenda, o mnemon é o servidor de um herói que o acompanha sem cessar para lhe lembrar uma ordem divina cujo esquecimento traria a morte. Os mnemones são utilizados pelas cidades como magistrados encarregados de conservar na sua memória o que é útil em matéria religiosa. Com a escrita, essas memórias vivas tornam-se arquivistas (LE GOFF, 1992, p. 437).

Por outro lado, Platão no Fedro, coloca na boca de Sócrates a lenda do deus egípcio Thot, patrono dos escribas, inventor dos números, do cálculo, da astronomia, do jogo de dados e do alfabeto. E sublinha que, fazendo isso, o deus transformou a memória, mas contribui mais para enfraquecê-la do que para desenvolvê-la: o alfabeto

engendrará esquecimento nas almas de quem o aprender: estas cessarão de exercitar a memória porque, confiando no que está escrito, chamarão as coisas à mente não já do seu próprio interior, mas do exterior, através de sinais estranhos. Tudo aquilo que encontraste não é uma receita de memória, mas para trazer as coisas à mente (LE GOFF, 1992, p. 437).

No Fedro, conta-se como teria reagido o faraó Thamus depois que o deus Thot, ou Hermes, apresentou-lhe a novíssima invenção, a escrita:

Mas então chegou-se à escrita. “Esta ciência, ó rei”, disse Thot, “tornará os egípcios mais sábios e mais aptos a recordar, porque esta descoberta é um remédio proveitoso tanto à memória quanto à doutrina.” E o rei disse:

Ó engenhosíssimo Thot, quem é hábil para gerar as artes não o é para julgar qual vantagem ou qual dano podem advir delas a quem as praticar. E assim, tu, como pai das letras, em tua benevolência por tua criação afirmaste o contrário daquilo que as letras proporcionam. Na verdade, ao dispensarem o exercício da memória, elas produziram o olvido na alma daqueles que as tiverem aprendido, uma vez que, confiando na escrita, recordarão por meio desses sinais exteriores, e não por si mesmos, por um esforço interior… (ECO, 2010, pp. 26-7).

Umberto Eco completa o pensamento avaliando que “agora sabemos que Thamus estava errado. A escrita não só não eliminou a memória, como também a potencializou.” (p. 27). E destaca mais uma vez a crença de que Mnemosine lembra aos homens de seus feitos e preside a poesia lírica. O poeta é, pois, um homem possuído pela memória, a quem Mnemosine revela os segredos do passado e o introduz nos mistérios do além. Enquanto essa é um dom, a anamnesis, a reminiscência, é uma técnica ascética e mística.

Para concluir este item do texto ao mesmo tempo em que se busca conexão com considerações seguintes, servimo-nos das palavras de Iván Izquierdo:

No fundo, pensando bem, o homem comum do início do século XXI, rico ou pobre, muitas vezes, andando solitário e preocupado pelas ruas, não faz nada de muito diferente. Sem suas memórias, não seria ninguém; e sem chamá-las, evocá-las e misturá-las ou falsificá-las, não poderia viver. (IZQUIERDO, 2006).

Facilitações

Abordando, ainda que superficialmente, o terreno da memória e psicanálise, cabe dizer que no documento conhecido como Carta 52, de 6 de dezembro de 1896, Freud busca a construção de um modelo para a memória, escrevendo ao amigo Fliess:

[…] Como você sabe, estou trabalhando com a hipótese de que nosso mecanismo psíquico tenha-se formado por um processo de estratificação: o material presente em forma de traços de memória estaria sujeito, de tempos em tempos, a um rearranjo segundo novas circunstâncias – a uma retranscrição. (Freud, 1977).

Segundo Peyon (2011), no capítulo “A poesia na obra de Freud: uma re-visão”, esses primeiros trilhamentos, em que se começa a escrever uma poesia sem início determinável ou fim antecipável, formados nos primeiros dias dos bichos humanos, serão uma espécie de origem rasurada, impossível, mas sempre emergindo na vida do sujeito, na sua forma de estar no mundo e constituindo para cada um de nós aquilo de mais estranho do nosso comportamento, absolutamente íntimo e, simultaneamente, absolutamente exterior e absurdo, que se reenvia, que se repete, que chega como traumático porque desarticula, ameaça e angustia. Em 1920, Freud se perguntará: Por que repetimos o que nos traumatiza? Sem dúvida, o traumático, como experiência que rompe nossas defesas de forma abrupta e inesperada, percorre com intensidade extrema as barreiras de contato deixando uma escritura difícil de decifrar […]. O esforço poético é um longo trabalho de retessitura da rede de defesa que foi tão violentamente rasgada para poder re-velar essas trilhas originárias. Ou seja, o esforço poético seria um trabalho do psiquismo para inserir uma diferença naquilo mesmo que é seu arcabouço, sua estrutura primeira, na busca por dar sentido ao que emerge, a cada retorno, como mistério indissolúvel (PEYON, 2011, p.121).

Evidente a referência a uma concepção de como se estrutura o psiquismo do ser e à poesia da aventura humana. Reflete o autor “a poesia está em cada origem perdida e assim, no (re)-início que (re) aparece constantemente. O princípio é a poesia – como verbo e ato, como conhecimento e desconhecimento, como escrita e apagamento, como resposta e pergunta, como articulação e ruptura.” (PEYON, 2011, p. 25).

Contudo, possibilita-nos retornar ao ponto de partida deste texto e à temática do papel da poesia em tempos de indigência, até mesmo para consigo própria, no sentido de restaurar sua faculdade intrínseca de ameaça ao conformismo, aos saberes cristalizados e aos poderes vigentes. A arte, enquanto poiésis significa construção a partir do nada, do caos, passagem do não-ser ao ser. Aristóteles dizia que, através da arte poética, o homem lida com as forças irracionais ou sobrenaturais, sem entregar-se a elas.

Vivemos tempos em que o embate civilização-barbárie se apresenta de um modo globalizante e radical. Parecendo que a corda poderá romper-se para um dos lados a qualquer momento. O desenvolvimento tecnológico traz em sua face sombria a coisificação, a despersonalização do eu cultural e individual.

No horizonte contemporâneo, qual é o papel da poesia senão o de desvendar o real de forma mágica, destrutiva muitas vezes ou demolidora, para reencantar o mundo? Reinventar a utopia no sentido clássico da palavra: em nenhum lugar – significando que “em algum lugar poderá ser”? Um devir? Denunciar a tragédia capaz de ferir a condição de cidadania dos povos?

Aedos, orates, cantor, poeta é aquele que canta o tempo e o homem, sobretudo. Canta o amor, canta a dor, canta a transformação e a esperança num mundo melhor. Por isso, historicamente, a poesia está ligada às dimensões básicas do estar – no – mundo, ao ato de comunhão entre o profano e o sagrado. O fazer poético abre caminho para o agarramento do homem com seu tempo, seja de que modo for; forja a consciência de sua natureza corpórea e transcendental.

O poeta está mais próximo do mundo quando carrega em seu íntimo um caos; no entanto […] sente responsabilidade por esse caos […] e não perde jamais a esperança de dominá-lo em prol dos outros e de si mesmo. (CANETTI, 2001, p. 284)

Em seu livro A consciência das palavras, Elias Canetti, prêmio Nobel de literatura de 1981, diz que um poeta seria alguém que tem as palavras em alta consideração; alguém que aprecia particularmente cercar-se delas, talvez até mais do que de seres humanos; que se entrega a ambos, mas com maior confiança às palavras; que as arranca de seus postos para, então, tornar a assentá-las com desenvoltura ainda maior; que as interroga, apalpa, acaricia, arranha, aplaina, pinta; que é mesmo capaz, depois de todas essas intimidades impertinentes, de diante delas, temente, rastejar em busca de refúgio. (p. 278)

Para este escritor, o mais importante é que o poeta seja o guardião das metamorfoses. Tanto no sentido de se apropriar da herança literária da humanidade quanto no sentido de manter abertas as vias de acesso entre os homens exercitando o dom de se

transformar em qualquer um, mesmo no mais ínfimo, no mais ingênuo, no mais impotente. […] Só pela metamorfose […] seria possível sentir o que um homem é por trás de suas palavras: não haveria outra forma de apreender a verdadeira consistência daquilo que nele vive. Há em sua natureza um processo misterioso e ainda muito pouco investigado, que constitui a única e verdadeira via de acesso ao outro ser humano […]. Na escolha de diferentes domínios do saber, que podem distar muito uns dos outros, o poeta não é guiado por nenhuma regra consciente, e sim por uma fome inexplicável. […]. No exercício constante da metamorfose, na necessidade premente de vivenciar seres humanos de toda espécie […], na prática desse exercício, irrequieta, não atrofiada ou tolhida por sistema algum, está o verdadeiro ofício do poeta. (CANETTI, 1981, passim).

Como principal instrumento da hominização, a linguagem situa o homem na sua relação com o outro, construindo o sentido real da alteridade e consigo próprio. Das formas literárias, a poesia é aquela capaz de enfrentar e transformar verdadeiras provocações da vida; capaz de incitar à atitude corajosa de transmutação de um estado de indigência em fogo-fátuo e de fazer desse brilho uma chama permanente. Capaz de alimentar a ousadia de se desejar a lua, sem a onipotência de Calígula.

É a poesia capaz de gritar a plenos pulmões, como Maiakovski, seu ódio à injustiça e seu amor ao homem. De clamar e conclamar a delicadeza como o toque de Deus no dedo de Adão.

E tudo se traduz num pulsar. Fabrico. Volúpia. Vislumbre de eternidade. Maestria.

Referências

BLOCH, Marc. Apologia da história ou O ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011.

CANETTI, Elias. A consciência das palavras. Ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

ECO, Umberto. A memória vegetal e outros escritos sobre bibliofilia. Rio de Janeiro: Record, 2010.

FALBO, Giselle. O espaço vazio. Reflexões sobre a formação do vazio na cura psicanalítica e na arte. Ágora: estudos em teoria psicanalítica e na arte. v.13, nº1, Rio de Janeiro. Jan/June, 2010. ISSN 1516-1498. Disponível em www.scielo.br. Acesso: 10/08/2011.

FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas. Carta 52. Rio de Janeiro: Imago, v.I (1886-99), 1977.

IZQUIERDO, Iván. Memória. Porto Alegre: ARTMED Editora, 2002.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 2ª ed. Campinas, São Paulo: Unicamp, 1992.

PEYON, Eduardo Rodrigues. Poesia, psicanálise e a construção do conhecimento: reverberações. São Paulo: Escuta, 2011.

QUINTANA, Mário. 1906-1994. 80 anos de poesia. São Paulo: Globo, 2008.

[1] De Bello Gallico. Comentários sobre a guerra da Gália, de C. Julius Cesar (100-44 a.C.). Série clássica de cultura Os mestres do pensamento. Direção de José Perez. São Paulo: Edições Cultura, 1941.