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A crise da poesia nos dias de hoje

“A literatura é sempre inatual”ouas tendências retrô baseiam-se na teoria da memória cultural e manifestam-se como mania comemorativa” afirma Mario Perniola, 71, em entrevista exclusiva à Sibila. Ele é um dos principais pensadores europeus contemporâneos.  Perniola nasceu em Asti, província italiana pertencente à região de Piemonte, em 1941, e se formou em Filosofia na Universidade de Turim sob a orientação de Luigi Pareyson. Esteve ligado entre os anos de 1966 e 1969 ao grupo da Internacional Situacionista (I. S.), no qual pôde ter uma estreita relação de amizade e de debate teórico com Guy Debord. O filósofo possui vasta produção na área de Estética, Teoria da Arte e Arte Contemporânea. Dirigiu as revistas Agaragar (1971-3), Clinamen (1988-92), Estetica News (1988-95) e Ágalma – Rivista di Studi Culturali e di Estetica (desde 2000). Sua obra está traduzida em várias línguas, como inglês, alemão, francês, espanhol, dinamarquês, chinês, japonês e português. Da Wikipédia: “Nos anos 80 Perniola oferece algumas das suas mais notáveis contribuições para a filosofia. Em Dopo Heidegger. Filosofia e organizzazione dela cultura [Depois de Heidegger. Filosofia e organização da cultura, 1982], partindo de Martin Heidegger e Antonio Gramsci, Perniola desenha uma teoria da organização social. Efetivamente, ele releva a possibilidade de serem estabelecidas novas relações entre a cultura e a sociedade no Ocidente. Uma vez que as antigas relações entre metafísica e Igreja, dialética e Estado,  e ciência e mundo profissional foram desconstruídas, a filosofia e a cultura abrem o caminho para uma superação do niilismo e do populismo que caracterizam a sociedade de nosso tempo”. Agradeço a Aurora Bernardini por encaminhar as perguntas ao seu amigo Perniola, que entende perfeitamente português, e por fazer a tradução das respostas. RB, maio de 2012

 

Sibila: A poesia, de duas décadas para cá, ao menos, é uniforme no mundo todo, com poucas exceções; em termos formais, ela é feita com linhas irregulares, à maneira de versos livres, com sonoridade descuidada, sintaxe de prosa (preposições, frases apostróficas), amarradas por metáforas pseudoextravagantes – que são o signo de poeticidade; em termos de conteúdo, os poemas são confessionais, pseudoprofundos e trazem pequenas epifanias baseadas na memória do autor. O autor deve parecer sensível ao leitor, tratando de temas como a morte, o amor, a oposição ao imperialismo etc. O sr. concorda com essa descrição? A poesia se transformou numa “pequena empresa” (e não mais uma empreitada) feita por “funcionários” anódinos?

Mario Perniola: Estou perfeitamente de acordo com essa análise. Descreve muito bem a situação da poesia no mundo ocidental. Isso não exclui que mesmo hoje existam grandes poetas. Por exemplo, penso que o sírio Adonis esteja entre eles.

Mario Perniola: Sono perfettamente d’accordo con questa analisi. Descrive molto bene la situazione della poesia nel mondo occidentale. Ciò non esclude che esistano anche oggi grandi poeti. Per esempio, penso che il siriano Adonis sia tra questi.

Sibila: Hoje quase todos são ou querem ser poetas e, no entanto, quase ninguém lê poesia, a poesia do cânone de cada língua, e ou mesmo a mais contemporânea. A que atribui isso?

MP: O poeta não pode ser um ignorante. O conhecimento do cânone da literatura é imprescindível. É como pretender ser filósofo sem conhecer a história da filosofia! O resultado dessa ignorância é uma simploriedade arrogante e presunçosa.
Il poeta non può essere un ignorante. La conoscenza del canone della propria letteratura è imprescindibile. E’ come se si pretendesse di essere filosofi senza conoscere la storia della filosofia! Il risultato di questa ignoranza è una presuntuosa e arrogante semplicioneria.

Sibila: Recentemente Nanni Balestrini me falou que há uma inflação de palavras no mundo. Mas noto que há uma deflação de ideias e conteúdos; talvez Nanni quisesse dizer o mesmo que digo. Como vê isso?

MP: Minha primeira paixão foi a poesia e a literatura. E continua a sê-lo. A poética na qual me reconheço sempre esteve no polo oposto à neovanguarda do “Grupo 63”, um movimento de literatos e de intelectuais que, entre 1963 e 1969, experimentava na Itália novas formas linguísticas. Minha ideia da literatura insere-se na tradição da “poesia pura” que remonta aos assim chamados “poetas malditos” franceses, sobretudo (Mallarmé), e que na Itália se exprimiu no hermetismo. No plano da crítica literária foi Maurice Blanchot quem levou ao extremo a ideia da linguagem literária como oposta à linguagem comum. Meu primeiro livro, O Metaromance (1966), insere-se inteiramente nessa problemática.
La mia prima passione è stata la poesia e la letteratura. E lo è tuttora. La poetica in cui mi riconosco è sempre stata al polo opposto della neo-avanguardia del “Gruppo 63”, un movimento di letterati e intellettuali che tra il 1963 e il 1969 sperimentava in Italia nuove forme linguistiche. La mia idea della letteratura si inserisce nella tradizione della “poesia pura” che risale ai cosiddetti “poeti maledetti” francesi (soprattutto Mallarmé) e che in Italia si è espressa nell’ermetismo. Sul piano della critica letteraria è stato Maurice Blanchot a portare all’estremo l’idea del linguaggio letterario come opposto al linguaggio comune. Il mio primo libro Il Metaromanzo (1966) è appunto interamente al di dentro di tale problematica.

Sibila: Penso que o conceito de “word as such”, dos formalistas russos, foi abandonado por completo em poesia. Se concorda com essa afirmação, como explicaria esse fenômeno da prevalência da linguagem fática, de mera comunicação, na poesia e na literatura?

MP: A comunicação é justamente o contrário da literatura.
La comunicazione è proprio il contrario della letteratura.

Sibila: No Brasil, não há mais crítica literária e, quando se faz crítica, ela é sempre vista como ataque pessoal. Parece-me que isso ocorre de modo generalizado no mundo todo. A falta de crítica literária é parte da crise da poesia?

MP: A grande crítica literária é ela mesma literatura, com todo o direito, estando portanto envolvida na decadência da cultura estética ocidental.
La grande critica letteraria è essa stessa letteratura a pieno titolo e quindi è coinvolta nella generale decadenza della cultura estetica occidentale.

Sibila: O que pensa da crítica marxista, sociológica, que, ao cabo, reduz seu objeto de análise a um fim revolucionário; em outras palavras, há espaço para uma crítica teleológica, que abandona seus objetos de indagação?

MP: Eu aprecio muito os estudos de sociologia da literatura e da arte quando desvelam os mecanismos, e através dos quais se cria a notoriedade de um autor, porém absolutamente não creio que a sociologia possa explicar a substância da obra. Acho que a literatura é sempre inatual, no sentido que Nietzsche dá a esse termo.
Io apprezzo molto gli studi di sociologia della letteratura e dell’arte quando svelano i meccanismi e   attraverso i quali si crea la notorietà di un autore, ma non credo affatto che la sociologia possa spiegare la sostanza dell’opera. Penso che la letteratura sia sempre inattuale, nel senso che Nietzsche dà a questa parola.

Sibila: Penso que a única novidade – em se tratando de poesia no Brasil no século XXI, onde há muito mais dinheiro – é que alguns poetas adotaram aspectos das organizações sociais criminosas em seu funcionamento, aspectos da estrutura das máfias na projeção de seus trabalhos; eles substituíram o antigo aparelhamento, os aparelhos de esquerda e ou de direita, por estruturas mafiosas. Esse é um sintoma do mundo pós-ideológico e pós-científico?

MP: Não concordo, as pequenas confrarias de amigos que se favorecem existiram sempre. Hoje podemos ir além do contexto social e encontrar no mundo inteiro aqueles que são afins a nosso modo de pensar, de escrever e de ser. É paradoxal que tanto a esquerda quanto a direita tenham perdido, depois da dissolução da União Soviética, seu caráter internacional.
No, le piccole consorterie  i amici che si aiutano tra loro ci sono sempre state. Oggi possiamo andare al di là del contesto locale e trovare nel mondo intero chi è affine al nostro modo di pensare, di scrivere e di essere. E’ paradossale che tanto la sinistra quanto la destra abbiano perduto dopo la dissoluzione dell’Unione Sovietica il loro carattere internazionale.

Sibila: Por que a cultura se transformou em objeto de comunicação social das empresas e corporações e do próprio Estado?

MP: Esta não é cultura, é apenas propaganda.

Sibila: Vejo com pessimismo a situação brasileira: há um crescimento enorme da economia, mas não há riqueza social, educacional e ou cultural. As estruturas oligárquicas, de esquerda e ou de direita,  perpetuam essa situação. Como vê o Brasil, neste sentido?

MP: Desde 1990 tenho frequentado o Brasil uma vez por ano, durante um mês, ao menos, e tive ocasião de observar grandes progressos, especialmente no âmbito da higiene. Desde FHC, desde 1994, o país foi se tornando aos poucos uma grande potência e a chegada da esquerda ao poder não interrompeu esse processo. Nos últimos anos surgiu uma pequena burguesia da qual, entretanto, não é de se esperar muito em termos de cultura. Parece-me que os pobres ficaram quase na mesma situação e que, muitas vezes, foram iludidos pela propaganda; o resultado é uma grande frustração. O Brasil se assemelha à China: um gigante econômico, mas um anão cultural. A diferença é que a classe dirigente chinesa sabe disso e está empenhada num confronto contínuo e obsessivo com os EUA, enquanto o ufanismo brasileiro acaba, paradoxalmente, por ser colonizado pelo American way of life.
Frequento almeno una volta all’anno per almeno un mese dal Brasile dal 1990 e ho osservato grandi progressi specie nel campo dell’igiene. Da Cardoso in poi, dal 1994, il paese è diventato a poco una grande potenza e l’arrivo della sinistra al potere non ha interrotto questo processo. Negli ultimi anni è nata una piccola borghesia, da cui tuttavia non c’è da aspettarsi molto in termini di cultura. Mi sembra che i poveri siano rimasti pressoché nella stessa situazione e spesso siano stati illusi dalla propaganda; il risultato è una grande frustrazione. Il Brasile è simile alla Cina: un gigante economico, ma un nano culturale. La differenza è che la classe dirigente cinese lo sa e si è impegnata in un confronto continuo e ossessivo con gli USA, mentre l’ufanismo brasiliano finisce paradossalmente di essere colonizzato dall’American way of life.

Sibila: Como vê as relações entre passado e presente na internet? Um novo cânone acrítico está em formação?

MP: Não, pelo contrário, a internet dá a possibilidade de encontrar uma escuta mundial mesmo às experiências mais marginais e alternativas.
No, anzi dà la possibilità anche alle esperienze più marginali e alternative di trovare un ascolto mondiale.

Sibila: Por que vivemos um período tão retrô nas artes?

MP: As tendências retrô baseiam-se na teoria da memória cultural e manifestam-se como mania comemorativa, o que quase sempre trai o significado autêntico daquilo que evoca. Disso deriva uma espécie de mumificação, de monumentalização e fetichização do passado: a proliferação de museus, a paixão pelas genealogias, a atribuição de excessiva importância ao testemunho dos sobreviventes, a prevalência do patrimônio sobre o relato, a obsessão de conservar tudo – tudo isso são aspectos da renúncia da possibilidade de escrever a história, entendida como relato unitário dotado de um significado do qual o autor assume a responsabilidade. O militantismo da memória acaba instrumentalizando o passado, confundindo o juízo histórico com o juízo político.
Le tendenze retro si basano sulla teoria della memoria culturale e si manifestano in una mania commemorativa, che quasi sempre tradisce il significato autentico di ciò che rievoca. Ne deriva una specie di mummificazione, di monumentalizzazione e feticizzazione del passato: il proliferare dei musei, la passione per le genealogie, l’attribuzione di un’eccessiva importanza alle testimonianze dei sopravvissuti, il prevalere del  patrimonio sul racconto, l’ossessione di conservare tutto, sono altrettanti aspetti della rinuncia nei confronti della possibilità di scrivere la storia intesa come racconto unitario dotato di un significato di cui l’autore si assume la responsabilità.  Il militantismo della memoria finisce con lo strumentalizzare il passato, confondendo il giudizio storico con quello politico

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 Sobre Mario Perniola

Nasceu em Asti, província italiana pertencente à região de Piemonte, em 1941. Formou-se em Filosofia na Universidade de Turim sob a orientação de Luigi Pareyson. Esteve ligado entre os anos de 1966 e 1969 ao grupo da Internacional Situacionista (I. S.), no qual pôde ter uma estreita relação de amizade e de debate teórico com Guy Debord. O filósofo possui vasta produção na área de Estética, Teoria da Arte e Arte Contemporânea. Dirigiu as revistas Agaragar (1971-3), Clinamen (1988-92), Estetica News (1988-95) e Ágalma - Rivista di Studi Culturali e di Estetica (desde 2000). A sua obra está traduzida em várias línguas, como inglês, alemão, francês, espanhol, dinamarquês, chinês, japonês e português.