Pagar
O poeta tem boletos
e pagar antes que solva o tempo
o da poesia volte
sem se distraia de tanto sente
de amiudar o verso rente
nunca descansar do estro
ainda que sobre a mesa com a pena em riste
o poeta acumule as contas
porque não desdenhe o preço
o poeta tem boletos
não sobe aos palanques
ojeriza a cerimônias oficiais
sem cargo comissionado
nem fé em algum rumo certo
quem sabe uma sinecura
que lhe seja préstimo
os prazos prenhes
alguns desejos pressurosos
arroubos fesceninos
não me venham com sermão sobre as dores do ofício
as torres
eremitérios
passa ao largo dos execráveis shoppings
vendilhões high techs
mas não lhe tirem a breja nos botecos
a pluma afia como a espuma de casco verde
tal a chama do chouriço ordinário
o tremoço petiscando
eito um Mallarmé do tórrido balneário
e não cansa esboçar ingente verso a verso
grato pelo parco soldo
que arrefece a penúria da forçada solidão
o poeta tem boletos não fosse o quarto sala
despojado doutro luxo
não fosse o triunfo sobre a melancolia
spleen saciado por um gajo cibernético
para ter o direito de ficar em casa
ao longe ver o mar do cais em bruma
não que gaste tempo além do verso
mas ainda assim o poeta tem boletos
e precisa um canto para descrever sua ausência
ouriço renitente se aproximar nem tente
ainda que a rima tenha fácil
a lábia para vender um lápis
nenhuma outra habilidade
não há o que salve
como ganhar um puto !
onde ser útil
ao venal não há o que baste
o poeta tem boletos que “a dócil mão
ao toque arde
que a sorte acode
que ao tempo pague
viver de brisa
ao bem do eco pede.”