BIOBIBLIOGRAFIA
Nas casas, há algo de túmulo
em toda estante de livros;
de epitáfio em cada título.
Há paz, senso de dever
cumprido em tê-los obtido,
folheado e posto em ordem −
memorial ostentado,
fundo de fotografias.
Morto o dono, o monumento
desmorona em mãos alheias;
a heráldica dos carimbos
pessoais nos frontispícios
se prostitui pelos sebos −
biblioteca destroçada,
despojos de histórias postos
à venda nas prateleiras
de alta rotatividade.
Leitura ecoa abertura.
Letras murmuram por trás
das capas (campas) fechadas,
à espera: que a treva seja
só um piscar de eternidade;
que em leituras explosivas
futuras, pálpebras abram-se
a tudo, até à presença
luzidia − humana − ao lado,
no labirinto de estantes
que é qualquer livraria.
Olho no olho; na língua,
convite ensaiado de um
miniaturista que diz:
“deixe-me inscrever um livro
nos seus lábios e escutar
a voz que deles vai sair”.
NÃO HÁ MOTIVO PARA NÃO GRAFAR BELEZA
Não basta o encontro entre tato e textura.
A intimidade brota é das palavras.
Mais que “aroma”, cheiro −
o das plantas no cerne ancestral do papel.
Do talho inscrito sobre o branco, rompe o verde;
sílabas viçam rumo a flor e fruta.
Não há motivo para não grafar
beleza na língua
que iguala a fibra humana à vegetal
nas cinco letras da palavra folha.