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A Ovelha e o Tigre: a tradução de Blake por Augusto de Campos

Um artigo recente sobre a poesia de Augusto de Campos faz, já em seu segundo parágrafo, extensa referência a sua tradução de “The tiger”, de William Blake. Tal referência, por sua extensão e por suas afirmações, levou-me ao reexame detido dessa famosa tradução. O que se lerá a seguir é, portanto, o resultado desse reexame, a partir das considerações iniciais do referido artigo:

Augusto de Campos na sua tradução do poema de William Blake, “The Tiger”, revela para nós, na sua escolha, o que sentimos diante do que insistimos em seguir aqui: a tessitura de sua linguagem em estado felino, revelada no símbolo do animal, no poema, na força de suas linhas e de suas formas transmutadas para o espaço do verso, na sonoridade e no brilho da natureza de que se reveste toda linguagem que se deseja abalo da existência. O “tigre” é essa figura demoníaca que entranha a linguagem e que provoca o olhar daquele que se projeta nessa imagem, numa busca por desvendar o mistério das coisas. O “tigre” é a alegoria do próprio mistério, que se indaga e que se traduz, apenas parcialmente, em linguagem, cujas escolhas revelam o modo como o sujeito lírico emerge como olho e como crítica.[1]

Veremos como a articulista tem razão, ao menos quando afirma que “as escolhas [da tradução] revelam o modo como o sujeito lírico emerge como olho [ou seja, como leitor] e como crítica [isto é, como análise]”.

Tais escolhas são, para ir diretamente à conclusão, uma catástrofe, no sentido preciso de que resultam catastróficas para a recepção do poema em português. O que pode ser e provavelmente será considerado um juízo extremado e/ou insustentável, à primeira vista, talvez seja julgado apenas preciso, ao final do reexame da tradução, empreendido a seguir.

Já nos dois primeiros versos o tradutor faz escolhas difíceis de compreender e ainda mais difíceis de aceitar. Escreve Blake:   “Tyger! Tyger! burning bright / In the forests of the night”. “Tigre! Tigre! queimando brilhante / Nas florestas da noite”, numa versão literal. A tradução de Augusto de Campos diz: “Tygre! Tygre! Brilho, brasa / que a furna noturna abrasa”. Em termos sintáticos, transforma a frase linear, direta (“queimando brilhante nas florestas da noite”) em uma subordinação (“brasa que a furna noturna abrasa”), o que é mais relevante do que pode parecer (e se repetirá ao longo da tradução), em função da dicção objetiva do poema. Em paralelo a essa desnecessária complicação sintática, há uma desnecessária complicação formal, pela qual a simples palavra forest não é mais floresta, mas furna. Furna, se numa primeira acepção significa caverna, gruta ou cova, realmente conota, numa segunda acepção, floresta. Mas isto não elimina o fato de que o termo é “literário”, raro, “parnasiano”, na contramão do vocabulário original (o que não deixa de ser irônico, considerando sua antiguidade [séc. XVIII]).

Ainda na primeira estrofe, o tradutor em seguida elimina o elemento semântico mais importante da introdução do poema. Trata-se do adjetivo immortal do terceiro verso. Ele é o elemento central da primeira estrofe porque introduz, por sinédoque, o personagem a quem Blake questionará ao longo do poema. Na verdade, o poema é um questionamento desse personagem: daí ser todo ele montado sobre interrogações. Trata-se do deus que teria forjado o tigre com sua “imortal hand”. Por que o fez? Como o fez? O poema é o desenvolvimento poético dessa dúvida, e narra, por especulação, a criação do animal por essa potência hipotética, mas necessariamente divina. A dúvida se justifica: tratando-se de uma fera, ou, na tradição clássica, de uma besta, por que algum deus a criaria? O que absolutamente não se justifica é a divindade desse personagem desaparecer na tradução. O original indaga: “What immortal hand or eye / Could frame thy fearful symmetry?”. “Que mão ou olho imortal / poderia enquadrar tua terrível simetria?”, numa versão literal. Mas eis que a imortalidade, logo, a divindade dessa mão e desse olho do criador da fera simplesmente desaparece na tradução de Augusto de Campos: “Que olho ou mão armaria / tua feroz symmetrya?”. O tradutor se ocupa e se preocupa em evidenciar, com o uso arbitrário de uma grafia arcaizante, a simetria desta palavra, marcada pela equidistância dos yy, enquanto, ao mesmo tempo, anula toda a lógica do poema. Pois perguntar que olho ou mão armaria a simetria feroz da fera não faz sentido, porque não tem resposta. E não tem resposta porque a única resposta possível é: mão nenhuma, nenhum olho. A não ser que se trate, ora, de uma mão e de um olho imortais, divinos, ou seja, da mão e do olho de um deus. Sem a indicação da imortalidade dessa mão e desse olho, a pergunta não é crível, mas meramente retórica, e não corresponde absolutamente à pergunta do poema. Isso faz todo o poema perder o sentido, pois como fica explícito no final, trata-se de contrapor a divindade que forjou o tigre ao Deus da Bíblia: “Did he who made the Lamb make thee?”. “The Lamb” é uma referência a Cristo, a partir da famosa expressão “o Cordeiro de Deus”, que em inglês se diz “the Lamb of God”.  “Aquele que te fez, fez o Cordeiro?”, perguntará Blake. Trata-se, enfim, de uma polissemia. Pois se o cordeiro é, aqui, o Cordeiro de Deus, também é o animal antitético ao tigre, representando a mansidão em oposição à ferocidade. Mas tudo isso somente se o criador do tigre for uma “mão imortal”.

A segunda estrofe repete os vícios da primeira, ou seja, eliminar elementos e trair a dicção do poema. Blake escreve: “In what distant deeps or skies / Burnt the fire of thine eyes? / On what wings dare he aspire? / What the hand, dare seize the fire?”. Em versão literal: “Em que abismos ou céus distantes / Se acendeu o fogo dos teus olhos? / Em quais asas ele ousou se elevar? / Que mão ousou pegar o fogo?”. Na tradução de Augusto de Campos: “Em que céu se foi forjar / o fogo do teu olhar? / Em que asas veio a chamma? / Que mão colheu esta flamma?”. O primeiro verso da tradução elimina a informação de o céu ser distante e ser o par possível de um abismo. O segundo verso troca o substantivo olho (eye) pelo verbo substantivado olhar, o que gera a passagem em certo sentido mais constrangedora da tradução (pois em outros sentidos, há várias), um clichê com sabor de bolero: “o fogo do teu olhar”. O último verso, repetindo o movimento de trocar floresta por furna, troca o simples fogo (fire) por flamma, igualmente “literária”, rara, “parnasiana”, e se não bastasse, francamente arcaica em sua grafia de mm dobrados.

A partir daquela desconsideração e daquela descaracterização iniciais da divindade da mão do artesão, a tradução de Augusto de Campos passa a desconsiderar e a descaracterizar toda a cena descrita, ou melhor, construída pelo poema, a de um deus criador, de um demiurgo que, comoHefestos, trabalha em sua oficina, em sua forja, para criar a fera. Pois o poema é, como referido, a descrição do trabalho de um artesão divino no ato de criar o tigre. Mas isso não vale para a tradução. Enquanto o original é então substantivo, enumerativo e objetivo, a tradução é abstratizante, imprecisa e desviante. A estrofe em que isso fica mais evidente talvez seja a terceira. Blake primeiro pergunta em que ombro e com qual arte foram trançadas as fibras do coração da besta: “And what shoulder & what art, / Could twist the sinews of thy heart?”. “Que ombro e que arte / poderiam trançar as fibras do teu coração?”, numa versão literal. O que se torna, na tradução de Augusto de Campos, isto: “Que força fez retorcer / em nervos todo o teu ser?”. Não há qualquer proximidade sintática e principalmente semântica com o original. Por isso mesmo, toda essa passagem, central na descrição da criação da fera na oficina do demiurgo, perde-se por inteiro em um questionamento que se torna metafísico, quando o poema é, ao contrário, físico. Daí porque, na sequência dessa mesma estrofe, Blake pergunta mais uma vez que mão deu o impulso inicial a esse coração para ele começar a bater. Mas não só: também levanta a possibilidade de ter sido afinal um pé, ou seja, que o artesão tenha feito o coração recém-enfibrado começar a bater com um chute, o que combina com a natureza bestial de sua criação, que é baixa, terrena, ao contrário do Cordeiro: “And when thy heart began to beat, / What dread hand & what dread feet?”. Em versão literal: “E quando teu coração começou a bater / [Foi com] Qual mão ou pé terrível?”. A tradução Augusto de Campos, neste passo, não pode mais ser chamada de tradução. Pois nela não há nada sequer próximo ao original: “E o som do teu coração / de aço, que cor, que ação?”. Beat pode ser traduzido por som, por batida. Mas no original beat é, aqui, um verbo: “to beat”: “when thy heart began to beat”. “Quando teu coração começou a bater”. Pois se trata, como dito e redito, da descrição da criação da fera. Pior do que traduzir bater por som, neste texto e neste contexto, somente eliminar (mais uma vez) os substantivos do original, “the dread hand” e “the dread feet”, a mão e o pé temíveis, que desaparecem para dar lugar, não se sabe de onde nem por que, a “cor” e “ação”, para não falar de um “coração de aço” que, além de inexistente no original, é aqui trocadilhesco.

Os mesmos mecanismos, tanto do original quanto da tradução, mantêm-se ao longo dos textos. Mas ao se manterem, tudo pioram, pois aumenta a distância entre o original e a tradução. Chegamos assim à quarta estrofe, a mais concreta, a mais substantiva de um poema todo ele substantivo: o primeiro e o terceiro versos são simplesmente uma lista de quatro instrumentos de ferreiro. Na verdade, dos quatro instrumentos principais de um ferreiro, ao lado do forno: o martelo, a corrente, a bigorna e a tenaz. “What the hammer? what the chain? […] What the anvil? what the grasp?”. Literalmente: qual martelo, qual corrente, qual bigorna, qual tenaz [foram usados]? “What the hammer? what the chain? / In what furnace was thy brain? / What the anvil? what the grasp / Dare its deadly terrors clasp?”. Em versão literal: “Qual martelo? Qual corrente? / Em que forno se fez teu cérebro? / Qual bigorna? Qual tenaz / Ousou segurar teus terrores mortais”? A tenaz é, aqui, o elemento central. Pois com ela um ferreiro pode tirar do fogo a peça em brasa que, em seguida, leva à bigorna para moldá-la sob o martelo. Mas como se trata, não de peças de ferro, e sim de “terrores mortais” (“deadly terrors”), Blake pergunta que tenaz poderia ter sido usada (ou ousada, “dare”). É impossível sequer vislumbrar tal cena na tradução: “Teu cérebro, quem o malha? / Que martelo? Que fornalha / o moldou? Que mão, que garra /seu terror mortal amarra?”. O motivo é evidente: Augusto de Campos desconsidera inteiramente a cena de um ferreiro em seu trabalho. Daí se dar o direito de fazer sumir a bigorna (“the anvil”), a corrente (“the chain”) e a tenaz (“the grasp”), restando apenas para seu artesão utilizar, necessariamente no ar, o martelo. Cabe observar que a tenaz do ferreiro não desaparece simplesmente, como a bigorna e a corrente, mas se transforma, incompreensível e estranhamente, em uma garra, traindo a cena de maneira cabal. Pois se o artesão que forja o tigre tem garras, é ele próprio uma fera, e a origem ou ascendência do animal-tema ficaria explicada. Por que, então, Blake perderia tempo para questionar isso? O que ele questiona, portanto, é outra coisa, ou seja, que tipo de divindade, por ser uma divindade, criaria tal bestialidade. Mas se não se trata de um artesão imortal e sim de um homem ou, pior, de um animal qualquer (“Que mão, que garra / seu terror mortal amarra?”), nada faz sentido. Nada faz sentido.

Por exemplo, traduzir literalmente, respeitando de repente a letra do original, o único passo em que seria indicado abandonar qualquer literalidade, o que fora feito sem qualquer restrição ou rigor até aqui. Blake usa pela primeira vez, já quase no final do poema, uma metáfora elaborada, em lugar da descrição direta e substantiva. Ocorre que a metáfora era conhecida, e era conhecida por ser clássica. Trata-se das “lanças das estrelas”, ou seja, das “lanças celestes”, uma referência aos raios, conhecidos como “as lanças de Zeus” na mitologia grega – mitologia cujas imagens frequentavam a literatura europeia da época. Traduzir, então, “[the] spears [of the] stars]” por “lanças das estrelas” não se justifica, porque, mais uma vez, o que era evidente no original fica obscuro ou incompreensível na tradução. Para um leitor da época de Blake, “as lanças das estrelas” significavam raios, logo, a imagem é, como sempre, clara. Mas “as lanças das estrelas” não significam raios para o leitor brasileiro contemporâneo, porque não significam nada. Lanças das estrelas? “When the stars threw down their spears, / And water’d heaven with their tears…”. “Quando os astros lançaram seus raios / E inundaram o céu com suas lágrimas…”, em versão direta. Trata-se da clássica cena do céu se tornando tempestuoso no momento em que o artesão maligno completa sua obra, que se tornaria clichê no cinema popular de terror. À época de Blake, ao contrário, a cena evocava a presença cotidiana das divindades, que se manifestavam através dos fenômenos naturais. Como se trata da criação de uma fera, de uma besta, símbolo do mal, o próprio céu mostra indignação e tristeza. Ou melhor, talvez tenham mostrado, pois Blake pergunta se isso afinal não aconteceu quando tal obra ficou pronta. Mas nada disso tem qualquer importância para a tradutor. Daí ele eliminar mais uma vez uma passagem fundamental do poema, a manifestação de tristeza dos astros, ao lado da de indignação. Além de as estrelas lançarem incompreensivelmente suas lanças, suas lágrimas (“their tears”) são simplesmente cortadas: “Quando as lanças das estrelas / cortaram os céus, ao vê-las”. E então ocorre, nessa mesma estrofe, o segundo pior passo da tradução.

Trata-se do fecho do poema, considerando que aquela que aparece como última estrofe é, na verdade, uma repetição da primeira. Augusto de Campos comete aqui um erro crasso de interpretação ou compreensão do texto. A cena sintetizada nessa estrofe narra o final de “seu trabalho” “his work”, isto é, do trabalho do deus-artesão. Nesse instante, enquanto os céus se manifestam, como acima descrito, o autor do “trabalho”, ou seja, da criação da fera que é o próprio tema do poema, talvez tenha sorrido, imagina Blake: “When the stars threw down their spears, / And water’d heaven with their tears, / Did he smile his work to see?”. Em versão literal: “Quando os astros lançaram seus raios / E inundaram o céu com suas lágrimas, / Ele sorriu ao ver seu trabalho?”. A tradução de Augusto de Campos, porém, afirma que ele sorriu ao ver as “lanças das estrelas”: “Quando as lanças das estrelas / cortaram os céus, ao vê-las, / quem as fez sorriu talvez?”. Portanto, a tradução considera “his work”, não a criação da fera, mas a criação das “lanças das estrelas”…

Depois de eliminar a mão imortal do início do poema, em seguida o céu e o abismo distantes, o ombro do artesão, as fibras do coração da fera, a mão ou o pé que o fez bater, além da corrente, da bigorna, da tenaz, das lágrimas etc., e após confundir o trabalho do deus-artesão com a fabricação de lanças estelares, Augusto de Campos ainda elimina o animal-símbolo que aclara toda a cena final e todo o poema. Por isso considerei a fabricação das lanças o segundo pior passo da tradução. O primeiro vem a seguir.

O animal em questão é o Cordeiro, como referido no início. Mas se o Cordeiro é um animal-símbolo, na verdade, o animal central da simbologia cristã (e Blake era um místico), na qual representa o próprio Cristo, o mesmo não vale para uma banal ovelha (ainda que, biologicamente, trate-se do mesmo animal). E é por ovelha que Augusto de Campos traduz “the Lamb”, cuja criação Blake confronta à criação do tigre, perguntando se um mesmo deus faria ambos. A pergunta original se explica: animais antagônicos, o cordeiro, em sua mansidão, representa o Bem, enquanto o tigre, em sua ferocidade, deve representar o Mal. Como o Cordeiro é o próprio Filho de Deus, foi com certeza criado pelo deus do Bem. Neste caso, teria sido o mesmo Deus que criou a besta, ou seja, o Mal? Pergunta teológica fundamental, conhecida na tradição cristã como a questão da teodiceia (literalmente, a justiça divina), é a base e o centro dos questionamentos de Blake. Ou seja, tais questionamentos, que aparecem elididos por um questionamento “técnico” sobre a feitura ou fabricação da fera, servem para carrear uma questão teológica: “Did he who made the Lamb make thee?”.Aquele que fez o Cordeiro te fez?”, pergunta afinal explícita e teologicamente Blake. Traduz Augusto de Campos: “Quem fez a ovelha te fez?”. A pergunta encerra o poema. Mas nem a posição de destaque e conclusão nem a longa tradição teológica cristã sobre o Cordeiro de Deus são suficientes para indicar ao tradutor que, se ovelha e cordeiro são dois nomes para o mesmo animal, isso só vale para o curral ou a fazenda, não para a simbologia.

É da tradução latina do Novo Testamento (escrito originalmente em grego) a famosa expressão Agnus Dei. Ela pertence à tradição judaica, em referência ao animal sacrificial, aparecendo primeiramente, no contexto cristão, na famosa exclamação de João Batista ao se deparar com Jesus às margens do Jordão, no Evangelho de João: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (João, 1:29). Na versão em inglês: “Behold the Lamb of God who takes away the sin of the world!(John, 1:29)”.

O poema se estrutura em quadras de rimas pareadas, sob o seguinte esquema: AABB // CCDD// EEFF…  A grande dificuldade formal da tradução é justamente esta, ou seja, encontrar cinco pares diferentes de rimas perfeitas (o poema tem seis estrofes, mas a última repete a primeira, como já referido), que sejam, além disso, cabíveis semântica e metricamente. Falhei em encontrar esses pares de rimas, e por isso fiz minha própria versão com rimas toantes, ou seja, com rimas “imperfeitas”, que rimam apenas as vogais das respectivas sílabas finais. Uma vez adotada e controlada essa limitação consciente, acredito que minha despretensiosa tradução funcione como um modesto guia à compreensão do poema de William Blake em inglês, o que me parece impossível possa ocorrer com a tradução de Augusto de Campos. (Em 16 de março de 2012)

William Blake, “The tyger” (1794)

Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry?

In what distant deeps or skies
Burnt the fire of thine eyes?
On what wings dare he aspire?
What the hand, dare seize the fire?

And what shoulder & what art,
Could twist the sinews of thy heart?
And when thy heart began to beat,
What dread hand & what dread feet?

What the hammer? what the chain?
In what furnace was thy brain?
What the anvil? what the grasp
Dare its deadly terrors clasp?

When the stars threw down their spears,
And water’d heaven with their tears,
Did he smile his work to see?
Did he who made the Lamb make thee?

Tyger! Tyger! burning bright
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Dare frame thy fearful symmetry? [2]

 

Augusto de Campos

Tygre! Tygre! Brilho, brasa
que a furna noturna abrasa,
que olho ou mão armaria
tua feroz symmetrya?

Em que céu se foi forjar
o fogo do teu olhar?
Em que asas veio a chamma?
Que mão colheu esta flamma?

Que força fez retorcer
em nervos todo o teu ser?
E o som do teu coração
de aço, que cor, que ação?

Teu cérebro, quem o malha?
Que martelo? Que fornalha
o moldou? Que mão, que garra
seu terror mortal amarra?

Quando as lanças das estrelas
cortaram os céus, ao vê-las,
quem as fez sorriu talvez?
Quem fez a ovelha te fez?

Tygre! Tygre! Brilho, brasa
que a furna noturna abrasa,
que olho ou mão armaria
tua feroz symmetrya? [3]

 

Guia para a compreensão do original

Tigre! Tigre! brilhando em brasas
Na noite fechada da mata,
Que mão imortal poderia
Forjar tua feroz simetria?

Em qual abismo ou céu remoto
Ardeu o fogo dos teus olhos?
Em que sopro ele ousou seu voo?
Que mão ousou moldar o fogo?

Em qual ombro, que artesão,
Fez as fibras do coração?
Quando deu seu primeiro pulso,
Que mão temível foi o impulso?

Com que corrente? Que martelo?
Que forno forjou o teu cérebro?
Que bigorna? Com que tenaz
Prendeu teus terrores letais?

Quando os astros lançaram raios,
E o céu alagaram de lágrimas,
Ele sorriu ao ver seu feito?
O que te fez, fez o Cordeiro?

Tigre! Tigre! brilhando em brasas
Na noite fechada da mata,
Que mão imortal poderia
Forjar tua feroz simetria?


Leia Mais

Notas

[1] Susana Busato, “Poemografias da crítica: a poesia de Augusto de Campos”, http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=5330 (07/03/2012).
[2] http://www.eecs.harvard.edu/~keith/poems/tyger.html.
[3] http://diarioextrovertido.blogspot.com/2010/01/tres-traducoes-do-poema-tyger-de.html.


 Sobre Luis Dolhnikoff

Luis Dolhnikoff estudou Medicina (1980-1985, FMUSP) e Letras Clássicas (1983-1985, FFLCH-USP). Entre 1990 e 1994, co-organizou em São Paulo, ao lado de Haroldo de Campos, o Bloomsday SP, homenagem anual a James Joyce. Em 2005, recebeu uma Bolsa Vitae de Artes para estudar a vida e a obra do poeta Pedro Xisto. Entre 2006 e 20014, foi articulista de política internacional na Revista 18, do Centro de Cultura Judaica de São Paulo. Como crítico literário e articulista, colaborou, a partir de 1997, com os jornais O Estado de S. Paulo, A Notícia, Diário Catarinense, Gazeta do Povo, Clarín e, recentemente, Folha de S. Paulo, bem como em várias revistas. É autor do livro de contos Os homens de ferro (São Paulo, Olavobrás, 1992), além dos livros de poemas Pânico (São Paulo, Expressão, 1986, apresentação Paulo Leminski), Impressões digitais (São Paulo, Olavobrás, 1990), Lodo (São Paulo, Ateliê, 2009), As rugosidades do caos (São Paulo, Quatro Cantos, 2015, apresentação Aurora Bernardini, finalista do Prêmio Jabuti 2016) e Impressões do pântano (São Paulo, Quatro Cantos, 2020).