Nicanor Parra (1914-2018) foi o um poeta chileno quase contemporâneo de Pablo Neruda (dez anos mais novo), que se tornaria famoso e popular em seu país pelo que chamou de “antipoesia”, um estilo em nada aparentado às vanguardas do século XX, apesar do nome, mas se baseava tão somente em certa leveza irônica, chistosa e coloquial, que pretendia antepor um poeta “chapliniano” ao que via como “aura” poética. Em termos de linguagem, o anti– de sua poesia revela toda sua pertinência, pois praticava o registro coloquial. Era irmão da famosa cantora e compositora engajada Violeta Parra. O texto a seguir sintetiza sua obra e seu lugar na poesia chinela e hispânica contemporânea.
Em Altazor, Huidobro se vangloriou de ser “antipoeta e mago”. Não era verdade: ele foi mágico demais para ser antipoético. Antipoeta e mago era Neruda. E Parra apenas o primeiro. E com isso digo tudo.
Pois acaba de sair [2006] o segundo volume de suas Obras completas & algo +, que ganhou o Prêmio Cervantes. Sem candura ou “parracídio”, é urgente sopesar Nicanor Parra.
Neruda demonstrou que a língua é tão vasta que se pode ser de vários tipos de poetas. O poeta muda de pele a cada tantos livros.
E não falarei de Pessoa, porque Parra, então, leva uma surra.
Parra explodiu seu nicho. Bom escritor; não é um grande poeta. E como antipoeta foi sempre igual a si mesmo. O mais próximo da renovação foi sua poesia visual.
Em Parra, você pode ver o commom sense de Chicago e a influência (confessada) de Chespirito.[1] Foi um democrata do verso, reduziu- à graça mais acessível e à prédica bem-humorada.
Pode ser ingrato dizê-lo de um escritor tão agradável, mas hoje seria impossível para mim colocá-lo na mesma altura de Neruda.
Parra foi indispensável para desintoxicar a poesia chilena de tantas altas imagens. E isso aconteceu com todos nós que começamos nos livros de Neruda. Depois de tanta alucinação, Parra e seu copo de água foram um frescor.
Mas a água cansa e nada pesa tanto quanto a transparência.
Nas sucessões literárias, geralmente vigora a lei do mínimo esforço (desproporcional).
Uma característica extrovertida (e inovadora) de um autor é retomada (e exagerada) por seus epígonos, subtraindo todos os outros elementos mais complexos que o acompanharam na fórmula original. Assim, de um autor que realiza uma vistosa ruptura, apenas seu fator mais marcante, popular ou emulável é retomado.
Da fórmula de Parra – colóquio paradoxal e anticlímax humorístico – seus seguidores só ficaram com o drible.
A poesia latino-americana através de Parra relaxou.
Se não fosse pelos neobarrocos pós-Lezama – que não eram filósofos ou mágicos – a poesia dessa língua desmoronaria, e a diferença entre verso e prosa se diluiria completamente.
A contribuição de Parra foi conseguir, pela primeira vez em nossa língua, uma poesia sem aura. Essa bofetada em plemo onirismo huidobriano-nerudiano foi um oxigênio. Um verso oxigenado “simpáticão”.
A irreverência da antipoesia, algumas décadas depois, tornou-se gênero para agradar e receber aplausos. Por isso que muitos de suas obras são discursos, que buscam uma eloquência tranquila e riso entre referências.
Os textos de Parra são facilmente apreciados. E sua condição de pessoa afetuosa familiarizou a figura do poeta. Parra é o avô bonachão da vanguarda.
Enfim, parte do legado parriano é que o sarrafo para algo ser considerado poesia ficou mais baixo.
Digamos adeus a Parra, citando-o: “A poesia passa – a antipoesia também”.
[1] Programa humorístico da televisão mexicana.