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Leviathan Toth

existe apenas um vale, mas ele se divide em dois ou mais vales ; neles, todas estas bifurcações se dividem como um moto perpétuo, até formar um número separado de vales, correspondentes às partes separadas do animal adulto (uma paisagem epigenética).

durante o desenvolvimento de um ovo, suas duas partes seguem por caminhos desiguais, algumas se tornam músculos, outras, nervos, e assim por diante.

no começo do mundo e da vida nós éramos todos apenas um grande corpo, um grande corpo em constante ebulição e discussão. uma grande colônia, não tínhamos pernas e braços e não podíamos nos mover, nos alimentávamos de ar e luz, por isso, embora compostos de idéias, desejos conflitantes, tínhamos que manter a calma, pois pouca era a energia , no ……

 

permitindo a cada entidade dar forma à outra


 

o problema da bifurcação da natureza
fig. 1. – cobordismo de duas variedades m1 e m2 – a imagem intuitiva mais simplista é a de uma calça (vestir o esboço)

uma natureza curto-circuitando todos os naturalismos. pois a natureza, aqui,  não é a mesma em que acreditamos. no que lhe diz respeito, entende-se não somente a selva do rio, e o mar, e a praia (e as pessoas que as acompanham), inclua-se aí a embriologia, a física, a astrofísica, a biologia molecular. incluam-se também todos os processos que se possa imaginar da morfogenética. como acidentes de forma, definidos em um espaço qualquer. e se o modelo de um intelecto depreciar ou sufocar o corpo como uma figura de espantalho (nós: pobres e mínimos corpos, cheios de si, enfezados, rígidos, nada hábeis e tristes, finalmente), neto já não coloca tanto a natureza contra a cultura, uma vez que ambas são fruto de uma fabricação simultânea: estas criaturas ou organismos diversos se desenvolvem através das leis newtonianas da gravidade, de images/stories  microscópicas, dos jogos de equilíbrio, dos materiais sintéticos de lycra, das esferas de polietileno (do movimento dos corpos pesados). aqui, a cultura não é mais que uma junção de modelos científicos, políticos, estéticos, peças que devem ser colocadas em movimento para ter acesso a tal natureza, invisível ao olho nu mas reconhecível para todas as pessoas sensíveis e corpos. são a interface de nossos mundos possíveis, não há, absolutamente, escapatória uma reflexão qualquer (diga « o corpo, o corpo », e depois morra).

– tentamos perpetuar um traçado frente à bifurcação (a bifurcação gera a catástrofe).

fig. 1. – cobordismo de duas variedades m1 e m2 – a imagem intuitiva mais simplista é a de uma calça (vestir o esboço)


 

uma escultura não é uma totalidade de propostas ou instruções a serem aplicadas.  Nem statement, nem jogo conceitual sobre os códigos – que apenas seguiriam as leituras pobres de duchamp –, mas processos de experiência, instalações inseridas na duração[1] : alguém tira seus sapatos, alguém se senta, alguém usa seu tempo, alguém não faz coisa alguma, alguém passeia por aí, alguém faz contas com os dedos, alguém se encontra com outras pessoas dentro de piscinas cheias de bolas de plástico, é meio-dia, alguém evoca a praça dorpdorp do país da magia.
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representante paradoxal da abstração extrema, de uma abstração onde tudo é definitivamente concreto (o mais distante possível do universal, que ali ainda funciona, juntamente com os códigos e as aplicações mecânicas), propondo primeiramente uma experiência e uma duração, neto constrói assim os dispositivos ficcionais. para tal, permitindo, quando penetramos em sua instalação, a aplicação da noção do teste.
simulando as condições do mundo exterior (o sistema nervoso)
desde o tempo real (lorenziano) ao puramente imaginário (euclidiano), e de volta

fabricando os penetráveis[2](termo proposto por  hélio oiticica em 1960), ou elaborando as criaturas, ele edifica os contextos ficcionais separados do mundo, os espaços de experimentação, nos quais o princípio de narração se reduz à sua definição mínima – uma diferença surgida no seio de uma repetição. a peripécia se cumpre através de uma descrição geofísica do percurso da escultura: aqui, um drop (pingo), ali, outro, acolá, umas naves – (uma aquisição de novas descrições).
estes processos ficcionais são comuns à ciência e à arte: elabore as lógicas, os modelos, os cálculos, desenhe as plantas, edifique as maquetes, tudo isso com o intuito de produzir novas formas. mas, enquanto tivermos as cordas e deitarmos fora o que pesa, o resultado, a forma engendrada, erguerá sempre uma surpresa. não mais códigos & causas-conseqüências, mas um dispositivo ficcional-surpresa.  bruno latour afirmou que alan turing também trabalhava dessa maneira[3].
– alguma coisa imprevisível

 


 

estas criaturas não nascem mais ex nihilo. suas elaborações se encaixam perfeitamente no seio de um conjunto heterogêneo de trabalho, atualmente ainda pouco visíveis, mas sinalizadas, acredito eu, provavelmente, cada vez mais, nas exposições de neto : desenhos, mapas, princípios poéticos de escrita, micro-ficções, às vezes simplesmente oralizadas, substituindo as apresentações de projetos de escultura. pequenas fábulas, ao estilo do século XVII, ao uso antropológico, político e estético, a serem articulados de maneira simples nas instalações. esta exposição, heteróclita, não pode ser considerada como um simples trabalho preparatório às esculturas – fatores que agem de forma não-local. a exposição é pequena, com certeza, mas nos permite compreender o por que do trabalho de neto não se reduzir mais àquela apresentação ortodoxa, que acentua unicamente o aspecto da sensualidade brasileira e das preocupações ambientais (referência ao uso das espécies).

« no começo do mundo e da vida, não éramos mais que um grande corpo, um grande corpo em constante ebulição e discussão. grande colônia, não tínhamos nem pernas nem braços e não conseguíamos nos mover. nos alimentávamos do ar e da luz. por isso,uma vez que tudo à nossa volta tornava as idéias-desejos conflituais, tínhamos de manter a calma, usar muito pouca energia… o estado de ebulição chegou a um tal nível de discórdia que exalou uma força suficiente para fazermos uma primeira ruptura com o estado de existência – de outras formas de vida, portanto, a idéia de outras possibilidades de existência. essa ruptura se deu em pequenos e diferentes conflitos que, através desta revolta, desenvolveram membros à sua volta, que permitiriam sua locomoção. o corpo desenvolveu, assim, várias bocas, a fim de incrementar sua capacidade de absorção (…) »

esses regimes diferentes de linguagem colocaram no jogo as diferentes velocidades de pensamento, lógicas diferentes de compreensão das coisas, permitindo a fabricação daquilo que neto denomina, como se ele próprio tivesse criado o termo, de energia.

esse é um termo muito difícil de ser compreendido porque, contrariamente àquilo que parece indicar a generalidade desta noção, tal expressão nos remete a algo de extrema precisão, mas dificilmente proposicionado. com efeito, se neto possui uma prática textual poética, através de pequenos livros que ele mesmo publicou, a introdução de dados e manipulação das palavras não lembram em nada aquelas de um poeta. suas relações com palavras e frases estão mais próximas da relação que ele tem com a lycra e as esculturas. se o entendimento de tal noção de energia é dificilmente verbalizado é só porque ela, na verdade, é pragmática: o próprio fato de ser ele um escultor nos obriga a ler os textos de neto, ouvir suas micro-ficções, observar seus desenhos e se perguntar, afinal, quais são as questões propostas por aquilo tudo.

uma infinidade de bolas com images/stories no superfície de cada uma delas – de uma bolha à outra, a imagem se torna ligeiramente diferente, até o infinito

 


 

hobbes teve muito cuidado ao escolher, para a capa do leviathan, uma gravura de abraham bosse, representando o corpo político: na metade superior da ilustração, dominando as montanhas e a cidade, um gigante constituído por um corpo e uma cabeça, carregando consigo uma espada e um cetro. a intenção, tal qual um monstro bíblico, é suscitar um perigo tal que seja suficiente para impedir um estado de guerra, todos contra todos. nessa gravura, o corpo é resultado da junção de uma infinidade de indivíduos, mas não chega, afinal, a constituir uma unidade, não é mais que uma cabeça, que fecha aquele espaço aberto para, ali, constituir seu corpo.
em torno desta gravura está a questão da representação, nas quatro acepções deste termo (política, estética, científica e religiosa). é, talvez, através desta questão que se possa encontrar uma descrição aceitável do leviathan toth de neto.

no capítulo xvi do livro I (« as pessoas, os autores e as coisas personificadas »), hobbes considera, portanto, que o povo não pode traçar sua unidade senão através da existência de um representante : sem um representante, não existe povo, somente um agregado de indivíduos. para ser efetivamente eficaz, este representante deve ser uma pessoa de moral, juridicamente distinta dos representados. e tal pessoa só pode ser instituída através de uma delegação de todas as vontades individuais, em benefício destes últimos: somente delegando suas vontades os indivíduos podem instituir tal representante que, por sua vez, oferecerá uma unidade ao corpo político, ao povo[4]. daí a famosa gravura de abraham bosse : um corpo da nação, feita por milhões de indivíduos, uma cabeça unificadora, de rei, que permite que o corpo seja mantido.

corte a cabeça de um refém e não sobrará grande coisa, a menos que este seja são denis, tal qual foi representado por léon bonnat na tela situada à entrada do panteão: tomando sua cabeça nas mãos, são denis, subindo de novo a rua dos mártires, segue, assim, em direção ao local que, mais tarde, veio a se tornar a basílica de são denis (93).

sabe-se que, por este escrito, hobbes foi acusado de ter proposto os fundamentos filosóficos, simultaneamente, do absolutismo e do liberalismo.

instalando sua peça no seio do panteão, neto propõe um outro esquema, uma outra gravura além da que está na moda, um outro modelo de representação, uma outra criatura artificial (leviathan toth).

as instalações de neto produzem, no público, efeitos que trazem consigo rápidas referências: sorrisos nos rostos, trocas cúmplices de olhares, significando um real prazer, perda das referências temporais (restam 10mn ou uma tarde) – o risco é que também se esqueça que se trata de uma peça frágil e não de uma simples área de recreio. a arte articulada traz consigo questões vitais e extirpadas daquelas ligações fundadas unicamente sobre a dor, a angústia, a morte. ela permite uma harmonia que, antes de nos fazer sofrer, pode, igualmente, ser um dos pontos importantes reivindicados. mas nem mesmo é necessário vê-la por sua ingenuidade, tal e qual (estes bons selvagens, que não pensam em nada mais que passatempos). não se trata, de fato, de uma negação da morte, mas de sua re-inserção dentro de um ciclo de vida[5]. leviathan toth é uma escultura triste.

a gravura do leviathan de hobbes repousa sobre um circuito ótico muito particular  todos os indivíduos do qual o corpo da entidade é constituído se voltam em direção à cabeça, ficando, dessa forma, de costas para os espectadores. seus olhares, voltados para aquela única direção, não encontram, assim, como única tradução, mais que os olhos da criatura, quer dizer, fica a cargo dela olhar para os espectadores. não é, nem uma única vez, mais que pela existência da cabeça, a que representa a nação, a única vontade legítima, produto do abandono de todas as vontades individuais, que os olhares trocados entre indivíduos isolados podem circular.

sem esta meditação, toda comunicação política inter-individual é impossível. desembaraçar-se da cabeça com o intuito de permitir uma comunicação entre os constituintes, pode talvez ser uma leitura possível do efeito neto. uma conduta superficial – uma superfície de primeira difusão (aplicada a um círculo unitário). não apenas uma apologia do físico contra o cerebral, por um lado, não mais um anarquismo ou um comunismo primitivo, por outro – o modelo já foi muito utilizado para ser proposto como tal, sem maiores explicações. não mais uma comunicação « direta » (fora das meditações,em todos os casos, nada de política), nem uma « utopia » a mais (além de seu alcance crítico,a utopia não seria ela mesma, finalmente, uma categoria que se permite aceitar as situações apresentadas?),mas uma tentativa de pensar em outros tipos de intermediários, em outras meditações.
leviathan toth < (b. latour) : quantas camadas distintas, rotinas, transformações, serão necessárias para um indivíduo ter « vida própria » ?
estas meditações são próprias do leviathan toth. elas são feitas de lycra, de esferas de poliestireno, de especiarias, daquela idéia particular da natureza, do organismo artificial, mas também de quadros institucionais, daquilo que chamamos de « mundo da arte », do lapso de tempo passado dentro da escultura,das micro-ficções construídas a seu redor, etc. e através destas meditações, a noção mesma de indivíduo se encontra modificada: não mais pessoas formando um « corpo político », mas níveis de individuação em escalas diferentes, produzindo, a cada etapa, suas formas correspondentes:uma esfera, uma massa que cai, um corpo humano, uma multidão que se informa, uma criatura artificial, uma paisagem epigenética. poderia ser, então, denominada « individuo » também uma bola de poliestireno, uma drop (gota) constituída de areia e lycra, uma pessoa ou ainda o conjunto do público evoluído pela escultura.
leviathan toth é o nome genérico que reagrupa todos estes níveis de individuação.

 


 

leviathan toth se compraz de cinco partes – o corpo, os dois braços, o sexo e o quinto elemento – montados separadamente, tal qual os robôs japoneses que lutam para defender o universo (ou aniquilá-lo). após hobbes, as criaturas artificiais também se adaptaram a seu tempo.

 


 

(o modelo do leviathan toth continua, portanto, em outro local)

ao longo dos troncos das palmeiras, instalam-se as bromélias. não se trata de parasitas, elas não vivem mais dependendo da árvore.  bromélias e orquídeas praticam, nas copas das árvores, um mutualismo biológico: complementaridade de necessidades, troca de serviços, encenação comum dos recursos. estão lá, ao longo de todo o tronco, as florestas de bromélias.
puxando sua carroça, o « camelô » para em um canto da rua, desempacota sua mercadoria, vende-a, embala-a outra vez, tira a carroça das ruas, regressa com ela.
o camelô faz parte da economia « informal ». jamais levado em conta, dentro das cifras oficiais, ele faz, portanto, parte daqueles grupos que estruturam a paisagem sócio-econômica da cidade.
enquanto integrante das populações trabalhistas dentro daquela economia informal, o número de desempregados baixou sensivelmente.
os camelôs informam a paisagem do rio. abrindo caminho através da cidade, dentro de uma ordem não programada, eles são o equivalente social das favelas, sendo elas próprias os equivalentes urbanos das6 bromélias: habitações que se erguem sem autorização nem plano urbanístico, encravadas nos flancos das montanhas, casas aleatórias colocam em prática o mutualismo.
segundo o mundo dentro do qual nos situamos, podemos classificar isto como: indiferença à ordem estabelecida, tolerância ou plasticidade.

viver dentro de um caixote, deslocar-se com facilidade, circular, montar, desmontar sua estrutura efêmera. pouco importa a escala, leviathan toth vive dentro de três caixas.

se leviathan toth propõe um modelo, social, natural, ético, é interessante perceber que este modelo se aplica no trabalho do autor da peça.. o processo de concepção e de realização da escultura re-escreve as bromélias, os camelôs e as favelas. pois logo em seguida ele não propõe a seu público uma hipótese de como viver juntos? concordando com as populações (humanas, vegetais, arquiteturais), chegando a outras populações (a questão do público, os públicos). o artista, através de suas práticas, não é, finalmente, mais que um intermediário, uma meditação construída por outras meditações efêmeras, pelos coletivos temporários. estamos longe da « natureza, sensualidade, especiarias e brasilianidade » habitualmente esperadas quando se evoca o nome de neto.

a percepção, aqui, não é mais uma pura função biológica,  mas trabalha como uma reformulação do social, do político e do físico. não é mais um dado natural, mas uma lenta construção. também o meio real é, aqui, a noção da experiência (arte como experiência) e é através da filtragem desta que podemos obter a reformulação percepção = recreação.

 


 

a respeito do panteão, mona ozouf[6] disse, substancialmente, que

a morte recuou até o subsolo, foi relegada ao silêncio, à obscuridade. o espaço liberado na superfície deveria ser consagrado a nada mais que a memória.
grandes homens, através de uma arte pedagógica, pegaram o previsível e uma luz imutável e, através destes, tornaram possível uma solenidade eterna. nos entregamos, portanto, a produzir pacientemente a solenidade, o respeito, o oficial, o imposto: cerramos as janelas, a luz foi refletida não mais que indiretamente, a vidraça da cúpula perdeu seu polimento. tal estado, segundo a « lição das bolas », seria a « condição indispensável ao sublime ». (« despir do panteão todo o ar de poder é o mesmo que este ser habitado por homens ordinários », p. 151)

é preciso, portanto: abrir as janelas, deixar entrar a luz, o ar, fazer barulho, etc.

a despeito dos planos de quatremer de quincy, o projeto do jardim sobre a praça do panteão nunca foi totalmente abandonado (p. 160). mas é preciso que este se constitua de um perfeito ordenamento da natureza, impondo ainda uma solenidade moral dos grandes homens, impossível hoje em dia.

é preciso, então : deixar a natureza adentrar o panteão, a natureza e não um jardim, mesmo que este seja inglês. a natureza enquanto organismo generalizado, mas também a natureza que inventa, todos os dias, a ciência, através de novos mundos por ela descobertos: o microscópico, o infra-celular, o imensamente longe, o espaço da parede de planck, etc. uma natureza distintamente não-local. 10-46 antes do começo.

em termos de seu uso, o panteão é, essencialmente, mobilizado, até que o estado decida fazer entrar ali um morto (recentemente, malraux ou dumas, alexandre). poucas atividades desligadas de tais momentos. caso, logo após, siga-se a revolução, geralmente com interesse, as procissões através da cidade, o povo de paris deve, sempre, desistir de passear até o palácio para dar lugar a seus únicos representantes: o olho da televisão lhe serve, atualmente, como surrogate (substituto) (façam entrar mais de um milhão de pessoas – uma estimativa baixa do número de parisienses que seguiram o cortejo funerário de victor hugo – relegados a um dado espaço ficamos, todos, muito restritos, e ali vocês verão um templo de solenidade que, rapidamente, se assemelha à praia de ipanema ou a um dia de carnaval, não a um templo laico da república). desligado destes momentos fortes, um fluxo contínuo de visitantes percorre a igreja (mona ozouf fala de « três turistas do illinois que se arrepiaram »). « turistas » mas, ainda assim, parte do povo.
o escultor raciocina em termos de populações – seu trabalho não é, propriamente, político. mas « popular », « construir um povo » é uma questão que transborda desta moldura (michaux, em minhas propriedades, teria escrito sobre outra coisa?). popular, tornar popular, fazer pulular, uma hipótese seria dizer que as esculturas de neto têm como horizonte a fusão dos dois termos, povos, populações.

façamos, portanto, entrar o povo ao panteão, mas não como se adentra um monumento, assentado sobre um modelo de exposição. raptemos seus sapatos.

brasileiros de qualquer parte, leviathan toth não acredita mais naquela « arte-pedagógica » cara ao século xviii mas, flexível com as novidades sobre as questões estéticas, éticas e políticas, traz de volta para nós aquela idéia hoje em desuso, que a experiência estética pode, não mais « educar » (o número sempre planejado do autoritarismo), mas modificar os comportamentos, amaciar as posturas, trazer para o jogo aquelas posições firmes. para tanto, já não está longe o ideal revolucionário que liga a arte à « reconciliação cívica », ideal conhecido pelo panteão, mas que, atualmente, não é mais percebido como uma suspeita da manipulação ideológica[7].

tentar devolver uma atividade a este monumento, que não seja mais um monumento, que a presença do público abane a escultura, sem danificá-la, que ele receba, em troca, aquilo que tal criatura possa doar e que, assim sendo, o panteão se descubra de seus poderes insuspeitos. não mais a criatura pavorosa, impondo a paz através do medo e do controle, leviathan toth funcionaria como um intermediário entre o povo e seus símbolos, permitindo assim que seja reatado um contato perdido (tal qual os filmes eróticos dos anos 70 de joe sarno: uma cidade que perdeu todos os seus pontos de vista vê surgir uma jovem vinda de lugar nenhum que, despertando uma esquecida atividade sexual, traz à baila novas combinações entre os casais. quando novos casais se formam, e a cidade está em paz, a jovem desaparece sem deixar vestígios). simples intermediária, a personagem não é mais que uma convidada do festival de outono, naquele local altamente simbólico. leviathan toth aparentemente, afinal, tão « caído », tão destituído de forças, se submete à gravidade e não toma sua forma, exceto pela própria gravidade – mas, « não sabemos mais o que pode um corpo ». simples intermediário que, de qualquer maneira, também irá desaparecer, mas ao qual é necessário, de todo modo, tornar efetivo seu programa, hoje mesmo: importar para dentro do panteão um novo tipo de iluminação, através de diferentes filtros de lycra, propor um novo tipo de coletivo, leviathan toth, fazer circular esta energia singular para dar impulso ao conjunto.

 

Tradução: Márcio Salerno

 

Leia o original em francês (formato PDF)

[1] então, um dia, eu tomei parte em um projeto intitulado « the red sea » (« o mar vermelho ») que tomava a forma de uma piscina de bolas vermelhas, de plástico, e eu, tolamente, sugeri que bolas brancas poderiam perfeitamente dar conta do recado, uma vez que o título da peça em questão já preenchia a função do colorismo. neto, então, respondeu que um tal título aplicado às bolas brancas tornaria o mesmo uma espécie de statement (afirmação), fazendo da mostra uma coisa pesada e abrindo caminho para interpretações grosseiras (denúncias de banhos de sangue mundo afora, etc), ao passo que bolas vermelhas, em adequação ao título, tornariam invisíveis tais articulações, portanto, mais difíceis de detectar.

[2] ver, por exemplo, as últimas realizações no domínio de kerguehennec (2005), ou no konsthall de malmö (2006).

[3] ver a análise feita por ele no primeiro artigo a respeito de turing sobre sua famosa « máquina », no qual demonstra que as lógicas a que turing se refere estão bem mais próximas da arte que da imagem tradicional que as pessoas têm da ciência.

[4] « uma multidão de homens torna-se uma única pessoa quando estes homens são representados por um único homem, ou uma única pessoa, de tal sorte que tudo seja feito com o consentimento de cada homem, naquela multidão em particular. porque é a unidade do representante, não a unidade do representado que faz da pessoa una, e é o representante que faz o papel da pessoa, e ele não representa mais que uma só pessoa. a unidade em meio a uma multidão não pode ser incluída de outra forma. » (leviathan, I, xvi)

[5] ele explicou que, na água, existem muitos peixes e que, nos peixes, existe água, e na água destes peixes, existem peixes de peixes. é uma análise infinita. a imagem do labirinto o assombra. ele nunca deixa de falar no labirinto da continuidade.

[6] mona ozouf, « o panteão, a escola normal dos mortos », nas ligações da memória, t. 1, a república, gallimard, 1984, p. 139-166.

[7] ibid, p.163