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Vídeopoema de Régis Bonvicino e Rodrigo Dário

 

 


 

De tarde

Ela não é mendiga, é catadora
ela dorme sempre ali,
impossível dormir sempre ali
ela apenas descansa de passagem na calçada
rua paralela à avenida
talvez ela tenha escrito o verso:
“nem na morte espero dormir”
ela não fala português
ela urina no bueiro,
ela mora num abrigo
ela vende a própria sombra
ela cumpre um papel,
é um enigma verbal
na calçada, perto da guia
forro cinza aberto no chão
manta de lã como travesseiro
colcha com estampas de flores como cobertor
rosto de fora
um saco de lixo: latas de alumínio
um fio de sol reaviva a zona morta de sombra
onde está deitada debaixo da árvore
o outono acabou
corolas meio murchas, estames longos
pétalas entre o rosa e o roxo
os pés, descalços, traídos pelo cobertor
o vento carrega as folhas
pétalas adornam seu rosto