Yao Feng, 19/10/2008
1, Em nome de Macau
Organizada pelo professor reformado da Universidade de Macau Li Guanding, a Antologia de Poesia Contemporânea de Macau foi editada pela Fundação de Macau em 2007. Dividida em dois volumes e editada em chinês, a antologia reúne, no total, 130 poemas da autoria de 32 poetas, entre os quais não figura, porém, nenhum poeta macaense ou português que resida em Macau. Na introdução assinada pelo organizador, não foi esclarecido o critério de selecção dos poetas nem a razão de omissão dos poetas macaenses e portugueses.
Lembre-se que, em 1996, a Fundação de Macau havia editado a Antologia de Novos Poemas de Macau, organizada pelo poeta Zheng Weiming. Esta antologia, embora organizada em nome de Macau, ignorou igualmente os poetas portugueses. No entanto, na introdução o organizador, para além de fazer uma retrospectiva sobre o desenvolvimento da poesia de expressão chinesa desde a década de vinte até à de noventa, explicou o conceito de Nova Poesia com que titulou a antologia: 1) Poemas de estilo moderno escritos em chinês por pessoas de Macau; 2) Tem Macau como temática[a();1]. Foi uma selecta virada exclusivamente para os poetas que escrevem em chinês. Contudo, Zheng Weiming fez uma definição sobre “ a pessoa de Macau” desde a perspectiva dos estudos literários, adiantando que qualquer pessoa, caso tenha vivido em Macau durante algum tempo, já se considera “pessoa de Macau”[a();2]. È um critério bastante tolerante que serve da base para a sua definição da literatura de Macau:
“1, Quaisquer obras dos naturais de Macau; as chamadas obras dos naturais de Macau. Implicam os trabalhos de autores que nasçam, cresçam, e residam permanente em Macau, isto é, as obras dos escritores titulares dos documentos de identidade tidos em Macau, ou melhor dizendo, as obras produzidas em Macau pelos autores acima referidos.
2, Todas as obras que falem de Macau ou tenham por temas a realidade de Macau, seja quem for o seu autor.”[a();3]
Esta definição, embora seja abrangente, especialmente no segundo ponto, corre o risco de não definir nada ou “optando-se assim pelo critério cumulativo”[a();4], nas palavras de Ana Paula Laborinho. Existe uma literatura de Macau e uma literatura sobre Macau mas o critério de Zheng Weiming tornou a literatura de Macau demasiado aberta que poderia integrar muitos nomes, tais com como W. J. Audem, Miguel Torga, Agustina Bessa Luís ou João Aguiar, pelas suas obras que têm Macau como tema.
A hibridez de diferentes culturas tornou difícil a definição da literatura de Macau. Ao meu ver, não interessa como definir esta literatura visto que culturalmente Macau não é uma terra autónoma nem independente, sendo a sua cultura sempre de matriz chinesa ou portuguesa. Pode considerar-se que autores que nasçam, cresçam, e residam permanente em Macau como escritores de Macau conforme a definição geográfica, mas no fundo eles são escritores chineses, portugueses, ingleses ou franceses dependente da sua pertença cultural. Em função desta definição, Henrique Senna Fernandes pode ser classificado em vários níveis: escritor de Macau a nível geográfico, escritor macaense a nível antropológico e escritor português a nível cultura.
Do exposto, podemos ver que para identificar um escritor é necessário considerar a sua pertença cultural. Assim sendo, muitos escritores possuem duplos estatutos: são considerados escritores de Macau mas, simultaneamente portugueses ou chineses, tendo em conta a sua pertença cultural. Não é justificável e torna-se absurdo integrar, de modo linear, nos escritores de Macau os nomes tais como Miguel Torga ou João Aguiar apesar das suas obras se basearem na temática de Macau.
Três anos depois da publicação da antologia organizada por Zheng Weiming, saiu a público a Antologia de Poetas de Macau, cuja selecção e organização esteve a cargo de Jorge Arrimar e Yao Jingming, dois poetas não nativos. Sendo uma edição em bilingue da responsabilidade de três instituições (Instituto Camões, Instituto Cultural de Macau e Instituto Português do Oriente), esta antologia, também redigida em nome de Macau, reúne vinte poetas de cada língua – a chinesa e a portuguesa. No que diz respeito ao critério de selecção, os organizadores defendem que “um dos critérios seguidos na selecção dos poetas foi a da residência em Macau. Entendeu-se que um dos factores que identifica um poeta com sendo de Macau, tinha a ver com a sua permanência nesta terra, por, pelos menos, alguns anos. Não foram tidos em conta, poetas que, pese embora terem produzido poesia de boa qualidade, apenas haviam passados por aqui de forma fugaz.”[a();5]. À luz do espírito de abertura e tolerância, este trabalho não ignorou os poetas que eles achavam qualificados, tanto chineses como portugueses, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento mútuo dos poetas chineses e portugueses. Até ao presente, é a única antologia verdadeiramente feita em nome de Macau.
Nas actividades de promoção cultural ou turística, diz-se sempre que se Macau caracteriza pela fusão de diferentes culturas, o que se tornou uma etiqueta mais atraente desta cidade. No entanto, as culturas, embora convivam basicamente em harmonia e sem violentos conflitos, nunca conheceram uma convergência essencial e profunda . Esta situação de desentendimento parece bem descrita por um provérbio cantonense: o pato não se entende com a galinha. Mesmo hoje em dia, não é exagerado dizer que Macau continua a ser uma cidade dentro das “duas cidades distintas mas que não são fáceis de separar e que correspondem a duas almas, a duas vidas, a duas civilizações – a de Portugal e a da China”,[a();6] como descreve o escritor Jorge de Inso sobre Macau do século XIX.
Provavelmente era esta vontade morna de conhecer o outro que levou o organizador da Antologia de Poesia Contemporânea de Macau a ignorar os poetas que escrevem em português. No entanto, é igualmente justo indicar que depois da transferência da soberania de Macau para a China, muitos portugueses regressaram a Portugal, deixando uma grande lacuna na criação literária em português.
2,Esquecer ou memorizar, num gesto de despedida
No processo de descolonização no mundo, o caso de Hong Kong e de Macau constitui um exemplo excepcional uma vez que o princípio de “Um país dois sistemas ” garante manter intactos o sistema social e o modo da vida destes territórios. A passagem do poder ocorreu em conformidade com os acordos assinados pelas duas partes sem provocar lutas ou conflitos sangrento, que não pouparam outras colónias. Estes são, pois casos únicos no âmbito mundial. Entretanto, mesmo com as garantias previstas na Lei Básica, tanto em Hong Kong como em Macau reinava um ambiente de incerteza em relação ao futuro durante o período de transição. Diferentemente de Hong Kong, em Macau era a comunidade macaense que traduzia esta incerteza face a um futuro incógnito, com receio de perder os privilégios étnicos de que gozavam durante a administração portuguesa, enquanto que os chineses, que na sua absoluta maioria se encontravam em condição marginal, aguardavam por esse momento histórico com esperança.
Mas nem todos os chineses o aguardam com um patriotismo superficial. É curioso verificar que os dois poetas na antologia optaram pelo mesmo tempo e pelo mesmo espaço para se despedirem da página histórica a ser virada. O Hotel Bela Vista, lugar carregado do forte valor metafórico e simbólico, não foi escolhido por acaso como uma referência poética. No seu poema intitulado Uma tarde no Hotel Bela Vista, Huang Wenhui, poeta distinguido da geração dos poetas que surgiram nos anos noventa, expressou, num discurso irónico, um complexo sentimento. Fazendo um resumo da história em que Macau é personalizada como uma mulher de idade com “os seios murchos” , não se esquece de avivar a memória da humilhação:
E as marcas dos dentes, rentes aos seus seios murchos
tais como um complexo mapa mundial do século XIX
onde as cicatrizes sangrentas
delimitam as fronteiras [a();7]
De facto, a história de Macau como colónia serve do tema constante para a expressão poética em chinês na qual é lugar-comum comparar Macau a um filho humilhado e afastado do berço da Pátria-mãe. Huang Wenhui não escapou a este lugar-comum, embora a imagem da mulher com os seios murchos seja original. Então, não há outra forma de lidar com essa história desagradável senão esquecê-la. O acto de esquecer significa um gesto de despedida, com receio do destino de “outro copo vazio”:
Tempo para a despedida
Tempo para o esquecimento
Pergunte se as facas deitadas na toalha branca
ainda guardam impressões digitais de alguém
se a cinza na grandiosa lareira ainda se lembra
de uma paixão acesa
os suspiro, soltados à altura da despedida
não passam de arrotes a nutrir o esquecimento
Temos que tomar conta do palpitar bêbado
que se destina a outro copo vazioEntão acenamos a toalha surpreendida no pescoço
como uma despedida do fim do século vinte
da pós-colonização
da pós-transição
desta vista que deixa de ser Bela Vista
e depois esquecemos tudo
e depois limpamos espuma restante no canto da boca
erguendo o copo para um brinde
para receber o novo banquete do povo
no novo século[a();8]
Ao lado de Wang Wenhui, Lin Yufeng escolheu igualmente o Hotel Bela Vista para despedir-se do passado mas prefere “guardar esta noite”. No poema intitulado Última Noite no Hotel Bela Vista, encenou uma cena em que um par clandestino fez um jantar para se despedirem e decidiu fazer amor para memorizarem a noite de despedida:
Não há hoje nem amanhã
Não há lágrimas nem é preciso dizer adeus
e a vida tem que começar pelo fado a tremer no banquete de despedida
Quando a canção ainda não chegou ao fim
o par clandestino já tinha esgotado o vinho no copo
trocando um olhar vermelho
Para guardar esta noite
temos de fazer amor debaixo do oleandro
como se fosse uma cena do velho filme sobre amor e guerra
A história pode realizar-se assim
tal como um ciclo infindável de invasão e evacuação
Assim, foram retiradas a seriedade e a solenidade a um momento histórico reduzindo os meandros da história ao namorisco inconsequente dum par clandestino. E a consciência de “não há hoje nem amanhã”tornou o tempo numa dimensão intemporal ou condenou tanto o passado e como o futuro a um nada. No fundo nada é alterável porque tudo é fatídico. Mesmo a história, cheia de cenas medíocres do amor, não deixa de pertencer a um ciclo infindável. Mas a história foi sempre impulsionada pela vontade insaciável do ser humano, cujos truques não escapam aos olhos do Velho da História:
Vim duma cidade como esta
Quando vim
o século XX está a findar
na cidade profunda
Com flash e objectiva, a insaciável vontade
encena uma cena trás outra em que lágrimas se despedem de lágrimas
Só o farol não diz nada com o único olho arregalado
porque já sabe tudo
tudo não passa de truques para eles ganharem a vida[a();9]
3, Nada de sério poderá aqui acontecer?
Na criação literária em expressão chinesa, a poesia e a crónica são as duas modalidades mais dinâmicas em comparação com outras. Depois da transferência, alguns dos poetas foram desaparecendo do horizonte, sendo que uns emigraram para o estrangeiro e outros deixaram de escrever devido a diversos factores, especialmente esgotados na inspiração. Entre esses poetas da velha geração, apenas Yi Ling continua activa e dinâmica apesar da atitude reservadora face à vida social. Trata-se de uma das vozes mais corajosas moldando o seu discurso poético com uma profunda consciência de intervenção social. Como cidadã residente em Macau e portadora do bilhete de identidade de Hong Kong, Yin Lin já expressou no livro de poesia Ilha Móvel, editadoem 1990, a dificuldade de identificar-se com uma terra dentro da terra própria. Neste perplexidade, a relação entre eu e o país é mediada mais por aqueles valores universais do que pela cegueira do patriotismo. Como chinesa, não lhe custa identificar-se com a cultura chinesa mas ela não consegue identificar-se com um regime ainda menos democrático, o que lhe atribuiu uma postura dissidente que subsiste sob muita pressão numa sociedade conservadora como Macau. Então o que é aquele lugar a que poderá pertencer de corpo e de alma? Escreve ela:
Percebes o que é o destino de repouso?
É onde a vida começa e acaba
É onde se nutrem o pensamento e o sentimento
É onde se guardam o desejo e a gratidão
É um lugar inexistente no mapa frio
mas sim é guardado quente no fundo da tua coração[a();10]
A transferência da soberania de Macau para a China deu aos chineses a sensação de serem senhores desta terra. Eles aguardavam com confiança e esperança um futuro novo à luz do princípio de “Um país dois sistemas” e de “Macau é governada pela gente de Macau”. Entretanto, uma série de escândalos levou a população a ficar profundamente desiludida com o governo da RAEM, tendo provocado incessantes protestos e manifestações. Não se duvida que em Macau há mais espaço para a liberdade de expressão em comparação com outras partes da China continental, mas ainda não foi constituída uma sociedade cívica amadurecida, habituada e tolerável à oposição e à voz crítica. Daí que às questões de interesse público, muita gente prefere cair no silêncio em vez de tomar uma atitude activa e interveniente, como refere Lu Aolei neste poema:
O que pensa da situação actual, por favor?
Não tenho nada a dizerQual é sua opinião sobre a prevenção da epidemia, por favor?
Óptimo! Não aponte a câmara para mimOnde é que vamos, por favor?
Silêncio! Distribua cartas!Como é Macau de agora?
Chegue ao balcão 2 para apostarPor favor, não se importa de……
Ora bolas, não active o pensamento! Não ilumine o escuro com flashDeixemo-nos andar calados
Para evitar chatices
nada perguntemos [a();11]
Este estrofe do poema intitulado Uma entrevista na rua descreve uma faceta do contexto social de Macau. Nesta cidade tão pequena que quase todos os rostos são familiares, a relação social é mais regida pelo familiarismo, e em virtude disso há louvor fácil, silêncio cúmplice, mas ao mesmo tempo o medo de dizer e o medo de existir.
Lembre-se que o poeta inglês W. H. Auden viajou em 1938 para a China e fez uma visita a Macau tendo ficado mesmo instalado no Hotel Bela Vista. No seu poema sob o título de Macao, o poeta chama à cidade “uma excentricidade de Portugal e da China”, descrevendo que “Igrejas ao longo de bordéis testemunham que a fé pode perdoar o comportamento natural.” Ao longo dos anos, uma das características mais referidas de Macau é a sua indústria do jogo, sinónimo de vício, perdição e crime para uns, e ainda sinónimo de gozo e simples diversão para outros. De um lado igrejas, do outro casinos e bordéis, contratam-se mutuamente, sendo esta singularidade cultural e moral que fez de Macau uma cidade onde os vícios infantis se contrapõem às virtudes inferiores, onde “nada de sério poderá aqui acontecer”[a();12] Provavelmente, o que Auden pretendia dizer é que “a violência ideológica e a fúria política que caracterizam a sua época não parecem perturbar Macau, cujos cidadãos estão mais preocupados com o negócio”. [a();13] Desde a publicação do poema do poeta inglês até ao presente, esta característica de Macau mantém-se inalterável, mas uma série de acontecimentos graves, entre os quais se destaca o caso de corrupção de Ao Man Long, fizeram negativamente de Macau mais conhecida a nível mundial. Yi Lin, sempre atenta à realidade, tinha coragem de denunciá-la:
O jogo é a maior indústria de Macau
O governo é a maior accionista dela (nem é preciso fazer registo comercial)
A sociedade é a maior banqueiro (em nome do patriotismo)
As seitas são donos dos salões do casino (têm numerosos negócios filiados)
Nós é que somos a maior ficha emprestada para ser apostada[a();14]
São poemas imediatos que nascem na vontade de censurar a realidade, que se declina cada vez mais a beneficiar a gente de poder. As transformações radicais que Macau tem conhecido não lhe satisfizeram à esperança demandando-a para participar na vida social tendo a poesia como farpa. Sinceramente, esta maneira de intervenção social parece insignificante, dado que teve raramente eco na praça pública, mas pelo menos é posta à prova a relação da poetisa com a realidade, que não é passiva nem subordinada, embora desde a perspectiva poética, muitos dos poemas deste género ainda sejam precários
4, No exílio, em busca do habitável
Tradicionalmente Macau foi sempre um destino do exílio que acolheu muitos escritores, desde Camões, Camilo Pessanha passando pelo poeta chinês Qu Dayou ou dramaturgo Tang Xianzu. O exílio, separação da pessoa e da terra onde vive, sempre caracteriza a vida do ser humano. O exílio implica a deslocação dum sítio para outro em busca do vida mais habitável. Mas também há outros exílios: o de fora para dentro, isto é, a abstenção ou fuga às circunstâncias exteriores à procura de uma terra utópica ou espiritual. Enfim, pode dizer-se que o poeta está sempre a caminho do exílio, do retorno a uma terra onde repousar o seu corpo e alma. Em Macau, cidade de imigração e emigração, se os poetas imigrantes da década de oitenta vieram para cá em busca duma vida melhor, os poetas jovens, dos anos setenta e oitenta já não se preocupam com a questão do pão do dia-a-dia, mas sim com a busca duma terra onde possam lançar a raiz. Eles nasceram e cresceram nesta terra mas perderam a capacidade de fazer comunhão com ela:
Onde é a terra natal
Quem sabe?
Nostalgia da terra, terra da nostalgia
……
Aquém das avenidas prósperas
quem prefere ser caminhante solitário?
Actuo à vontade
e olho para longe
ali
não sou quem retornar
mas sim passageiroQue chata a vida
É preciso ter razão para se enraizar[a();15]
Ser passageiro numa cidade onde se nasceu e cresceu significa exilar-se dentro da sua terra própria, de maneira a traduzir uma renúncia à vivência estruturada nesta terra. De facto, para os poetas jovens integrados na antologia, a monotonia repetida, o vazio, o tédio e a solidão que lhes alimentam a vida quotidiana constituem os temas constantes no seu discurso poético. Si Luosha, uma jovem nascida em 1985, fica cansada prematuramente da época próspera e pacífica, sentindo necessidade de procurar uma vida pura e limpa:
Esta época
considera-se próspera
Na cidade não há mais revolta, epidemia e exército revolucionária
mas precisamos de nos exilar como a ovelha
á procura dumas ervas sem agritóxico[a();16]
A par desta busca da vida purificada em duplo sentido, o amor passou a ser um lugar de abrigo. Em vez do amor romântico, fogoso, intenso e beijado pelas palavras doces, aspira-se um amor simples e caracterizado pela vida ordinária, que talvez seja mais consistente e menos vulnerável:
Apenas quero ter-te como parceiro
a ter de passar uma vida comum
bocejando juntos[a();17]
Na realidade, cabe o amor dar o sentido a uma vida solitária a ser desenrolada no sertão da multidão. Namorando como se fosse o seu ofício quotidiano, o jovem poeta He Lingsheng tem produzido uma grande quantidade de poemas amorosos em que registou um trajecto afectivo, inscrito por momentos sucessivos de alegria, exaltação, desilusão, angústia, enfim, todos os ingredientes do amor e do desamor, enquanto que Huang Wenhui, por sua vez, tem uma percepção pessimista sobre o amor, mergulhando-se numa impotência de amar:
Meu amor
o amor é uma múmia
é um corpo vazio
sobreposto de várias camadas de conservante
bem embrulhado e atado
para ser enterrado no fundo da cela
Depois é exorcismo
Depois é mistério
E depois é o esquecimento[a();18]
Assim, o amor tornou-se um corpo seco, condenado à morte no túmulo do esquecimento e sendo privado da possibilidade de chegar à fusão das almas, porque há medo do longo caminho das saudades, do abismo do vazio, do incurável da ferida. Um fim previsto faz com que o amor fique sem força para acção.
Hoje em dia a poesia está um bocado marginalizada tanto em Macau como em qualquer parte do mundo, mas a voz do poeta, enquanto expressão da alma, não deve nem pode ser apagada. Numa cidade como Macau, há uma realidade fecunda com fonte de inspiração e promissória para o surgimento de poetas comparáveis a Baudelaire, autor de Flores do Mal, uma vez que no jardim da cidade, as flores estão a desabrochar: tanto as do bem e como as do mal.
[a();3] Zheng Weiming, Literatura Chinesa de Macau entre os Anos Oitenta e os Princípios da Década de Noventa, in Administração, nº29, vol,VII, 3º, p.503
[a();4] Ana Paula Laborinho, Por uma Literatura de Macau, in Antologia de Poetas de Macau, IC,ICM e IPOR, 1999, p.19.
[a();7] Huang Wenhui, Uma Tarde no Hotel Bela Vista, in Antologia de Poesia Contemporânea de Macau(澳門現代詩選), Fundação de Macau, 2007, p.333.
[a();12] Elizabeth D. Baker e Donald C.Baker,W.H. Audem,Um Grande Poeta Inglês que escreveu sobre a China, Hong Kong e Macau, in Revista de Macau, Nº25 (II Série) , Outubro/Dezembro de 1996, p. 289-298.