Entrevista de Marjorie Perloff a Régis Bonvicino (9/12/1998)
A ensaísta norte-americana Marjorie Perloff critica a hegemonia dos estudos culturais e afirma que, nos EUA, o multiculturalismo reduziu o interesse do público pela poesia de outros países. Perloff, um dos nomes mais importantes da crítica norte-americana contemporânea, é uma voz discordante dentro da atual voga dos estudos culturais. Autora de O momento futurista (publicado no Brasil pela Edusp) e do recente Wittgenstein’s ladder, esteve no Brasil para o congresso da Abralic.
Régis Bonvicino – Você poderia falar um pouco sobre estudos culturais e poesia, no cenário atual?
Marjorie Perloff – A área de “estudos culturais” anda em baixa nos Estados Unidos. Um centro que trabalhou seriamente com esse assunto foi a Stuart Hall School, em Birmingham, na Inglaterra. São marxistas e estudaram em detalhes o fenômeno da cultura popular. Na Grã-Bretanha, o trabalho deles ganhou ares revolucionários, porque os departamentos de inglês das universidades estudam apenas as obras do cânone, e os estudos culturais ofereciam uma alternativa interessante. Nos Estados Unidos, as coisas não avançaram justamente por falta de uma base marxista. Os estudos culturais pressupõem, mesmo que não explicitamente, que um dado poema ou romance é sintoma de uma formação econômica, social e cultural específica, e os pesquisadores se atêm a características gerais em detrimento do trabalho individual. Nesse caso, como já afirmou John Guillory, os estudos culturais podem prescindir da literatura e concentrar sua atenção em Madonna, revistas em quadrinhos e shopping centers. A literatura fica para trás. A maioria dos acadêmicos americanos enxergou isso e tenta, agora, um retorno à literatura. Quem é que quer estudar apenas sociologia?
Régis Bonvicino – Existem vínculos, para você, entre arte e política?
Toda forma de afirmação artística tem algo de político. Acredito haver uma relação próxima entre arte e política, mas isso não significa que essa relação deva pautar a arte. O multiculturalismo exerceu um efeito terrível sobre nossa poética. Se não se pode criticar um poeta afro-americano ou latino, tampouco se pode criticar um poeta branco, e isso elimina a possibilidade de um debate consistente. A idéia de que se deve sempre ter um representante de cada extrato racial e/ou social – um latino, um índio (ou americano nativo), uma afro-americana, uma lésbica sino-americana – foi por demais destrutiva. Não que não haja excelentes poetas nessas minorias. Mas não se pode forçar o interesse. Além disso, o multiculturalismo teve um efeito ruim também sobre o multinacionalismo – ou seja, nos Estados Unidos, o interesse pela poesia de outro país é muito reduzido. Não se falam outras línguas e o termo “poesia estrangeira” é algo dúbio. Espero poder corrigir isso de alguma maneira!
Régis Bonvicino – A poesia tem futuro num mundo mercantilizado?
Mas é claro! A crítica prevê a morte da poesia há cem anos, mas ela nunca morre, apenas se altera. A poesia como arte da linguagem é fundamental, porque serve de instrumento para se avaliar a ordem social. A linguagem que ouvimos a nossa volta está adulterada, recheada de clichês. A poesia é necessária para podermos reavivar nossa capacidade de pensar e de produzir sentidos! E há muita coisa interessante acontecendo em poesia. Andei folheando algumas novas publicações como a Boxkite, australiana, e a Chain, editada por Juliana Spahr e Jena Osman, e fiquei impressionada com a quantidade de trabalhos instigantes – de natureza verbal/visual – que se pode encontrar pelo mundo afora. Nos Estados Unidos, os poetas são praticamente desconhecidos do “público”. Por outro lado, há vários círculos de poesia nas universidades e o número de publicações a respeito é considerável. É claro que é frustrante saber que apenas uma parte reduzidíssima dessa produção acabe resenhada no New York Times Book Review ou no New York Review of Books, mas a longo prazo isso não será tão importante.
Régis Bonvicino – Nesses círculos poéticos, quais são as diferenças entre poesia conservadora e experimental?
Isso nos leva a uma outra questão. A poesia “conservadora” nos Estados Unidos é escrita em versos livres, com divisões de estrofe aparentemente arbitrárias e representa em geral uma observação pessoal de uma experiência particular. Em grande parte, é uma poesia de importância menor. Refiro-me a poetas “estabelecidos”, como John Hollander, Robert Pinsky, Edward Hirsh e Louise Gluck e as versões mais jovens destes. Sua poesia não chega a ser ruim. Simplesmente não é poesia. “Comentários”, disse Gertrude Stein, “não são literatura”. E esses poemas não passam de comentários. Não quero dizer com isso que toda poesia “experimental” seja boa. Poems for the third millenium, volume 2, traz muitos poemas de terceira categoria, a exemplo de From the other side of the century, de Douglas Messerli; The Norton anthology of postmodern poetry, de Paul Hoover e a nova – e extensa – antologia de “Poesia inovadora feita por mulheres”, organizada por Margy Sloan. São todos livros enormes. Pensando bem, o grande problema da cena poética atual é sua própria megalomania. Para que produzir volumes tão grandes? Quantos ótimos poetas pode haver? Ou mesmo apenas “bons”? Fico com a antologia britânica Out of everywhere, preparada por Maggie O’Sullivan. Trata-se de um pequeno volume que reúne poetisas experimentais no qual que quase todos os trabalhos são bons! O que realmente precisamos agora, no que diz respeito à poesia experimental ou de vanguarda, é de uma crítica melhor e mais presente. De nada adianta dizer que “vale tudo”, que se fulano diz ser um “poeta da linguagem”, então que seja! É preciso haver mais seleção e, em um estágio posterior, melhor acompanhamento dos selecionados.
Tradução Jayme Alberto da Costa Pinto Jr.
Publicada originalmente na Revista Cult