Porto Interior
Todo de preto
o ferreiro lixa
as arestas do encaixe da carcaça
faíscas
uma câmara frigorífica
o som do atrito
dos pneus no asfalto
vespas
uma flor de lótus num tapume
prédios esguios, baixos
lojas no térreo
uma toalha cai
de um cabide na janela
a fumaça dos carros sobe
vasos, raízes aéreas
o vento sujo da maré e do Pérola
o barulho das pedras do majongue
casa de chá, apostas,
uma van da China Telecom
entra à esquerda
as cores do arco contrastam
o aspecto áspero das fachadas
a casa de câmbio
iene, peso filipino,
dólar de Hong Kong
na barraca
maços
dinheiro fictício
para ser queimado nos enterros
um epilético se debate na calçada
talvez
uma serpente com patas
ervanário, raízes da peônia,
bancadas de madeira na porta,
uma loja de caixões
ocidentais, negros,
dobradiças douradas,
práticos, para velórios rápidos
há também o caixão chinês
um tipo de copo-de-leite,
só em terracota, sem adereços,
o morto não morre
um velho arrasta o cesto de peixes
Publicado originalmente no Livro Estado crítico, São Paulo, Hedra 2013.