Introdução
A primeira geração de poetas românticos franceses, Victor Hugo, Lamartine e Vigny, foi fortemente marcada pelo terror revolucionário que provocou no começo do século XIX um retorno das forças conservadoras que pretendiam negar todos os ideais do século XVIII. Trata-se de um movimento estético, moral e político a que se chamou contrarrevolução. O poeta romântico, desta primeira geração, é aquele que procura um retorno ao antigo regime e a restauração do catolicismo. Uma geração que Paul Bénichou definiu a partir do termo “sacre de l’écrivain”:
Por mais difícil que seja definir através de caracteres constantes a visão romântica do mundo, percebemos que uma certa modificação na fé humanista do século precedente forneceu o essencial, e que no seio desta modificação, mesmo que ela se apresentasse como um compromisso com a fé religiosa, continuava a se desenhar os contornos de um poder espiritual novo. Este poder residia na literatura, elevada a uma dignidade até então desconhecida. O espiritualismo romântico se inclina na direção de um investimento particular na poesia, neste sentido, o romantismo é uma sacralização do poeta. (…) É na exaltação da poesia, colocada na altura do valor mais elevado, que se tornou religião, luz do nosso destino, que devemos ver o traço distintivo do romantismo. [1] (BENICHOU, 2004, p. 259)
O poeta do primeiro romantismo é o poeta mago, profeta, aquele que fala ao povo em nome de Deus, como guardião de seu destino terrestre e ponte entre o divino e o humano. O poeta é investido de um poder “extraordinário”, pois é além de porta-voz de Deus, o guardião dos costumes e tradições “nacionais” e religiosas, ele é capaz de unificar a nação em torno de uma crença, em torno de um único Deus, como um rei que simboliza o poder divino, encarna-o na terra e reunindo a totalidade do seu reino em torno de sua figura simbólica e de uma única crença. “Do Consulado à Restauração, um longo movimento do pensamento conservador exalta a poesia para torná-la o esteio da religião, a reparadora salutar da subversão filosófica” (BENICHOU, 2004, p. 131) Por subversão filosófica entenda-se a filosofia dos enciclopedistas, pejorativamente vista como “racionalista”, devido as críticas à dogmática religiosa, ou seja, todo o movimento de ideias que transformou o pensamento das Luzes em agente da revolução. Nos anos 20 do século XIX, os jovens românticos, católicos e monarquistas fundam sua poesia na referência religiosa que o movimento da contrarrevolução exaltava como único meio para restaurar os costumes e tradições banidos da França pela revolução. O romantismo tem sua origem, portanto, no movimento contrarrevolucionário posterior a 1789: “é do seio da contrarrevolução que emergiu entre 1800 e 1820 a fonte poética do século XIX. A ideia de um ministério espiritual do poeta, que é a alma da poesia moderna, germinou neste meio; os poetas saíram primeiramente, de lá.” (BENICHOU, 2004, p. 186).
Solidão e tédio
É desta poesia que Baudelaire extrai o material de sua lírica, do romantismo católico e conservador que transformou a religião na fonte que garantiu legitimidade aos governos restauradores. Para evidenciar o caráter crítico da poesia baudelariana e a ruptura que esta constrói em relação ao primeiro romantismo, nada melhor do que compará-la à sua fonte principal de “inspiração”. Escolhemos Lamartine, pois nos parece, dentre os poetas da primeira geração romântica, aquele que talvez por ser o primeiro, expõe de maneira mais clara a relação entre esta poesia e o desejo de restaurar a fé cristã. Uma vez salientado o conteúdo desta primeira poesia romântica poderemos examinar a natureza da crítica baudalairiana e expor os requintes irônicos de seus versos. Comecemos com o poema “L’isolement” de Lamartine, poema que abre a antologia Méditations:
L’isolement
Souvent sur la montagne, à l’ombre du vieux chêne,
Au coucher du soleil, tristement je m’assieds ;
Je promène au hasard mes regards sur la plaine,
Dont te tableau changeant se déroule à mes pieds.
Ici, gronde le fleuve aux vagues écumantes,
Il serpente, et s’enfonce en un lointain obscur ;
Là, le lac immobile étend ses eaux dormantes
Où l’étoile du soir se lève dans l’azur.
Au sommet de ces monts couronnés de bois sombres,
Un son religieux se répand dans les airs.
Le voyageur s’arrête, et la cloche rustique
Aux derniers bruits du jour mêle de saints concerts.
Mais à ces doux tableaux mon âme indifférente
N’éprouve devant eux ni charme, ni transports,
Je contemple la terre, ainsi qu’une ombre errante :
Le soleil des vivants n’échauffe plus les morts.
De coline en coline en vain partant ma vue,
Du sud à l’aquilon, de l’aurore au couchant,
Je parcours tous les points de l’immense étendue,
Et je dis : Nulle part le bonheur ne m’attend.
Que me font ces vallons, ces palais, ces chaumières ?
Vains objets dont pour moi le charme est envolé ;
Fleuves, rochers, forêts, solitudes si chères,
Un seul être vous manque, et tout est dépeuplé.
Que le tour du soleil ou commence ou s’achève,
D’un œil indifférent je le suis dans son cours ;
En un ciel sombre ou pur qu’il se couche ou se lève,
Qu’importe le soleil ? je n’attends rien des jours.
Quand je pourrais le suivre en sa vaste carrière,
Mes yeux verraient partout le vide et ses déserts ;
Je ne désire rien de tout ce qu’il éclaire,
Je ne demande rien à l’immense univers.
Mais peut-être au-delà des bornes de sa sphère,
Lieux où le vrai soleil éclaire d’autres cieux,
Si je pouvais laisser ma dépouille à la terre,
Ce que j’ai tant rêvé paraîtrait à mes yeux ?
Là, je m’enivrerais à la source ou j’aspire,
Là, je retrouverais et l’espoir et l’amour,
Et ce bien idéal que toute âme désire
Et qui n’a pas de nom au terrestre séjour !
Que ne puis-je, porté sur le char de l’aurore,
Vague objet de mes vœux, m’élancer jusqu’à toi,
Sur la terre d’exil pourquoi resté-je encore ?
Il n’est rien de commun entre la terre et moi.
Quand la feuille des bois tombe dans la prairie,
Le vent du soir s’élève et l’arrache aux vallons ;
Et moi, je suis semblable à la feuille flétrie :
Emportez-moi comme elle, orageux aquilons ! (LAMARTINE, 1981, p. 23)
Comparemos este poema, com o poema que abre Les Fleurs du Mal:
Au lecteur
La sottise, l’erreur, le péché, la lésine,
Occupent nos esprits et travaillent nos corps,
Et nous alimentons nos aimables remords,
Comme les mendiants nourrissent leur vermine.
Nos péchés sont têtus, nos repentirs sont lâches ;
Nous nous faisons payer grassement nos aveux,
Et nous rentrons gaiment dans le chemin bourbeux,
Croyant par de vils pleurs laver toutes nos taches.
Sur l’oreiller du mal c’est Satan Trismégiste
Qui berce longuement notre esprit enchanté,
Et le riche métal de notre volonté
Est tout vaporisé par ce savant chimiste
C’est le diable qui tient les fils qui nous remuent !
Aux objets répugnants nous trouvons des appas ;
Chaque jour vers l’Enfer nous descendons d’un pas,
Sans horreur, à travers des ténèbres qui puent.
Ainsi qu’un débauché pauvre qui baise et qui mange
Le sein martyrisé d’une antique catin,
Nous voulons au passage un plaisir clandestin
Que nous pressons bien fort comme une vieille orange
Serré, fourmillant, comme un million d’helminthes,
Dans nous cerveaux ribote un peuple de Démons,
Et, quand nous respirons, la Mort dans nos poumons
Descend, fleuve invisible, avec des lourdes plaintes.
Si le viol, le poison, le poignard, l’incendie,
N’ont pas encor brodé de leurs plaisants dessins
Le canevas banal de nos piteux destins,
C’est que notre âme, hélas ! n’est pas assez hardi.
Mais parmi les chacals, les panthères, les lices,
Les singes, les scorpions, les vautours, les serpents,
Les monstres glapissants, hurlants, grognants, rampants,
Dans la ménagerie infâme de nos vices,
Il en est plus laid, plus méchant, plus immonde !
Quoiqu’il ne pousse ni grands gestes ni grands cris,
Il ferait volontiers de la terre un débris
Et dans un bâillement avalerait le monde ;
C’est l’Ennui ! – l’œil chargé d’un pleur involontaire,
Il rêve d’échafauds en fumant son houcka.
Tu le connais, lecteur, ce monstre délicat,
– Hypocrite lecteur, – mon semblable, – mon frère ! (BAUDELAIRE, 1985, p. 99)
Como o leitor pode observar, Lamartine não evoca diretamente a figura divina, não faz confissões e não chora seus pecados e remorsos. O que vemos aqui é uma natureza acolhedora e bela que contrasta com a desesperança do eu-lírico. Nem toda a beleza dos montes, vales e rios é capaz de aplacar a tristeza do eu-lírico. Ele encontra consolo para o tédio que o cerca, na esperança de um “além” onde “o sol ilumina outros céus”, um paraíso celestial onde se pode encontrar a esperança e o amor que não tem lugar sobre a terra. O ideal é mais belo, mais pleno e luminoso que o pôr do sol que está diante de seus olhos. E porque “outros céus” são possíveis, essa terra, seus vales, montanhas e rios deixam o eu-lírico indiferente.
Em Baudelaire a indiferença que em Lamartine é solidão e tristeza de quem tem a certeza de encontrar num “além” a esperança e o amor perdidos é nomeada: o tédio ou o spleen. Sentimento monstruoso, mais “vil” que todas as “bestas selvagens da natureza”, que todos os pecados. Os homens tomados pelo tédio se deixam corroer pelo remorso, que alimentam como vermes que os devoram. Se em Lamartine a solidão é apenas um momento que antecede a redenção e o gozo do paraíso, em Baudelaire, os homens parecem condenados ao tédio e seu ciclo monstruoso de pecado e culpa. No entanto, esta culpa não parece verdadeira, os arrependimentos desses covardes hipócritas são falsos, suas lágrimas não são capazes de “lavar” seus pecados. Estamos diante de homens guiados pelo Diabo, este “sábio alquimista” capaz de “vaporizar” toda a “vontade” humana, aprisionando-nos num ciclo de prazeres mesquinhos e lágrimas de crocodilo.
Neste universo sombrio os verdadeiros mártires são as prostitutas de cuja miséria os burgueses procuram extrair algum prazer. Como cadáveres em putrefação elas se deixam “devorar” pelos vermes, pelos versos do poeta, pelos homens entediados sedentos de prazer e redenção. O poeta se identifica com estas miseráveis mulheres, pois ele se descreve como um « débauché pauvre », e a comparação com as prostitutas é ainda mais surpreendente porque o ato amoroso é comparado ao ato, absolutamente banal, de espremer uma laranja, além de tudo, velha: « un plaisir clandestin / Que nous pressons bien fort comme une vieille orange ». Como não ver nesta comparação o riso baudelairiano, um riso demoníaco, de escárnio?
O isolamento do eu lírico de Lamartine se transforma num “monstro”, num “vício”, dos mais horrendos, capaz de “transformar a terra num escombro” (“de la terre un débris”). Poderíamos estar diante de uma simples oposição entre uma poesia que sonha com o ideal moral católico, com uma redenção no paraíso celestial e uma outra poesia que denuncia a miséria humana, a corrupção do pecado, as tentações e vícios satânicos que fazem dos homens entediados e sem fé, as vítimas de predileção do diabo. Mas vemos que Baudelaire não faz do tédio apenas o vício mais terrível de todos, ele é também ironizado, pois aparece como um “monstro delicado”. Um momento que, seus leitores, conhecem bem. O tédio não é mais uma tristeza ou um sentimento de solidão, ele não é mais o sentimento sereno do homem devoto que espera pelo paraíso, o tédio é na verdade, como o prazer que se busca para fugir dele, banal, uma quimera, uma futilidade, uma extravagância sem graves consequências que leva pequenas burguesas de província, como Madame Bovary, a traírem seus modestos maridos, nada mais.
Poeta maldito ou poeta abençoado?
No segundo poema de Méditations Lamartine se endereça a Lord Byron e o convida a abandonar o satanismo para como ele cantar e glorificar Deus « éternelle raison suprême, suprême volonté »: « Byron, viens en tirer des torrents d’harmonie » car « C’est pour la vérité que Dieu fit le génie ». Aqui harmonia rima como gênio, como poesia rima com religião, e Deus rima com verdade.
O segundo poema de “Les Fleurs du Mal” tem coincidentemente ou não, exatamente a mesma temática. Seu título é « Bénédiction ». Mas aqui o poeta é maldito pela sua mãe e pela sua mulher. Para a primeira um filho poeta é motivo de revolta contra a vontade divina, a mãe se sente amaldiçoada por Deus ao ter gerado em seu ventre um poeta. Sua mulher ameaça se prostituir, já que o poeta a adora e idolatra, ela ameaça exercer o métier « des idoles antiques » para « usurper en riant les hommages divins » dos corações que a admiram. A ironia do poema está justamente na devoção com a qual o poeta se entrega aos desígnios divinos apesar da infelicidade que seu dom gera ao seu redor. Baudelaire ironiza o sacrifício do poeta e dos fiéis que suportam as mais duras provações com a promessa de um “além” e suas santas voluptuosidades.
‒ Soyez béni, mon Dieu, qui donnez la souffrance
Comme un divin remède à nos impuretés
Et comme la meilleure et la plus pure essence
Qui prépare les forts aux saintes voluptés !
« Je sais que vous gardez une place au Poète
Dans les rangs bienheureux de saintes Légions,
Et que vous l’invitez à l’éternelle fête
Des Trônes, des Vertus, de Dominations.
« Je sais que la douleur est la noblesse unique
Où ne mordront jamais la terre et les enfers,
Et qu’il fut pour tresser ma couronne mystique
Imposer tous les temps et tous les univers. (BAUDELAIRE, 1985, p. 105)
O poeta cego na sua fé, apesar de ser tido pela sua própria mãe como um « monstre rabougri », a quem ela dirige toda sua ira, definindo-o como um “instrumento maldito” de todas as “maldades” chegando inclusive a envenená-lo, e apesar de uma esposa que se prostitui, ainda insiste em acreditar-se um enviado de Deus; ainda insiste em acreditar que seu sofrimento é na verdade o signo da recompensa futura, celeste, para qual ele foi destinado. Ao mesmo tempo em que Baudelaire radicaliza o sofrimento terrestre do poeta, envenenado pela própria mãe, ele exagera e ridiculariza seus traços de doçura e inocência. O poeta é descrito como uma criança que conversa com as nuvens, brinca com o vento e se embriaga cantando ao lado e no caminho da cruz.
Ao tratar o dom poético como uma benção e ao mesmo tempo, como uma maldição; ao caracterizar o poeta como um monstro indecente e maldoso, mas também como uma criança inocente vítima da maldade de sua própria família, Baudelaire, (no mínimo), coloca em questão o papel do poeta na sociedade, seu lugar nos “desígnios divinos” e sua “missão terrestre”.
Se no primeiro poema que vimos o poeta procura denunciar a hipocrisia do devoto pecador que pede clemência, preso no ciclo infernal do pecado-remorso-redenção; Se ele procura denunciar estes burgueses entediados que sem acreditar no amor procuram prazer nos braços de uma prostituta, como se o prazer remediasse o tédio, os remorsos eliminassem a culpa e as lagrimas pudessem garantir a redenção; aqui, trata-se de ridicularizar o que Bénichou entende pelo “sacre du poète”, e a lógica segundo a qual quanto maior o sofrimento, maior a glória no “além”.
Os burgueses hipócritas se deixam corroer pelo remorso e pela culpa, martirizando-se, condenados a um prazer efêmero e banal, hipócritas que o ideal condenou ao tédio, vítimas de um amor ideal que é na verdade, um prazer, pago, comprado. É neste contexto que o poeta, como as prostitutas, pode ser tomado como um mártir, escolhido por Deus para sofrer na terra com a incompreensão e maldade dos outros homens, cego entre os cegos, procurando no céu remédio para as impurezas que o cercam.
Ao inverter os valores românticos, dramatizando o sofrimento do poeta, ridicularizando sua inocência, Baudelaire faz mais do que expor a hipocrisia de seus contemporâneos, ele torna cômica e derrisória toda fé que nega a vida em nome de um ideal abstrato, vago, que se transforma inevitavelmente em comércio. Ora, que maneira melhor Baudelaire poderia ter elegido para expor a hipocrisia de seus leitores que mostrando-lhes a fragilidade de sua fé, o caráter ridículo de suas preces, a insignificância de seus prazeres e a irrelevância de seus remorsos? Que outra maneira para ironizar o “sacre de l’écrivain” que expondo o contrassenso entre os ideais religiosos e a verdadeira condição dos poetas? Que outra maneira, além da ironia, do riso, do escárnio, poderia ser tão eficaz para demolir um cliché que teimava em se perpetuar agora mais do que nunca, sob o Império de Napoleão III?
Uma vez que o poeta não é mais capaz de sonhar com um ideal que lhe trará conforto, preso a miséria terrestre e manipulado pelo demônio, não seria o tédio simples quimera, e o remorso pura hipocrisia? Não seria o tédio terrestre um sentimento criado pela própria fé religiosa, um sentimento que decorre deste imaginário que vimos em obra em Lamartine, que faz o homem almejar um ideal além de sua natureza humana, demasiado humana?
Se Benjamin tem razão ao dizer que a poesia de Baudelaire coloca a possibilidade da poesia lírica em questão, se a poesia baudelairiana coloca realmente em questão a possibilidade mesma de uma expressão subjetiva, isto se deve, sobretudo ao desgaste provocado por décadas de poesia religiosa na gramática dos afetos sociais. Assim, na agressividade de Baudelaire devemos ler uma tentativa desesperada para eliminar do seu tempo a gramática afetiva da religião que predeterminava e limitava toda a experiência possível.
Ironizando este ideal do “sacre de l’écrivain”, segundo a qual o “ministério espiritual do poeta” seria a verdadeira “alma da poesia moderna”, Baudelaire denuncia a falência da tradição religiosa, assim como do modelo politico conservador, através dos ideais românticos que lhe serviram de esteio no campo da cultura. Baudelaire utiliza o riso, a ironia, se faz hipócrita como os burgueses de seu tempo para colocar em evidência o desgaste da poética romântica. Para ele os ideais românticos são fonte inesgotável de tédio, pois não passam de clichés gastos e sem expressividade alguma. Na poesia de Baudelaire o romantismo encontra seu crepúsculo, seus ideais aparecem em estado de putrefação, como amores mortos, nada além de “uma carniça”.
Deus, o diabo e as mulheres
É justamente nos poemas de temática “amorosa” que Baudelaire destila todo seu veneno contra os ideais românticos. Observemos, por exemplo, o poema « Je t’adore à l’égal de la voûte nocturne » (XXIV).
Je t’adore à l’égal de la voûte nocturne,
Ô vase de tristesse, ô grande taciturne,
Et t’aime d’autant plus, belle que tu me fuis,
Et que tu me parais, ornement de mes nuits,
Plus ironiquement accumuler les lieues
Qui séparent mes bras des immensités bleues. (BAUDELAIRE, 1985, p. 161)
A evocação da mulher amada adorada contrasta com os adjetivos empregados pelo poeta para descrevê-la. O eu-lírico comparada sua amada a um “vaso”, poderia ele ter sido mais cruel e irônico? A mulher é aqui reduzida ao estatuto de um objeto de decoração. Em seguida, ele a qualifica de “grande taciturna”. Uma mulher triste, portanto, taciturna, como uma espécie de zumbi, uma morta-viva, que aparece sempre a noite, para “ornamentar” o poema. A mulher está, portanto, longe de uma imagem idealizada, ela é reduzida a um objeto de decoração, um ornamento do poema, um artifício.
Nos seus Estudos sobre Poe Baudelaire (1976, p. 272) comenta a « ivrognerie littéraire », ou a boêmia, como um fenômeno recente na história na literatura, consequência da “transformação dos costumes, que fez do mundo letrado uma classe a parte”. O poeta se indaga sobre esta questão a partir justamente da relação entre homens e mulheres que “devido à sua educação informe, sua incompetência política e literária, impedem muitos autores de vê-las como outra coisa além de utensílios domésticos ou objetos de luxúria”. Eis o estado a que se reduz a mulher neste poema, ela é um mero “utensilio doméstico” decorativo, na sequência do poema ela se tornará objeto de luxúria.
O poeta se pergunta se “não é irônico que seu amor aumente com a distância que o separa de sua amada”. Não é irônico que o eu se sinta cada vez mais apaixonado à medida que se sente cada vez mais distante de seu ideal, cada vez mais incapaz de ter em seus braços as « imensidões azuis »? Eis que a mulher adquire seu estatuto ideal, ironicamente distante porque idealizada. Ela é inacessível, comparada com o “azur”, ou “Ideal”. No momento em que ela é colocada neste lugar ideal é o lugar da “mulher” no imaginário romântico, ocorre o seu rebaixamento, o ataque certeiro dos versos/vermes baudelairianos:
Je m’avance à l’attaque, et je grimpe aux assauts,
Comme après un cadavre un chœur des vermisseaux,
Et je chéris, ô bête implacable et cruelle !
Jusqu’à cette froideur par où tu m’es plus belle ! (BAUDELAIRE, 1985, p. 161)
O eu-lírico avança na direção da mulher e a ataca. Este ataque é dirigido contra a mulher ideal, comparada às “imensidões azuis”, que se torna agora uma “besta”, um animal, uma “presa”, um cadáver. O poeta é comparado a um “coro de vermes” que profana o corpo inerte da mulher idealizada e “querida” por poetas românticos de várias gerações.
Para Vaillant (2007, p. 121) o alvo de Baudelaire seria a frigidez feminina, « Il faut sans doute entendre que la femme (…) donne l’illusion par son ironie de se mettre à des lieus de distance de son partenaire : l’ironie qualifie l’effet de distanciation – donc de « centralisation » – induit pas l’indifférence. » A ironia aqui é a da mulher que frígida se distancia do poeta, é indiferente à ele, e ao seu desejo.
Mas poderíamos ir muito mais longe nesta interpretação. Devemos nos perguntar: Contra quem Baudelaire dirige sua ironia? Quem é esta mulher fria e ideal? Talvez não se trata de uma mulher “frígida” que, sendo ironicamente fria, “dá a ilusão” de estar distante do eu-lírico. Aqui, a mulher é justamente distante porque é uma ilusão, um ideal de pureza, candidez e brancura, uma bela imagem poética e católica, um objeto decorativo, um capricho. A ironia em questão não é a da mulher frígida, mas sim aquela que faz com que o amor doeu-lírico aumente com a distância que o separa de seu objeto de desejo. É como se Baudelaire se perguntasse, “não é irônico, e cômico, tantos poetas cantando amores impossíveis, cantando amores que existem apenas em sua imaginação, amores ideais, idealizados, justamente pela distância que separa os amantes”? Esta frieza é na verdade, não a de uma mulher irônica ou frígida, mas a de uma mulher morta, de um ideal feminino romântico que Baudelaire transforma num cadáver em putrefação, que ele ataca como um verme com seus versos.
Esta mulher que para o crítico Vaillant é a mulher-frigida é na verdade a mulher idealizada pelo primeiro romantismo que é identificada com a própria virgem Maria. Tomemos, por exemplo, o poema de Victor Hugo « À toi » presente na antologia Odes et ballades de 1828, portanto, do primeiro livro do autor, marcado pelo imaginário católico, e pelo conservadorismo político, do jovem e monarquista Victor Hugo.
Este poema foi escrito em comemoração a festa da Virgem, “o dia mais sagrado de todos”. O eu-lírico relembra sua infância, que em Victor Hugo, rima evidentemente com inocência, ignorância e esperança. Em sua infância inocente e pura o eu-lírico via apenas a virgem no céu, « belle et pure », aquela que deveria com ele compartilhar uma felicidade sem fim. Mas este tempo passou, hoje, « le malheur s’est levé », o poeta « orphelin », « sans les pleurs de sa bien-aimé » segue sozinho, « il est chez le vivants comme une lampe éteinte ».
A Virgem « bela e pura » é também a bem amada do poeta, ela é também, evidentemente, a sua mãe. Ao longo do poema a Virgem adquire cada vez mais traços humanos. O eu-lírico clama para que ela embeleze sua vida com seu sorriso, pois “A maior felicidade ainda está no amor” e a convida a experimentar “um casto casamento”. Finalmente, ele pede que ela venha para seus braços sem temor, pois “teu esposo não quer que sua glória/ prejudique sua felicidade”. O poema termina com o eu se dirigindo à mulher amada/ a Virgem e declarando que ela arrependeria, que gemeria caso negasse uma união com “aquele que morreu sem reclamar,/ E que [a] amava com tanto amor!”
Aqui, vemos que a mulher fetiche dos românticos é ainda mais adorada quanto mais se assemelha a Virgem Maria, quanto mais distante, portanto, está do poeta, que vê o seu amor ainda aumentado pela possibilidade de uma união casta e pura com essa mulher idealizada. Esta ideal de amor e de mulher, construído a partir do imaginário católico será explorado por Baudelaire em todos seus contornos e desdobramentos. Esta mulher casta será identificada com uma “taciturna”, um “vaso de tristeza”, enfim uma morta – um cadáver – que o poeta ataca e devora como um verme, com o único intuito de ironizar, desmascarar e rir de uma poética católica que negava a vida e seus prazeres materiais em nome da salvação extraterrena, da felicidade casta, da “voluptuosidade santa” no paraíso celestial.
Tomemos os versos finais do grande poema de Lamartine “Le lac”:
Que le vent qui gémit, le roseau qui soupire,
Que les parfums légers de ton air embaumé,
Que tout ce qu’on entend, l’on voit ou l’on respire,
Tout dise : Ils ont aimé ! (LAMARTINE, 1981, p. 66)
Vejamos agora os últimos versos do célebre “À une charogne”. Aqui, o eu-lírico se dirige a sua amada, perguntando-lhe se ela se recorda da carniça que viram num dia de passeio. Os últimos versos do poema são estes:
― Et pourtant vous serez semblable à cette ordure,
A cette horrible infection,
Étoile de mes yeux, soleil de ma nature,
Vous, mon ange et ma passion ! (BAUDELAIRE, 1985, p. 173)
Se o eu-lírico de Lamartine pode convocar toda a natureza para testemunhar a garantir a verdade do seu amor, um amor passado e talvez por isso mesmo, ironicamente, mais belo, mais perfeito que qualquer amor real; o eu-lírico do poema baudelairiano vê em seus amores mortos, apenas matéria em decomposição. Não recorre à natureza para rememorar, não vê nela o espelho da grandiosidade e do caráter sublime de seus sentimentos. Seus amores passados estão “decompostos” ou “em decomposição”, são amores mortos, carniça. Sua materialidade e concretude, seu caráter real, é também responsável pelo seu caráter grotesco, como se tudo o que contrasta com o ideal puro só pudesse ser aquilo que o homem tem de mais repugnante, seu próprio corpo.
Vemos que a trajetória do primeiro poema “Je t’adore à l’égal de la voûte nocturne” onde a mulher é idealizada e em seguida, rebaixada ao estatuto de cadáver é a mesma trajetória que se realiza quando comparamos o poema de Lamartine ao poema de Baudelaire. Isto deixa claro que o alvo da ironia baudelairiana era justamente a poesia do primeiro romantismo. Como se esta mulher fria, fosse não somente o indício da impossibilidade de se alçar este ideal de amor puro, esta mulher que na verdade é um cadáver, simboliza aqui a morte do ideal romântico. Ao transformar um ideal de amor num corpo inerte e em decomposição Baudelaire ataca estes ideais literalmente como o verme do poema, e procura mostrar que o que está verdadeiramente em estado de putrefação neste momento da história são os ideais românticos de pureza e castidade, os ideais católicos que asseguram a manutenção de um imperador que usurpou o poder que lhe foi concedido “democraticamente”.
Assim, ao rebaixar este ideal é todo o imaginário do romantismo que Baudelaire procura ironizar. A mulher pálida e casta só poderia ser um cadáver. A negação da realização amorosa, a insistência romântica em manter o amor sempre casto ou impossível, contribui certamente para a afirmação do amor, como um ideal, que não encontra lugar sobre a terra, mas para Baudelaire essa negação da vida, este ascetismo católico não passa de uma abstração vã, fora de moda, de uma ideologia em ruínas, que insiste em se perpetuar.
Por isso o alvo de Baudelaire não é simplesmente a mulher-frígida, mas sim todo um imaginário poético, que buscou sua inspiração na religião católica como forma de garantir a estabilidade que uma França pós-revolucionário desejava. De uma poesia que buscou na religião o esteio para assegurar o restabelecimento do poder monárquico, que fez do sentimento a grande bandeira contra o “racionalismo”, que negou o pensamento filosófico responsável por uma Revolução que os contrarrevolucionários gostariam de apagar da história de seu país. Baudelaire procura colocar em evidência o estado de ruínas no qual se encontra o imaginário romântico, incapaz de dar conta da experiência subjetiva de seu tempo e responsável pela invenção de clichês que ainda assombram a indústria cultural.
Mas, afinal, porque o diabo?
Julles Vallès, crítico literário e jornalista contemporâneo de Baudelaire. Escreveu, no momento da morte do poeta, no jornal La rue, a seguinte crítica:
Il y avait en lui du prête, de la vieille femme et du cabotin. C’était surtout un cabotin. (…)
Satan, c’était ce diablotin, démodé, fini, qu’il s’était imposé la tâche de chanter, d’adorer et de bénir ! Pourquoi donc ? Pourquoi le diable plutôt que le bon Dieu ? C’est que, voyez-vous, ce fanfaron d’immortalité, il était au fond un religiosâtre, point un sceptique ; il n’était pas un démolisseur, mais un croyant ; il n’était que le niam-niam d’un mysticisme bêtasse et triste, où les anges avaient des ailes de chauve-souris avec des faces de catin ; voilà tout ce qu’il avait inventé pour nous étonner, ce Jeune France trop vieux, ce libre penseur gamin. (VALLES, In : BAUDELAIRE, 1975, p. 971-973)
Esta crítica é muito importante, pois além de nos mostrar que o satanismo, em meados do século XIX não tinha nada de chocante, pelo contrário, não passava de um lugar-comum desgastado da poesia francesa, ainda evidencia que a pior acusação que poderia ser feita a um poeta neste período era justamente compará-lo aos poetas católicos do começo do século, os “jeune france”, afinal aqui o crítico, para desqualificar a poesia baudelairiana, lhe atribui total ausência de originalidade justamente devido ao seu caráter “religioso”. Valles procura neutralizar a ironia baudelariana atribuindo-lhe a crença que o poeta tanto se esforçava para ironizar.
A questão que Valles nos coloca é, portanto, de saber por que, mesmo sabendo que o satanismo já estava fora de moda em seu tempo, Baudelaire insiste, apesar deste fato, em utilizar esta temática em sua poesia. O que Valles também deixa claro é que o recurso ao satanismo não tinha como intuito o choque, já que se tratava de um clichê, e, portanto, a agressividade da poesia baudelairiana não era gratuita, não se resumia a uma simples extravagância que visava a deixar perplexo o burguês ou assustar moças inocentes.
Em seu Baudelaire Sartre afirma que o poeta faz o Mal de maneira consciente, e justamente por ter consciência do mal que ele praticava, afirma na verdade, sua adesão ao Bem. Para Sartre ao querer fazer o contrário do Bem Baudelaire afirma e conserva a ordem que ele pretende negar. Sartre estaria coberto de razão se Baudelaire, em sua poesia, afirmasse simplesmente uma adesão ao Mal sem ironizar a ordem social da qual ele depende. O que Baudelaire procura ao ironizar os ideais românticos, é evidenciar a falência moral de seu tempo expondo suas contradições, demonstrando o caráter hipócrita desta moral que clama por redenção, nega a vida e se mantém pregando ideais ascéticos. A ironia que permite ultrapassar a dicotomia entre o Bem e o Mal só é possível a partir da reivindicação de autonomia da poesia que, no século XIX significa desobrigação com relação à moral: “Eu digo que se um poeta persegue um objetivo moral, ele diminuirá a força de sua poesia, não é imprudente apostar que sua obra será ruim. A poesia não pode, sob pena de morte, se assimilar à ciência ou a moral; ela não tem a verdade por objeto, ela só tem a si mesma” (BAUDELAIRE, 1976, p. 628)
Esta independência da arte com relação à moral nos permite justamente pensar a moral, como Nietzsche também pretendia, como ficção. No Salão de 1859, capítulo cinco, intitulado, “Religião, história, fantasia” Baudelaire anuncia como devemos compreender a moral presente numa obra de arte: “Digo, portanto simplesmente que a religião, é a mais elevada forma de ficção do espírito humano (eu falo propositadamente, como falaria um professor ateu de belas artes, e nada deve ser concluído contra a minha fé).” (BAUDELAIRE, 1976, p. 628).
Em seguida, ele explica que o poeta ou os artistas em geral, são atores “acreditam na realidade do que representam, porque são acalentados pela necessidade”, por isso, a arte é o único domínio onde o homem pode dizer “eu acredito se quiser, se eu não quiser, eu não acreditarei”. (BAUDELAIRE, 1976, p. 629)
A ironia de Baudelaire expõe o estado de putrefação dos ideais do primeiro romantismo. Ela abre uma fissura entre o real e o ideal, entre o conjunto das ideias românticas a realidade cotidiana, que o poeta assim como seus leitores hipócritas conhecem bem. A ironia denuncia a distância entre o ideal e o real, e instaura uma desconfiança com relação a esses ideais, que parecem ironicamente cada vez mais puros quando comparados à imundice e miséria do mundo prostituído no qual o poeta parece diabolicamente mergulhado. O que Baudelaire quer não é simplesmente chocar seus leitores, mas levá-los a desconfiar de um imaginário literário que os faz viver inexoravelmente na mentira. A ironia de Baudelaire nos leva a desconfiar do poeta, pois ela nos lembra que antes de qualquer coisa, estamos diante de uma mera aparência. A ironia nos ensina a desconfiar dos cantos das sereias, pois o poeta pode ser um hipócrita, um mentiroso. Se anunciando como tal o poeta nos torna imune a toda mistificação. Através da ironia a arte se mostra como o que ela realmente é: ficção. Assim, ela não nos leva a crer ou gozar de sua beleza, mas a duvidar.
E assim a ironia baudelairiana começa a desvelar sua veia cômica O próprio Baudelaire nos deixou um tratado sobre a essência do riso, um artigo que atesta a importância da questão em sua obra, uma questão que o poeta confessa ter se tornado “uma obsessão”. Ele tem como título « De l’essence du rire et généralement du comique dans les arts plastiques ».
Neste texto Baudelaire define o riso a partir de sua dimensão diabólica como contrário às disposições dos sábios, (o sábio ri tremendo) entenda-se aqui, por exemplo, Virgine, o sábio, como a moça casta do romance preferido de Madame Bovary, é incapaz de rir.
Por outro lado, o riso é próprio dos espíritos superiores, ele implica uma certa superioridade do homem que ri em relação ao que provoca o seu riso. Por isso, o riso demonstra a insignificância do que nos faz rir, ele denigre, rebaixa, desqualifica. Mas o riso é também o resultado da própria insignificância humana. Ele se situa entre estes dois extremos, entre a grandeza divina e a baixeza animal. Esta oscilação é que nos faz rir, rimos das nossas pretensões de grandeza assim como da nossa mediocridade. Rindo, Baudelaire não apenas instaura uma desconfiança com relação ao sistema de valores de seu tempo, expondo suas contradições, como procura dissolvê-las. O riso desvela a incoerência de um edifício moral em ruínas.
Desprendida de toda e qualquer obrigação moral, a poesia assume seu caráter fictício, artificial, irresponsável e extravagante. Rindo, Baudelaire se desvencilha do peso que a religião, a metafísica e o misticismo impõem à poesia de seu tempo. A extravagância, o dandismo de Baudelaire são as figuras através das quais o poeta reivindica sua liberdade de criação e sua autonomia, elas são também inevitavelmente, e por essa razão, os meios através dos quais sua poesia pode se tornar crítica.
Com Baudelaire a poesia se desprende das antigas formas de expressão da subjetividade e da gramática religiosa dos afetos, (que mantém as relações amorosas enclausuradas pelas oposições entre amor/sexo, corpo/alma, ideal/ spleen, pecado/redenção etc.) ela se desprende dos jogos de poder entre submissão e dominação, se libera de toda obrigação moral (se desliga do Bem como do Mal, de Deus como do diabo). Um passo decisivo na configuração de uma arte moderna, autônoma, que não pretende ensinar, educar ou oferecer redenção. A afirmação da autonomia da poesia em relação à moral de seu tempo é a condição necessária para que ironia e o riso se tornem elementos fundamentais de uma crítica social e política.
Referências bibliográficas
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______________Flores do mal. Trad: Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
BENICHOU, P. Romantisme français I. Le sacre de l’écrivain. Gallimard, 2004
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OEHLER, Dolf. Le spleen contre l’oubli. Juin 1848. Paris : Payot, 1996.
VAILLANT, A. Baudelaire, poète comique. Rennes : Presses universitaires de Rennes, 2007.
SARTRE, J-P. Baudelaire. Paris : Gallimard, 1975, p. 56.
VALLES, J ; « Charles Baudelaire », La rue, 7 septembre 1867, IN : BAUDELAIRE, Œuvres complètes, t. I, Paris : Gallimard, 1975.
[1] As traduções são da autora.