Madonna é um lixo, mas, para demonstrar o que afirmo preciso da paciência do leitor para um nariz de cera, chato, até certo ponto.
O jornal escrito é o único veículo, na mídia, que abriga – heroicamente – a resenha de um livro, de um trabalho musical, de uma exposição de artes plásticas, de uma encenação de uma peça de teatro no Brasil, com regularidade. Caetano Veloso aponta, há muito tempo, uma contradição na abordagem das resenhas, com pertinência. Seus autores se inspiram na Escola de Frankfurt e, em especial, no filósofo Theodor Adorno (1903-1969). Os jornalistas posicionam-se, em seus textos, contra a indústria cultural – um conceito criado por Adorno – em territórios industriais, como o próprio jornal. Caetano classifica como inautêntica e pop essa crítica que, utilizando-se de conceitos eruditos, julga negativamente produtos produzidos para o mercado, num “lugar” eminentemente comercial.
Acossados pela televisão, e agora pela internet, os jornais reduziram drasticamente seus espaços para as resenhas – cada vez menores. Vale destacar que três deles (O Estado de S. Paulo, O Globo e a Folha de S. Paulo) constituem os principais veículos do país, ainda, de qualidade. E que sobreviveram a várias etapas da Revolução Industrial, o que revela sua força. Caetano propõe um impasse: um produto industrial merece uma resenha industrial. Mas, elas já o são! Citar Adorno é usar argumento de autoridade ante o exíguo espaço. Deste modo, as resenhas usam – na maioria das vezes – argumentos de autoridade para elogiar ou atacar o objeto resenhado. O que lhes falta é análise do objeto, o que demanda muito mais linhas do que o permitido. Não existe crítica sem análise. Essa guerra entre jornais, internet e televisão esvaziou a crítica no Brasil. Outro fator que a liquidou foi a desregulamentação da economia: o anything goes (“qualquer coisa serve”), que influenciou todas as áreas de atividade, inclusive a cultura de massas, conseguindo esta o feito de piorar. Não há mais “indústria cultural”, mas, indústria do entretenimento. O capitalismo não admite crítica. A própria obra de Caetano Veloso sentiu os efeitos dessa desregulamentação, embora o que ele tenha composto nos anos 1960 e 1970, e algumas coisas depois, o torne o maior songwriter brasileiro dos últimos quarenta anos, ao lado de Jorge bem Jor – um cerebrino, e o outro intuitivo.
Sinais de calvície
Madonna é milhões de vezes inferior à sua conterrânea Janis Joplin (1943-1970). Dez mil vezes inferior à canadense Diana Krall. Dez mil vezes inferior à compositora e cantora Amy Winehouse. Não chega aos pés de Maria Rita, Bebel Gilberto ou Fernanda Takai, do Pato Fu. O desaparecimento da crítica e da “indústria cultural” permitiram a existência de Madonna. Aliás, não há crítica que consiga enfrentar o poder corruptor da indústria do entretenimento. Madonna tem fãs e não ouvintes. O flanco histérico de sua voz – fino e irritante, mais adequado às torturas praticadas por Bush em Guantánamo – não permite que ela seja ouvida. Fãs assinam contratos de adesão com seus ídolos. A maioria das pessoas não tem vontade autônoma, um conceito jurídico criado para apoiar o laissez faire econômico da Primeira Revolução Industrial – hoje superado. Madonna é, segundo a teoria do direito atual, a onerosidade excessiva concorrente à assinatura de um contrato, que, por isso, pode ser rescindido. Ela é um banco, que cobra juros sobre juros de seus clientes, no cheque especial.
O chapéu para esconder a calvície
Quando ela apanha sua guitarra, Jimi Hendrix (1942-1970) se revira no túmulo. As letras de suas canções – um gênero já extinto inclusive aqui no Brasil (Zeca Baleiro é uma caricatura do Caetano dos anos 1960-70) – são dolosamente vagas. Exemplo: “I’ve had so many lives/ Since I was a child/ And I realise/ How many times I’ve died/ I’m not that kinda of guy/ Sometimes I feel shy/ I think I can fly/ Closer to the sky” (Tive muitas vidas/ desde menina/ Percebo/ quantas vezes eu morri/ Eu não sou aquele tipo de pessoa/ Às vezes sinto-me tímida/ Penso que posso voar/ Mais próxima do céu”). Lembram-se de “Yer Blues”, dos Beatles? Madonna é a diluição adúltera de tudo. Sua coreografia imita a do inovador Michael Jackson, de “Thriller”. Seus “versos” constituem-se em frases de efeito: “If you don’t like my attitude, then you can fuck off” (Se você não gosta do que faço, foda-se). Seu engajamento político resume-se, por exemplo, a mandar Sarah Palim, durante a campanha de 2008, “se foder”. Bob Dylan treme. Seu vocabulário tem umas cinqüenta palavras. Madonna já apresenta sinais evidentes de calvície. O diastema nos dentes incisivos superiores conferiu-lhe um ar de garota sexy e perversa, quando jovem. Hoje, isso a faz parecer uma bruxa. Sua forma física, e não sua beleza de butique, persiste. Não à toa sua primeira filha, Lourdes, é produto de seu relacionamento amoroso com seu antigo treinador. Ela é a cantora das academias. É o teatro de revista, sem humor. E sem pernas bonitas. No cinema, fez o papel de Evita (1919-1952), a mulher do caudilho argentino corrupto Juan Domingo Perón (1895-1974), papel que, aliás, Madonna ainda segue. Evita, morta aos 33 anos, desperta até hoje em muitos um culto mórbido pela sua pessoa, com visitas diárias de milhares de pessoas ao cemitério da Recoleta, em Buenos Aires. O caudilho/gigolô é a indústria do entretenimento, que lhe rendeu fortuna de meio bilhão de dólares.
Calvície e diastema visíveis
Li, em algum lugar, que exigiu oito Audis para se locomover no Rio e em São Paulo. Li, na coluna de Sonia Racy, em O Estado de S. Paulo, que Sticky & Sweet (Melada, de esperma, e Doce) – título de sua turnê – é a maior da “história do rock”, deixando “os shows dos Rolling Stones no chinelo”. Ora, os Stones são os Stones. Redefiniram o próprio rock entre 1968 e 1972, além de brilhantes trabalhos anteriores e posteriores. Madonna é a ostentação pela ostentação, sem qualquer nível artístico. É oca por dentro, com o perdão da redundância. Um batalhão de designers projetou o figurino do palco. Ela é o palco sem Mick Jagger ou Maria Rita ou Fernanda Takai. Ela e sua banda usam 69 guitarras ao longo da apresentação. Bastaria um playback. Na verdade, e digo na verdade, Madonna representa o supercapitalismo norte-americano de Richard Nixon, Ronald Reagan, de George Bush, pai e filho, que, elitista e financeiro, sucumbiu numa depressão. Madonna é o destempo. Caetano elogiaria seu show, em virtude de seu enorme sentimento de culpa, que o transformou num patrocinador de idiotas, ao longo de sua carreira.
Capa de Sticky Fingers (1970) |
Janis Joplin |