Outro poema notável de anônimo escritor, enviado a este crítico (provavelmente por saber que ele não se impressiona com nomes, mas apenas com a consistência e temperatura informativa estética do texto). Como no caso do outro que comentei há algumas semanas, também neste a vanguarda é a referência. Aqui, sob a forma da homenagem: ao poema LUXO de Augusto de Campos. Mas não se trata de homenagem vã, como é costume, por meio da qual o homenageante busca lustrar-se com o homenageado. Aqui, pelo contrário um acrescenta o outro, por meio da emulação.
Nesse sentido, creio mesmo que esta bela intervenção pode ser considerada uma versão pós-moderna do famoso poema concreto. Naquele, ainda sob o efeito do ideal funcionalista da Bauhaus e do minimalismo geral do tempo, as combinações se davam entre duas palavras: uma sendo a forma interna, outra a externa; uma o micro, outra o macro. O excesso de luxo virava lixo, o que indicava o pendor crítico, mas ao mesmo tempo exibia certo ressaibo elitista, como se apenas o luxo minimalista (que era o poema) fosse digno de escapar ao lixo industrial.
Já aqui, há uma intervenção não-estocástica. Introduz-se outro elemento, sem disfarces. Na verdade, outros: o E e o U, formando ricos sintagmas que se insinuam como harmônicos numa melodia.
Daí que se leia em francês macarrônico “le chulé”, e também que se insinue a imagem do poeta exilado, o “exul” (num registro alto, diga-se), bem como a do poeta inspirado, êmulo de “exu”, possuído pelo deus.
O chulé é lixo, mas o exu é luxo. Essa oposição, por sua vez, encontra eco na forma do poema, em que se espelham homologamente o chulé e o exul: lixoli/xolixo; xoluxu/xuluxo. Nessas combinações, aliás, há uma expressão subliminar. Ou melhor, duas: xô, luxo! – e também: xô, lixo! Isto é, passa, vai embora! – invectivas certeiras contra tanto o luxo, quanto o luxo – coisas que se equivalem no poema matriz que este homenageia.
Haveria ainda a comentar a tessitura dos X, com sua forma de amarradura, a insinuação de uma sátira à efusão lírica, por meio da cômica inserção de um xoluxu (i.e. soluço), bem como a sábia substituição de vogais com base no princípio da derivação das átonas, que é próprio do Brasil, dando assim um conteúdo crítico nacional à identidade luxo/lixo.
Mas com estas breves notas já terei prestado a homenagem que o anônimo merece por mais essa obra na qual o passado é não apenas confrontado, mas superado.