“Histórias da Guerra: Poemas e ensaios”
Foi lançada, recentemente, a antologia “Histórias da Guerra” (Martins/Martins Fontes, São Paulo, 2008), que contém poemas e ensaios do poeta norte-americano Charles Bernstein, autor de vários livros de poesia e ensaios-poemas, além de libretos. Bernstein co-editou a importante revista L=A=N=G=U=A=G=E, transformada depois, em 1984, em livro.
A tradução dos poemas do líder do movimento L=A=N=G=U=A=G=E poetry é assinada por Régis Bonvicino (que selecionou os textos e prefaciou a edição) e Maria do Carmo Zanini. A tradução oferece várias soluções surpreendentes. Citarei duas:
O poema que dá título ao livro, “Histórias da Guerra”, traz o seguinte verso:
“War is sacrifice for an ideal.”
Em português, lemos:
“A Guerra é o pântano islâmico em Guantánamo.”
Essa tradução (de Régis Bonvicino), como se vê, parece explicitar algo que, no original, estava mais ou menos dissimulado e que só uma leitura atenta (e criativa) revelaria. Parece-me que um tom mais latino-americano, ou decididamente nerudiano, predominou nesse verso do tradutor.
No verso que fecha o poema do autor norte-americano, lemos:
“War is us.”
Lemos, em português:
“A guerra sou E.U.”
Uma solução feliz e irônica, que expõe toda a “culpa” dos EUA e, ao mesmo tempo, revela o E.U. do capitalismo contemporâneo, ou seja, a face do Ocidente, que é a nossa face também, a nossa máscara atual. Em suma, aqui, neste verso, o tom é muito mais paulistano e concreto do que chileno e neoparticipante, embora as duas traduções, apresentadas acima, sejam, no meu entender, cada uma a seu modo, igualmente eficazes como poesia.
Num ensaio, incluído no livro que estou comentando, Bernstein recomenda a política cultural dos encontros e transformações, como uma das possibilidades de diálogo nas Américas, elogiando “uma colagem de diferentes práticas lingüísticas pela América afora”, que redundasse numa “constelação hipertextual ou sincrética, com camadas alfabéticas, glíficas e orais”.
De certa forma, pondo em prática essa “poética das Américas”, essa constelação pós-mallarmaica, senti-me instigado a comparar o poema “Histórias da Guerra”, de Charles Bernstein, com o poema “A Bomba”, de Carlos Drummond de Andrade.
No poema de Drummond, lemos:
“A BOMBA
é uma flor de pânico apavorando os floricultores
A bomba
é o produto quintessente de um laboratório falido
A bomba
é miséria confederando milhões de misérias”
No poema de Bernstein, lemos:
“A guerra é um passeio infinito num cemitério finito.
A guerra é um modo de a natureza se confirmar selvagem.
A guerra é uma nova oportunidade.”
Ambos os poemas, como se vê claramente, têm a mesma estrutura (são longos e definem exaustivamente seu objeto, ou seja, bomba e guerra), embora o poema de Drummond (no qual a palavra “bomba”, com seus dois fonemas explosivos, é usada acima do verso) pareça hoje mais ousado formalmente do que o de Bernstein. Ou seja, Drummond parece ter escrito uma poesia L=A=N=G=U=A=G=E “avant la lettre” (poesia, aliás, muito atual e mais radical, em certos aspectos, do que o próprio poema do autor norte-americano).
No final do seu poema, Drummond afirma, singelamente:
“A bomba
não destruirá a vida
O homem
(tenho esperança) liquidará a bomba.”
Lendo o poema de Bernstein, sabemos, porém, que:
“A guerra é a última diversão.”
Assim, ouso concluir, os dois poemas (o do século XX e o do século XXI) dialogam e se completam um ao outro: as bombas continuam a explodir, pois a nossa História contemporânea é… histórias da guerra. A poesia de Drummond e a poesia de Bernstein o comprovam.