Listen and read the translations, by Dan Hanrahan
Poemas do livro A nova utopia, 2022, de Régis Bonvicino, traduzidos ao inglês e lidos por Dan
Hanrahan
Near the Corner
Seven floors
open windows
dirty wall tiles
a bus
diesel burns
then rises
beggars sleep on the front sidewalk
ignore the music from CDs and car radios
when it rains
they move to under the awning of the next building
now and then
the county truck arrives
gathers their belongings
hot plate, water bottle
pillows, old mattresses
one of them gets up
sweeps the sidewalk
a bird lands on an iron fence post
yellow flower, ironwood tree
inexpressive bed of azaleas
Legend
Azteca, brown ant,
face like a skull,
stinks: shoots out a liquid
to protect the castanheira tree
from aphids, from whiteflies
from cicadas, from plant lice
from monkeys, from the jandaia’s beak
from the canary’s rough claw
to secure droplets of nectar
from the stems, from the twigs
from the sugary excretions of larvae,
from the husks: fruits of the castanheira tree
aerial nest, flightpaths, stingers
between branches
a macaw lands
painted leaf orchids
summer
the striped dove’s narcotic song
claws of the laughing falcon scratch the trunk
Aztecas quickly spit again.
from “Arte” –
…
it’s a Bolivian immigrant
smashing a building’s beams
with a sledgehammer
and it’s a sociologist on a boat, holding binoculars
disguising his blindness
it’s a watch atop a gravestone
a slave
one reddened ear, weary steps
flees the plantation Bom Retiro
it’s the economic conflict of progress
foie gras from a wild duck
it’s a mattress with sheet left on the sidewalk
it’s a black kid in a hurry
passing the doors of the Pari church
Spurs jersey
he suddenly remembers and crosses himself
it’s a machine operator shot dead by a youth
at a bus stop in the afternoon
it’s a roll of electrical wire wrapped around a pole
a couple fucks in daytime beneath the neon STAR India sign
unplugged
it’s a street vendor uttering bloodthirsty words
it’s a handcuffed man shooting himself in the head
it’s an artist turning himself in to the police
The New Utopia (2)
It’s a discourse strictly bound to reality
It’s a fiscal hell
It’s a real corporation
It’s the useful side of the word
It’s the idiot white masses
It’s the minimum grade required
It’s the Equitable mobile app
It’s a lactose-free breakfast
It’s an N/A beer and an electronic cigarette
It’s a prayer, and not the Ave Maria, whispered
In the alley of a favela
It’s a synonym for vandal
It’s a warning against
The environmental impact of a boat ride
It’s a protest against English classes
It’s an @gig.worker between jobs
…
It’s the ecological redemption of weeds
It’s a legal approach to the devil
It’s a blind paralympian
It’s a highly subversive anti-verse
It’s the potential target of linguistic terrorism
It’s a hard-core Dracula donating blood
It’s the guaranteed right to a duplicate copy
It’s a homeless person digging through a container of selective trash
It’s the product of legal arms sales
Violins after the rancid breeze
It’s a laundering of words
It’s a daughter devoted to her homeland
from The New Utopia (1)
… Has its own dictionary. Thinks before acting. Rejects words and demands action. The new utopia is an ex-amputee. It’s the open wing of flight. It’s a showroom of natural exuberances. It’s a black cloud sky, under control. It’s a bookcase in a bathroom. It’s the widow of Jorge Luis Borges detailing his creative process. The new utopia is an ex-macumbeiro, an ex-drunk, it’s a shabby ex-exu. It’s a white man with a black man’s soul. The new utopia is also the native Brazilian holding a torch practicing politics daily on social media. The new utopia is an ex-aesthetician with prosthetic nails. It’s a trans spy sunbathing on a router. It’s an ex-savage. It’s an ex-bitch. An ex-hustler. A lesbian. It’s an ex-pariah. It’s a myriad of franchises of award winning poets. It’s a poem worthy of its time.
Álvaro de Campos
You light a cigarette to delay the voyage
But you’ll find no rest –
You have only destiny and reality.
You’re no longer the boy who succeeded by accident.
You find yourself in some port of departure,
Real or the product of your art.
It’s no use rousing all the Caesars inside of you
To turn back the clock of the cosmos or the voyage.
Or you repeat, “Not now, not now.”
Great, as you say, are the deserts
And all really is parabola or desert.
And yet, a tiny virus, that you neither wanted nor imagined,
Abruptly accelerates the motors of the universe.
From “The New Utopia (3)”
It is an epic of the damned. It’s mass-scale harassment organized against power. For it, every day is a historic day… The new utopia opts for a grave in the sunlight. Doesn’t chew on past lives. Protests live against the undertakers mafia. It doesn’t revolve around a single idea. Does not dig its own grave. The new utopia is, in the END, the liberation of man, man simple now, and true finally, man déjà-vu.
Quase na esquina
Sete andares
janelas abertas, pastilhas sujas
ônibus
o diesel queima
depois sobe
mendigos dormem
na calçada em frente
ignoram a música dos CDs e dos rádios dos carros
quando chove
se mudam para a marquise do prédio ao lado
de vez em quando
o caminhão da prefeitura passa
sequestra seus bens
fogão de uma boca, garrafa de água
almofadas, colchões velhos
um deles se levanta
varre a calçada
um pássaro pousa na aponta da grade
flor amarela, pau-ferro
um canteiro inexpressivo de azaleias.
Lenda
Azteca, formiga pardacenta,
cara de caveira,
fede: dispara um líquido
para proteger a castanheira
dos pulgões, das moscas-brancas
das cigarras, dos piolhos-de-planta
dos macacos, dos bicos das jandaias
da pata brusca do canário
para garantir gotículas de néctar
das arrancas, dos gravetos
dos excrementos açucarados das larvas
dos ouriços: frutos da castanha
ninho aéreo, carreiras, ferrões
entre galhos
uma arara pousa
orquídeas de folhas rajadas
verão
o canto narcótico do fogo-apagou
garras do acauã arranham o tronco
Aztecas, de pronto, cospem de novo.
…
é um imigrante boliviano demolindo
a marretadas
as vigas de um edifício
é também um sociólogo de binóculo, num navio,
disfarçando a cegueira
é um relógio sobre uma lápide
um escravo
orelha roxa, passos lentos
foge da fazenda Bom Retiro
é o conflito econômico progressista,
foie gras de pato selvagem
é um colchão com lençol largado na calçada
é um menino negro que passa, apressado,
pela calçada da porta da igreja do Pari,
camiseta regata do Spurs,
de repente se lembra e faz o sinal da cruz
é um enfestador fuzilado por um garoto
num ponto de ônibus à tarde
é um rolo de fio eléctrico amarrado ao pé de um poste
um casal se pega, de dia, sob o luminoso STAR India
desligado
é um camelo pronunciando palavras assassinas
é um cara algemado, disparando contra a própria cabeça
é um artista se entregando à polícia
A nova utopia (2)
É um discurso estritamente atrelado à realidade
É um inferno fiscal
É uma empresa real
É o lado útil da palavra
É uma brancaiada tola
É a nota mínima
É o aplicativo Equitable
É um café da manhã sem lactose
É a cerveja sem álcool e o cigarro electrônico
É uma prece, e não a Ave Maria, sussurrada
Num beco de uma favela
É um sinônimo de vândalo
É o alarme contra
O impacto ambiental de um passeio de barco
É um protesto contra aulas de inglês
É uma tr@b@lh@dor@ em transição de empregos
(…)
É a redenção ecológica do joio
É um approach jurídico para o diabo
É um cego paraolímpico
É um antiverso altamente subversivo
É um alvo potencial do terrorismo linguístico
É um Drácula hardcore doando sangue
É o direito à segunda via garantido
É um morador de rua revirando uma lata de lixo seletivo
É o produto da venda legal de armas
Violinos afinal a brisa fétida
É uma lavagem de palavras
É uma filha convicta da pátria
A nova utopia (1)
(…) Tem o seu próprio dicionário. Pensa antes de agir. Repele palavras e pede ação. A nova utopia é um ex-coxo. É a asa do voo. É um showroom de exuberâncias naturais. É um céu com nuvens negras, sob controle. É uma estante de livros num banheiro. É a viúva de Jorge Luís Borges detalhando seu processo de criação. A nova utopia é um ex-macumbeiro, um ex-bêbado, é um ex-exu sujo. É um branco de alma preta. A nova utopia é ainda o indígena de tocheiro, fazendo política, diariamente, nas redes sociais. A nova utopia é uma ex-esteticista de unhas postiças. É um espião trans pegando sol num roteador. É um ex-selvagem. É uma ex-vadia. É um ex-puto. É uma entendida. É um ex-pária. É uma miríade de franquias de poetas premiados. É um poema à altura do seu tempo. (22)
A nova utopia (3)
É uma épica do proscrito. É a massa de acosso organizado contra o poder. Para ela, todo o dia é um dia histórico. (…) A nova utopia opta por um túmulo sob o sol. Não mastiga vidas passadas. Protesta, ao vivo, contra a máfia dos papa-defuntos. Não dá voltas em torno de uma única ideia. Não cava a sua própria tumba. A nova utopia é, ao FIM, a liberação do homem, do homem agora simples, finalmente verdadeiro, o homem déjà-vu. (94)
Álvaro de Campos
Acendes um cigarro para adiar a viagem
mas não tens oásis,
só tens destino e realidade.
Não és mais o menino que sucedeste por erro.
Estás, de verdade, em algum portão de embarque
Verdadeiro ou produto da tua arte.
Não adianta ergueres em ti todos os Césares
para atrasares os relógios do cosmos ou a viagem
Ou repetires: “Adia-te, adia-te”.
Grandes, como dizes, são os desertos
e tudo é mesmo parábola ou deserto.
Todavia, um ínfimo vírus,
como não querias ou imaginavas,
acelera súbito os motores do universo.