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Poemas de Solange Rebuzzi

MÃOS ESTENDIDAS AOS ABISMOS

para António Ramos Rosa

 

A mão direita de lado

e a outra mão na mesa

gritam palavras

no calor do silêncio

 

As mãos na cama andam

e dedos ágeis

fabricam linhas roupas

um corpo

 

Os ombros suavizados por instantes

em passeio na cena ousam

Visitam tempos de outrora

(Modernos ruídos do lado de fora)

 

Dançam nas ruas os homens

Devoram tudo

sem sossego

Bebem loucuras naufrágios

 

Enquanto mexicanos marcham

Pedem paz e pedem pouco

E não levam nada nos pés

 

Enquanto o etna começa a ferver:

fumaça e cinzas

A paciência não reverbera

 

Muros saltam vazios

Gritos se inscrevem na memória

A sede é além de qualquer um

 

No olhar não se define a origem

Vulcões desesperados lamentam

 

Se eu pudesse “desatar o nó oculto”

Se eu pudesse …

 

 

ALGUNS HOMENS

para Sophia de Mello Breyner

 

Na sombra dos dias e bem no escuro

Respiram alguns mortais

Sem máscaras nem índole de qualquer tipo

 

De perfil já são estranhos

(com o sorriso torto e dentes demais)

Nos ângulos avessos ao esperado

 

Traduzem aspectos de esdrúxulos animais

Agem e se escondem

Roubam matam sufocam

 

E as portas e as janelas nos contam

Por onde os homens fogem,

à sombra da luz

 

 

JOELHOS, PERNAS, BRAÇOS, MAPAS

para Herberto Helder

 

Joelhos à noite chiam

em roteiro misterioso e belo.

As mãos nada dizem.

Silenciam.

Pernas e braços se acomodam

devagar.

 

Roupas dependuradas respiram.

Por baixo do lençol tudo fala.

Na voz rouca da noite,

as letras unidas sempre

em lábios entreabertos.

 

Até o dormir aguarda.

Um perfume e um som vagabundo

atravessam paredes.

Sim, – um sopro.

Na noite

estranha noite

geme-se.

 

 

NUVEM POESIA

 

Uma nuvem poesia; angústia diminuta e rara

persevera na sombra de palavras etéreas.

Toda uma vida sonhada em tons graves

na paz de alguns dias. Não me perguntem quantos.

Do ar entre insetos e árvores altas,

alguns minutos foram de silêncio

nas muitas formas que propagam sonhos.

Nem sempre se diz a sombra ou o silêncio tão completamente.


 Sobre Solange Rebuzzi

Escritora e psicanalista. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro. Passou a infância em Manaus, e a adolescência em Ipanema. Estudou psicologia, filosofia e literatura. Escreve poesia e prosa. Traduziu Francis Ponge em Nioque antes da primavera durante um Posdoc na UFF, Lumme editor. Publicou o romance A bordo do Clementina e depois. E os diários escritos durante a pandemia: Diário de um tempo indeterminado e Caligrafias. Todos pela 7Letras entre muitos outros.