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Coronavírus

Porto Interior

Todo de preto

o ferreiro lixa

as arestas do encaixe da carcaça

faíscas

uma câmara frigorífica

o som do atrito

dos pneus no asfalto

vespas

uma flor de lótus num tapume

prédios esguios, baixos

lojas no térreo

uma toalha cai

de um cabide na janela

a fumaça dos carros sobe

vasos, raízes aéreas

o vento sujo da maré e do Pérola

o barulho das pedras do majongue

casa de chá, apostas,

uma van da China Telecom

entra à esquerda

as cores do arco contrastam

o aspecto áspero das fachadas

a casa de câmbio

iene, peso filipino,

dólar de Hong Kong

na barraca

maços

dinheiro fictício

para ser queimado nos enterros

um epilético se debate na calçada

talvez

uma serpente com patas

ervanário, raízes da peônia,

bancadas de madeira na porta,

uma loja de caixões

ocidentais, negros,

dobradiças douradas,

práticos, para velórios rápidos

há também o caixão chinês

um tipo de copo-de-leite,

só em terracota, sem adereços,

o morto não morre

um velho arrasta o cesto de peixes

 

 

 

 

Publicado originalmente no Livro Estado crítico, São Paulo, Hedra 2013.


 Sobre Régis Bonvicino

Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.