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Acusações falsas e caluniosas exigem um pedido público de desculpas – Boaventura

Boaventura de Sousa Santos

 

Estava ausente no Chile a participar na Feira do Livro no período em que surgiram acusações graves contra a minha pessoa. Isso atrasou a minha resposta a tais acusações por não ter nessa altura acesso à documentação necessária para as rebater.

Entre o final de 2017 e ao longo de 2018, uma série de mensagens anónimas foram pichadas nas paredes do CES e em alguns edifícios da Universidade de Coimbra. Nelas afirmava-se categoricamente uma acusação extremamente grave: “Boaventura é um violador”.

Tais mensagens, como é possível de imaginar, começaram a causar grande perturbação na comunidade académica do CES. Seguiu-se imediatamente no CES um período de reflexão sobre a qualidade da acusação. Mesmo sem denúncias formais, o CES não deixou de agir. Realizaram-se assembleias e diversas reuniões em que foram consultadas organizações feministas, de variados matizes, para adoptar medidas que melhorassem possíveis práticas sexistas e violentas da instituição.

A partir desse movimento, o CES instaurou uma Comissão de Ética e uma Provedoria, e estabeleceu um Código de Conduta. Depois deste processo, que sem dúvida permitiu avanços importantes e fundamentais para a instituição, não foram apresentadas denúncias que corroborassem a afirmação de que eu era um violador. Na altura não se soube quem estaria por detrás das pichagens nem o que as teria motivado.

Recentemente, para grande surpresa minha, três investigadoras – que fizeram parte da comunidade acadêmica do CES – publicaram um artigo em inglês, cujo título poderia ser traduzido como “As paredes falaram quando ninguém o faria”, nitidamente inspirado na grave acusação falsa expressa naquelas pichagens.

O que eu não soube há quatro anos é que tais mensagens pichadas se seguiram a uma denúncia de uma ativista argentina, nomeadamente a senhora Moira Millán, que começou a afirmar publicamente, e caluniosamente, que eu a teria “sequestrado” e a teria tentado violar após uma atividade académica em que ela participara no CES em Junho de 2010.

No passado dia 16 de Abril foi publicada uma longa entrevista que ela concedeu ao jornal espanhol El Salto, em que narra – com uma aparente riqueza de detalhes – como a suposta tentativa de violação teria ocorrido. Trechos desta entrevista foram publicados não só em diversos veículos de Portugal, mas também em veículos de vários países da América Latina.

A partir das afirmações feitas por Moira Millan na entrevista, detenho-me a seguir – com base em elementos concretos e documentos sólidos – a confrontar a narrativa caluniosa que ela construiu para me acusar, indicando ponto por ponto a verdade dos factos. Esta acusação foi a mais grave feita contra a minha pessoa e, por isso, responderei a ela em primeiro lugar. Quanto às outras alegações que têm vindo a lume, quando tiver conhecimento delas, recolherei a informação e tomarei as medidas adequadas.

Moira Millan não forneceu qualquer elemento comprovativo da acusação que fez. Disse que não tem emails porque o seu endereço de email havia sido hackeado. Mas eu tenho os emails e as faturas que atestam o que de seguida digo.

 

Pergunta – Como sucederam os acontecimentos com o Boaventura?

Resposta Moira Millán

 

“Em 2010 fui a Portugal a convite de um grupo de argentinos residentes em Lisboa para uma discussão na Universidade Lusófona e contactei o Boaventura porque nos conhecíamos do Fórum Mundial no Brasil, onde tudo foi agradável, respeitoso, enquanto trocamos perspectivas políticas. Ele respondeu imediatamente para me convidar para Coimbra e dar uma palestra para seus alunos. Aceitei e, embora em nenhum momento me tenha oferecido remuneração, exigi que pagasse as minhas despesas porque a minha situação económica era muito precária e o Boaventura aceitou pagar-me a passagem, o alojamento e os subsídios… (continua adiante)

 

A VERDADE – Ao contrário da afirmação acima, foi a senhora Moira Millán quem me conctatou, por e-mail, no dia 29 de Abril de 2010, oferecendo-se para realizar uma atividade na Universidade de Coimbra, já que estaria de passagem por Portugal naquele ano. A mensagem do e-mail era a seguinte:

 

“Mari mari Boaventura! Saudações desde o território mapuche! Finalmente tento estabelecer um contato duradouro consigo estimado companheiro, em que me proponho trocar ideias, pensar, rir, soltar sonhos e ideias, que lhe parece? agrada-lhe este convite? se disser sim nem sabe no que se estar a meter ha, ha, ha!! Digo-lhe que vou a Portugal no mês de Junho, gostaria de visitá-lo e talvez organizar alguma atividade juntos, como um debate, ou o que lhe pareça melhor. Coordenar também algumas atividades para o mês de Agosto, quando vier à Argentina, porque gostaria que visitasse o território mapuche. Se tiver interesse avise-me”

 

 

Como já conheci centenas de pessoas em várias actividades ao redor do mundo, não respondi ao e-mail de imediato porque não me lembrava da senhora. Foi então que em 16 de Maio de 2010, uma colega socióloga argentina, Norma Giarraca, infelizmente já falecida, me chamou a atenção para a tentativa de contacto da senhora Moira Millan, por meio de um e-mail:

 

“Boa: Moira Millan parece que te conheceu em Cochabamba, vai a Portugal e quer contactar contigo, abraços”.

 

 

Esse tipo de intervenção é comum. Muitas vezes quando alguém quer entrar em contacto comigo, procura a intermediação de alguém que tenha um contacto mais próximo comigo.

Após essa mensagem da minha colega argentina, um mês depois da tentativa de contacto inicial de Moira Millan, em 27 de Maio, respondi positivamente aceitando a proposta e informando que todas as despesas de deslocação e hospedagem seriam pagas – conforme era de praxe com qualquer conferencista que se apresentasse no CES. O teor do e-mail que lhe enviei:

 

“Estimada Moira,

Querida hermana,

 

Me alegra muito que possa visitar o meu centro. Proponho a data de 14 de Junho, às 18:00h. A sessão será uma apresentação sua, de 30 a 40 minutos, sobre a luta mapuche na Argentina, seguida de debate. Temos muitos estudantes de doutoramento que estarão interessados em debater este tema consigo. Se puder ficar em Coimbra nessa noite, reservamos o hotel e com muito gosto a convido para jantar. Também cobrimos as despesas da viagem Lisboa-Coimbra-Lisboa. Por favor, traga o bilhete de comboio. Depois definimos os detalhes, e ao saber a que horas chega à estação de comboio (Coimbra B), alguém do centro a irá buscar…”

 

 

 

 

Continuação da resposta de Moira Millán à pergunta:

 

“Cheguei a Coimbra e dei a conferência. Quando ele terminou, era bem tarde e a assistente dele disse-me que eu tinha que ir a um determinado lugar para jantar. Pensei que ia o grupo todo, mas quando cheguei lá, vi que ele estava sozinho. O lugar que ele escolheu foi um restaurante de sua família e abriu para que pudéssemos jantar sozinhos. Ele começou a beber muito e a dizer coisas malucas para flirtar.”

 

A VERDADE – A conferencista saiu de Lisboa para Coimbra de comboio no dia 14 de Junho, às 13h30, chegou à estação de Coimbra B depois das 15h30 e apanhou um táxi para o Hotel Botânico, onde ficaria hospedada até ao dia seguinte. Depois de se instalar, a conferencista foi de táxi para o CES, onde teve lugar a conferência e debate. Todas as despesas de deslocação foram posteriormente devidamente reembolsadas, como se pode ver pelos documentos anexos.

A actividade, que teve início pouco depois das 18h, teve a duração de mais de 2 horas, tendo terminado por volta das 21h. Fomos imediatamente para o local do jantar. Ao contrário da afirmação de Moira Millan, o convite para o jantar já tinha sido feito por e-mail, com bastante antecedência, com um caráter formal. Sempre levei participantes em actividades do CES, homens e mulheres, na condição de convidados, e como parte dos programas dessas actividades, a jantar em um restaurante próximo ao CES.

O jantar não foi em nenhum restaurante privado da minha família, já que a minha família não tem nem nunca teve qualquer restaurante. O jantar ocorreu no restaurante “Trovador”, um restaurante muito conhecido em Coimbra, localizado a cerca de 750 metros do CES, no largo da Sé Velha, frequentado por muitas pessoas, para o qual nos deslocamos a pé. Quem conhece a zona, sabe perfeitamente que em Junho aquele não é um restaurante para quem procura privacidade, como deu a entender a Sra. Moira Millan. O jantar pode ser comprovado pelo recibo emitido pelo restaurante.

O jantar, que para mim foi um jantar de trabalho, correu de maneira tranquila e agradável; tratei a convidada sempre com todo o respeito, cordialidade e hospitalidade que eram devidos na minha condição de anfitrião.

Encerramos o jantar quando o restaurante já estava quase fechando e, como já era tarde, eu acompanhei a convidada até ao Hotel Botânico, sempre a pé.

 

Recibo do jantar no restaurante Trovador

 

Continuação da resposta de Moira Millán na entrevista:

 

“Durante todo o tempo em que estabeleci limites e quando terminamos de jantar, ele me disse que me queria dar alguns livros e eu pedi que me entregasse no dia seguinte. Ele disse-me que não e que sua casa era muito perto. Eu concordei. Não me lembro em que andar ele morava, mas lembro-me de que era preciso passar por um sistema de segurança para entrar no prédio. Entramos no apartamento, ele se acomodou e começou a beber uísque. Eu queria sair, mas ele pediu-me para eu me sentar. Assim fiz, mas na frente dele. Ao fazer isso, ele lançou-se sobre mim e começou a me apalpar, querendo me beijar, e eu empurrei-o e disse indignada: “Não!”. Fiquei com raiva, fiquei parada, mas ele se jogou em mim de novo e aí eu, muito brava, empurrei-o com mais força: deixei claro que ele não ia deixar eu estuprar nem que fosse o Boaventura. Ele percebeu que não ia conseguir cometer nenhuma violação porque eu não ia deixar, mas ao mesmo tempo me senti sequestrada: não sabia como sair do prédio, não sabia a que distância ficava do hotel nem se era longe, não tinha dinheiro para pagar um táxi. Também não tinha o bilhete de regresso a Lisboa. Eu realmente estava em suas mãos e aquele sentimento me deixou com medo e com raiva. Eu tentei acalmar e fiz ele reflectir, aí ele se acalmou.”

 

A VERDADE – Conforme mencionei anteriormente nunca a convidei para minha casa. Não há qualquer sistema de segurança para aceder ao edifício onde moro, ao contrário do que a senhora Moira alega.

 

Pergunta – Como conseguiu o bilhete de volta?

Resposta Moira Millán

“No dia seguinte fui pedir à secretária dele, mas ela diz-me que ele estava com ele, que estava à minha espera num restaurante. Ouvir isso me irritou muito: era como continuar na humilhação e nas mãos dele, como uma criança caprichosa que, como não pôde me ter na véspera, quis ter-me no dia seguinte. A secretária dele passou por um momento difícil e não foi culpa dela, então fui enfrentá-lo. E lá estava ele me esperando com um ramo de flores, implorando e implorando para que eu o perdoasse, mas agarrei no meu bilhete e fui-me embora.”

 

A VERDADE – Tal situação nunca aconteceu. No dia seguinte ao debate, dia 15 de Junho, Moira Millan fez o checkout do Hotel Botânico, a minha secretária foi ao hotel para lhe entregar o bilhete e levá-la de carro à estação. Não voltei a encontrar-me com ela.

Pergunta – Desde então, o Boaventura a contactou?

 

Não, ele tem terror de mim, ele sabe o que fez. E já contei a várias pessoas da Academia porque temos coincidido em conferências internacionais onde também o convidam, por isso, e quando quiseram colocar-me na mesma mesa, recusei e se insistissem, ameacei denunciá-lo publicamente ele como um abusador. Por exemplo, CLACSO sempre soube porque eu disse a eles, e é por isso que eles se tornam um cúmplice absoluto.”

 

A VERDADE – Depois da atividade em Coimbra, Moira Millan tentou contactar-me diversas vezes por e-mail, uma correspondência que vai desde Junho de 2010 até Dezembro de 2014. Em alguns desses e-mails ela solicitou-me dinheiro para financiar algumas de suas despesas, incluindo pedidos para pagamentos de dívida, renda de casa, para escrever um livro e para financiamento de um documentário em que ela seria a protagonista. Nunca poderia tê-la apoiado nesses pedidos porque o CES nunca teve por prática financiar atividades não académicas. A seguir partilho alguns dos e- mails em que ela tentou entrar em contacto comigo de novo.

 

 

23 de Junho, 2010

 

” Mari mari amigo como estás. Voltei, muito cansada, a viagem foi maratónica. Bom, quero pôr-te em contato com XXX, que é uma amiga e companheira de activismo, ela vai administrar a minha agenda a partir de agora e coordenar os detalhes das minhas viagens e participações em eventos. XXX tem internet em casa para que tu possas trocar correspondência regularmente com ela, respondendo a e-mails diariamente. O e-mail dela é XXX. Mando-te um grande abraço confessando que guardo com carinho o aroma das ruas de Coimbra, aquela noite quente, o nosso passeio sem pressa e a conversa cativante e estimulante que tivemos, e claro o teu bom gosto para os vinhos. Abraços”

 

 

A este e-mail assim respondi no dia seguinte:

 

24 de Junho, 2010

 

“Querida Moira

Fico contente por saber que gostaste da passagem por Coimbra. Tive muito gosto em receber-te em Coimbra. A tua palestra foi muito apreciada por todos. Também me senti muito desafiado pelas tuas perspectivas sobre as lutas indígenas. Agora que tens uma agente, a comunicação será mais fácil. Espero ver-te novamente no Fórum Social das Américas ou em Buenos Aires.

Um forte abraço

Boaventura”

 

 

Dias depois Moira Millan voltou a contactar-me por e-mail:

 

29 de Junho, 2010

 

“Abraços daqui amigo, eu também gostaria de te ver no Paraguai e depois em BsAs. Espero que se possa dar, ajuda-me a fazer isso.

Grandes abraços calorosos

Moira”

 

 

Pouco mais de um mês depois Moira Millan volta a contactar-me por e-mail, com um pedido de ajuda financeira, onde inclui uma frase que contradiz completamente a ideia de que ela teria sido vítima de uma tentativa de violação da minha parte:

 

 

3 de Julho, 2010

 

“…Hoje neste momento preciso de 500 euros o mais tardar até esta sexta-feira visto que tenho de pagar uma dívida urgente e o prazo termina a 8 de Julho, peço-te que me ajudes nisto, agradecia. Abraços e mil desculpas por despejar minhas mágoas em ti, tu és uma das poucas pessoas em quem confio muito. Abraços, Moira”

 

 

Depois de me enviar vários outros e-mails, aos quais não respondi, Moira Millan voltou a enviar-me um outro e-mail em 2011, mais uma vez pedindo-me ajuda financeira, dessa vez para financiar os custos da publicação de um romance:

 

11 de Março, 2011

 

“Preciso da tua ajuda, quando nos conhecemos falei-te do meu desejo de escrever um romance…Se alguém pudesse cobrir as minhas despesas de renda e alimentação como investimento nesta obra literária ficaria muito grata e penso que não se arrependeria, seria uma boa maneira de investir o dinheiro.”

 

 

Moira Millan enviou-me outros e-mails, com cópia para outros colegas, voltando a solicitar ajuda financeira em 2013, com o objetivo de promover um documentário que a teria como protagonista:

 

18 de Março, 2013

 

 

No ano seguinte, em 2014, ela também me contatou solicitando apoio para uma marcha das mulheres originárias na Argentina:

 

 

30 de Julho, 2014

 

“Olá Boaventura, tanto tempo! Como estás? que contas? eu conto-te que estou junto com um monte de companheiras, irmãs de diferentes povos indígenas organizando a primeira marcha de mulheres da Argentina…Aqui está o projeto que estamos oferecendo a você enviando a diferentes organizações para nos ajudar a financiar a marcha, por favor, ajude-nos a encontrar apoio financeiro para a marcha..”

 

 

 

Pouco depois, ela voltou a contactar-me pedindo ajuda para viajar para Portugal e para saber se era possível organizar alguma actividade que fosse rentável:

 

06 de Agosto, 2014

 

Alguns dias depois, ela reforça o pedido de apoio financeiro para viajar para Portugal:

 

06 de Agosto, 2014

 

 

 

Moira Millan chegou a enviar mais outros e-mails, mas como não respondi às suas solicitações, os contactos terminaram em Dezembro de 2014 e nunca mais tive notícias dela. Até me deparar com a falsa acusação de que sou vítima.

Moira Millan é uma indígena mapuche. Tenho o máximo respeito pela luta do seu povo e tenho demonstrado a minha solidariedade com o povo Mapuche em múltiplas ocasiões, a mais recente das quais foi ter defendido junto da Assembleia Constituinte do Chile os princípios da plurinacionalidade e do direito próprio, princípios tão caros ao povo Mapuche. Entretanto, não posso aceitar que me façam acusações falsas como os factos bem demonstram. Gostaria de não ter que avançar por meios jurídicos para resolver esta questão, o que seria possível se a senhora Moira Millan reconhecesse a inverdade das graves acusações que fez ao meu respeito e fizesse um pedido público de desculpas.


 Sobre Boaventura de Sousa Santos

Boaventura de Sousa Santos é um Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Distinguished Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick.