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Satã matou G. Pereira

João Francisco dos Santos (1900 – 1976), o Madame Satã, era bastante famoso no baixo mundo carioca; homossexual, negro, artista de cabarés decadentes e, acima de tudo, valente, um homem que não levava desaforo para casa. Já matara, já brigara centenas de vezes, na maioria para defender seus direitos, em uma época que direitos para pessoas como ele não eram respeitados, e já passara dezenas de anos preso pelos mais diversos motivos. Seu encontro e sua briga com Geraldo Pereira naquele dia fatídico do mês de maio de 1955 hoje estão envoltos em lendas, disse-me-disse, meias verdades e que tais.

Depois disseram que o compositor já estava muito doente, emagrecendo a olhos vistos; disseram até mesmo que, quando de seu aniversário, em abril desse ano, passara mal no banheiro, com crises de vômito. Diziam também que já vinha evacuando sangue há algum tempo e que seu fígado estava em frangalhos, o que era de se esperar pela vida desregrada que levava.

Uma das versões conta que sua morte aconteceu logo depois de uma briga de bar – por causa de um copo de chope – com Satã, que, como vimos, ostentava a fama de valente. Depois da discussão no Restaurante Capela, na Lapa, Satã teria acertado um soco no rosto de Geraldo Pereira, que, bêbado, perde o equilíbrio e cai na calçada, na porta do bar. Com a queda, bate com a cabeça no meio-fio, ficando desacordado, sendo carregado para o Hospital dos Servidores, onde morreu dois dias depois de “hemorragia intestinal reincidente”. Muitos de seus amigos, porém, garantem que ele morreu de câncer.

Madame Satã assim contou para o Pasquim o incidente com Geraldo Pereira:

“Eu entrei no Capela, estava sentado tomando um chope. Ele chegou com uma amante dele (ainda vive essa mulher), pediu dois chopes e sentou ao meu lado. Aí tomou uns goles do chope dele e cismou que eu tinha que tomar o chope dele e ele quis tomar o meu copo, e eu disse pra ele: ‘Olha, esse copo é meu’.  Aí ele achou que aquele copo era dele e não era o meu. Então peguei meu copo e levei para a minha mesa. Aí ele levantou e chamou pra briga. Disse uma porção de desaforos de palavras ‘obicênias’, eu não sei nem dizer essas coisas. Aí eu perdi a paciência, dei um soco nele: caiu com a cabeça no meio fio e morreu. Mas ele morreu por desleixo médico, porque foi para a assistência ainda vivo.”  Contando com apenas 37 anos, e de maneira inglória, assim morreu um dos maiores compositores da música popular brasileira.

 

Ministério da Economia

Geraldo Pereira

Seu Presidente,
Sua Excelência mostrou que é de fato
Agora tudo vai ficar barato
Agora o pobre já pode comer
Seu Presidente,
Pois era isso que o povo queria
O Ministério da Economia
Parece que vai resolver
Seu Presidente
Graças a Deus não vou comer mais gato
Carne de vaca no açougue é mato
Com meu amor eu já posso viver
Eu vou buscar
A minha nega pra morar comigo
Porque já vi que não há mais perigo
Ela de fome já não vai morrer
A vida estava tão difícil
Que eu mandei a minha nega bacana
Meter os peitos na cozinha da madame
Em Copacabana
Agora vou buscar a nega
Porque gosto dela pra cachorro
Os gatos é que vão dar gargalhada
De alegria lá no morro