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AOS AMIGOS POETAS

Para tentar contribuir com o grande, tenso e intenso debate nacional que hoje ocorre em torno da questão cultural relevante para a situação da poesia contemporânea, pensamos que valeria a pena lançar mão de poucos, mas alguns esclarecedores dados objetivos. Assim, através do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e de uma longa lista de entrevistas, descobrimos alguns fatos essenciais. Os dois mais importantes: há hoje cerca de 50 mil poetas em atividade no Brasil; o motivo da imensa maioria para escrever poesia é escrever poesia.

Do primeiro fato concluímos, provisoriamente, que o problema das baixíssimas tiragens de livros de poesia seria imediata e facilmente resolvido se houvesse uma maior solidaridade entre os poetas, ousamos mesmo dizer, um movimento poetista, à maneira de tantos outros grupos atuais. A solidariedade poética do poetismo teria como primeira tarefa estimular os poetas a lerem seus “irmãos de linguagem”, o que garantiria, no limite, tiragens de 50 mil cópias, uma brutal revolução em relação ao quadro atual, em que à abundância de poetas parece corresponder uma quase completa inexistência ou desistência de leitores. Falar em tiragens em tempos de Facebook e Twitter parece medieval. Mas infelizmente, a mídia é de fato a mensagem. Todas as possibilidades poéticas não cabem num tuíte de 140 caracteres.

Quanto à segunda descoberta, de o motivo da maioria para escrever poesia ser escrever poesia, derivamos uma quase-teoria (com o perdão da rima pobre) a que chamamos “empiria poética”. Ela está por ser desenvolvida. Mas indica que a causa não busca nenhum efeito além de si mesma. Além disso, a empiria esclarece outro importante fato conexo. Por que, então, publicar livros de poesia? Porque é possível. E é possível em função de outro dado constatado em nossa pesquisa. Há hoje em praticamente todos os municípios brasileiros editais de poesia, além e ao lado de um vasto número de concursos, prêmios e eventos.

À falta de leitores, os livros feitos porque feitos se destinam naturalmente a eles.

Portanto, há uma integração entre a empiria poética e o que se revela uma verdadeira burocracia poética. Na verdade, mais do que uma integração, há uma genealogia compartilhada, que afinal questiona, ainda que não elimine, em certo nível criativo, a nossa teoria da empiria: na verdade, o motivo de muitos livros de poesia serem escritos e, às vezes, a depender das exigências da demanda, publicados, é poder participar de tais editais etc., o que os torna a verdadeira razão ou causa da escritura da maior parte da poesia atual.

Acreditamos ter lançado alguma luz sobre o quadro atual.

Para finalizar, acrescentamos que, em paralelo à nossa pesquisa, lemos muitas biografias de muitos poetas do passado, que, se tem o incontornável defeito de serem do passado, não obstante deixaram para o presente uma poesia que ainda aponta para algum futuro da arte. E, para nossa surpresa, descobrimos que todos escreviam poesia porque viam na poesia a única linguagem capaz de dizer do modo que o fazia, ou seja, o modo poético (como o texto dramático para o teatro), aquilo que o mesmo modo poético podia dizer. E o que o modo poético podia dizer simplesmente não podia ser dito de outro modo. Pense-se no monólogo de Hamlet em prosa… A poesia era, portanto, uma necessidade. E por necessidade, um desafio. E por desafio, um esforço. Uma necessidade estética, cultural, pessoal, cognitiva, que, por isso mesmo, que é muito, não podia prescindir nem do referido esforço criativo nem do esforço correlato de interessar ao antigamente conhecido como “público leitor”. Em conclusão, ao menos uma coisa é certa: tanto a empiria poética quanto a burocracia poética são duas inovações contemporâneas na história da poesia. Aliás, as únicas!


 Sobre Luis Dolhnikoff

Luis Dolhnikoff estudou Medicina (1980-1985, FMUSP) e Letras Clássicas (1983-1985, FFLCH-USP). Entre 1990 e 1994, co-organizou em São Paulo, ao lado de Haroldo de Campos, o Bloomsday SP, homenagem anual a James Joyce. Em 2005, recebeu uma Bolsa Vitae de Artes para estudar a vida e a obra do poeta Pedro Xisto. Entre 2006 e 20014, foi articulista de política internacional na Revista 18, do Centro de Cultura Judaica de São Paulo. Como crítico literário e articulista, colaborou, a partir de 1997, com os jornais O Estado de S. Paulo, A Notícia, Diário Catarinense, Gazeta do Povo, Clarín e, recentemente, Folha de S. Paulo, bem como em várias revistas. É autor do livro de contos Os homens de ferro (São Paulo, Olavobrás, 1992), além dos livros de poemas Pânico (São Paulo, Expressão, 1986, apresentação Paulo Leminski), Impressões digitais (São Paulo, Olavobrás, 1990), Lodo (São Paulo, Ateliê, 2009), As rugosidades do caos (São Paulo, Quatro Cantos, 2015, apresentação Aurora Bernardini, finalista do Prêmio Jabuti 2016) e Impressões do pântano (São Paulo, Quatro Cantos, 2020).