Skip to main content

Em memória de Raoul Sentenat

O artista plástico, fotógrafo e escritor cubano exilado nos EUA, Raoul Sentenat,
morreu de aneurisma cerebral em Nova York, em dezembro de 2013.1

Retornando de Lima, dei de cara com a morte do poeta cubano e meu grande amigo, Raoul Sentenat. Raoul Sentenat era um dinossauro solto em neoyorkinas ruas, era um desses conversadores que sabiam o que dizer com paixão. Dava-se ao luxo de ser um erudito sobre qualquer assunto que lhe interessasse, principalmente história e literatura. Tinha uma memória prodigiosa que incluía as páginas e as seções dos milhares de livros que devorou em seu périplo pela vida e por diversos países.

sentenat
Raoul Sentenat em seu ateliê

Conheceu Che quando criança em Havana, sentado à sua mesa com seus pais e Camilo Cienfuegos, outro filho de catalães como ele. Encontrou-se certa vez em um teatro com o dramaturgo Tennessee Williams, caminhou atrás de Akira Kurosawa e errou pelas esquinas do Lower East Side com Miguel Piñero, Miguel Algarín, Pedro Pietri, Bimbo Rivas, Victor Hernández Cruz, Tato Laviera, Piri Thomas, Jesus Papoleto Meléndez, entre outros poetas dinossauros como ele.

Rato de biblioteca, musicólogo, tinha centenas de LPs, cassetes e CDs nas paredes das três quartos. Salsólogo como Johny Pacheco e Fania All Stars , e bebedor de chá de coca por minha culpa. Fotógrafo excelente das ruas, homem de TV, teatro e cinema. Conseguimos publicar duas revistas literárias em Nova York: Avenue B e Vavel.

Vagamos por Upper Manhattan, Canal Street, Little Italy, Lower East Side, falando do Big Bang, de livros, pessoas, qualquer coisa, até mesmo nossos intestinos. Raoul morreu à espera de se aposentar como professor. Jamais esquecerei as noites na 135 com Broadway, em sua casa, quando ele me dizia, voltando eu também da escola onde trabalhava, que estava farto dessa merda que era a educação nos Estados Unidos, que estava tudo podre, que um dia a ilha iria explodir e ele se aposentaria para se dedicar a viver realmente. Estava próximo, apenas mais um ou dois anos.

Mas em um dia ruim não chegou à escola, não pôde sair de sua casa, porque a morte o surpreendeu sozinho, abrigado em sua amada solidão, que só deixava de lado para se encontrar com seus amigos, com quem sabia sê-lo plenamente, com mais humanidade do que qualquer outro. Ele era tão humano quanto um bom cão fiel com outros seres humanos.