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Poeta Ashraf Fayadh preso

O governo saudita é oficialmente uma monarquia. Isto é meia verdade, o que significa uma mentira inteira. O regime saudita, na verdade, é uma “monarcoteocracia”, resultado de uma mistura entre o absolutismo da Casa Saud e a teocracia wahabita. Todos os grupos considerados de terror contemporâneos são wahabitas – incluindo a Al Qaeda (Osama bin Laden era saudita, assim como todos os planejadores e participantes do 11 de Setembro), o Estado Islâmico etc. Na Arábia Saudita matam-se por apedrejamento, entre outros, mulheres “adúlteras”, gays e “apóstatas” (os que abandonam a prática da religião). Já ladrões têm “apenas” as mãos amputadas. Tudo seguindo a shariá, a lei islâmica.

Entre inúmeras pessoas atualmente condenadas à morte no reino saudita está o poeta Ashraf Fayadh, por sua obra e pelo laicismo dela (e dele): seu crime foi, justamente, a apostasia. Como no fascismo, na Arábia Saudita não se queimam “apenas” livros, mas também autores.

Lembremos do caso do recente assassinato, seguido de esquartejamento, do jornalista saudita Jamal Khashoggi dentro do consulado do país em Istambul. Sabe-se que o mandante foi o líder supremo do país, príncipe Mohammed bin Salman. Mas que importa? O sangue de um homem não tem o mesmo valor, por litro, do petróleo. Nada, nem ninguém, na Arábia Saudita, sofreu qualquer consequência, ou mesmo alguma censura. Enquanto a licença não é revogada, “o poeta Ashraf Fayadh, condenado à morte por ‘apostasia’ por um tribunal saudita, permanece na prisão

Em um exemplo excepcional, a mídia mundial deu vez e voz à indignação internacional, e a sentença de morte de Fayadh foi afinal transformada em pena de 8 anos de prisão e 800 chibatadas, ambas sendo atualmente rigorosamente cumpridas. Isso nada muda essencialmente. A reino absolutista tem os cárceres cheios de condenados e condenadas de menor renome, que morrerão em silêncio no devido tempo. Fayadh é a exceção que confirma a regra da barbárie jurídica da Arábia Saudita, buraco negro dos direitos humanos, tão escuro quanto o petróleo.

 

Ashraf Fayadh

Ashraf Fayadh é poeta, diretor, fotógrafo, pintor e curador de exposições de origem palestina nascidas na Arábia Saudita em 15 de julho de 1980. Ele é um dos principais artistas de Abha, a cidade onde vivia. Participou da Bienal de Veneza, representando a Arábia Saudita. Epicrisi é sua segunda coleção de poemas publicada na Itália por Di Felice Edizioni, em 2019. Os poemas a seguir pertencem ao volume.

 

DOIS POEMAS DE ASHRAF FAYADH

Céu adentro

O cheiro de tédio enche o quarto,

meu coração, um livro podre

coberto de espessa camada de pó,

o cinzeiro é bastante familiar

e os pensamentos se apegam às paredes como moscas exaustas.

Uma aranha desocupada encara árvores sonolentas,

algum rumor lá fora

e o frio domina a situação.

Separação automática

Na tentativa de latir, o corvo inevitavelmente falhará,

atualmente não temos provas convincentes de que ele

só pode pingar suor

ou caindo no oceano se transformar numa bola de carvão

pelo poder divino.

Agora nossa vida é ameaçada pela água, mas não podemos nos vingar,

estaremos prontos para desistir de nosso orgulho apenas quando

percebermos nossa impotência

ou que a saúde nos deixa.

Pena não podermos mais nos encontrar…

Pena que você não poderá mais marcar minhas costas com arranhões regulares

nem ouvir os meus suspiros ao passar sobre mim com graça previsível.

Você sabe que rasguei todas as páginas do meu caderno

e que a produção de papel segue a ameaçar seriamente a existência das árvores.

Sou um animal…

Nu… de estrutura fraca, caminho com duas patas.

Me apaixono, e exagero no ódio.

Sinto fome… e minha necessidade de ar é extrema e embaraçosa,

mínima a de água.

Me apego à vida, e minhas razões são menos convincentes que as do lobo

quando os dois temos necessidade de matar.

O desejo é uma espécie de necessidade.

Assemelha-se ao medo exagerado das mulheres de insetos domésticos.

Há uma grande diferença entre dor e morte,

apenas com a vida pode haver medo, e as rochas não representam

um obstáculo para o instinto de expansão,

mas a expansão e o instinto… a presença da química e a planta da papoula

são questões mais realistas do que a presença de pedras

que não sabem ler.

Estou cansado dos meus atributos

cansado do meu nome

cansado da minha capacidade de suportar

cansado do meu corpo cheio de erros

cansado da minha mente madura demais

da minha raiva, da minha decepção, da minha risada espontânea,

da minha insônia, da minha longa espera, do pó,

da luz do sol, da chuva, de você.

Estou cansado de dar desculpas pela noite

cansado de uma dor que traz meu nome

e de uma farsa que passou dos limites.

Estou cansado de mim.

A morte é uma ideia simples.

A morte significa ser inútil

tudo pelo que vivemos.

A morte não é passível de compreensão

pois nossa mente nesse instante simplesmente parará de funcionar

para o bem do nosso corpo gélido inchado de palidez.

Para sua informação

a vida não é tão ruim como nos filmes

nem tão bela como em um sonho realizado.

E ainda para sua informação

depois de certo tempo, você não terá mais certeza da minha existência

não porque estarei em outro lugar, a praticar felicidade

como comumente acontece na vida real,

mas porque a vida real

é a única coisa que não poderá mais acontecer comigo,

nem mesmo por esse erro

que insisto até agora em cometer.

 

Tradução: Luis Dolhnikoff


 Sobre Régis Bonvicino

Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.