A análise literária, se ela tem um sentido, nada
mais faz do que impossibilitar a crítica. Ela torna
pouco a pouco visível, mas ainda nebulosamente,
que a linguagem está cada vez mais distante de
si própria, que ela se afasta de si como uma rede,
que sua dispersão não se deve à sucessão do tempo,
nem à correria noturna, mas à explosão, ao fulgor,
à tempestade imóvel do meio dia (Foucault)
Escrita sem fim: anarquia
Inquietante viralização a que se impõe hoje, enquanto atravessamos as truculências desse início de milênio, através de uma infinidade de peças escatológicas servindo de estofo ao hiperlivro www. Dois fantasmas do livro por vir, diz Derrida em Papel-máquina, vêm nos induzir à tentação de considerar a rede mundial como o Livro ubíquo enfim reconstituído, o livro de Deus, o grande livro da Natureza, ou o Livro-Mundo. Trata-se do sonho onto-teológico com o fim do livro em dois limites, em duas figuras extremas, finais, escáticas: o fim como morte ou o fim como telos ou realização. Na esteira do fim da arte e fim da história hegelianos, da morte de Deus, do último homem e do super-homem nietzscheanos, multidões de cyber-usuári@s, em cadência publicitária global, colaboram para a metanarrativa da desolação mundial diária.
Certo modo de ser replicante, acossado e em pânico – o terror – fez-se condição oportuna para a emergência de uma cultura tecnocapital planetária. Desde há mais ou menos dois séculos, quando o fim das supremacias (o fim da linguagem) começa a ser anunciado, em processo contíguo à industrialização, violência e desamparo vêm destituindo as razões que fundamentam o humanismo, as distinções e classificações antropocêntricas. Nesse clima de confusão e desnorteio, de esvaecimento das referências históricas, instalam-se contendas com tendências hegemônicas, racionalistas, religiosas dos Estados-nação – toda vanglória judiciosa do vivente que possui e é possuído pela linguagem.
Tal como nota Derrida, em Morada. Maurice Blanchot, uma névoa de indecidibilidade entre ficção e história se espalha desde o projeto romântico de uma Weltliteratur: “o nacionalismo literário seria na Europa uma reação moderna, como o despertar das nacionalidades, ao projeto de hegemonia superestática de Napoleão” (Derrida, 2004i: 17). Sua provocação – “A que imperialismo super-estático inédito reagem todas as formas de nacionalismo ou etnocentrismo literário e cultural?” (id.: 19) – pode ser pensada como um passo para nos desviar de certos embustes domésticos – testemunho e ficção a serviço (cultural, nacional) de projetos veristas, formativos, revolucionários, preventivos, educativos –, das ilusões imperiais insufladas na “pobreza” técnica de cada época (como o apelo da “educação tecnológica” por uma realidade hiperinclusiva a instaurar as premissas de uma globalização).
Mesmo isso que o governo nomeia, por exemplo, competências e habilidades “imprescindíveis” à eficiência profissional, seria possível pensá-lo sem se situar no âmbito de uma pedagogia universalista derivada do marketing militar – qual Donna Haraway sugere, no “Manifesto Ciborgue”, a sigla policial C3I (comando-controle-comunicação-inteligência) como metáfora das ciências da comunicação e das guerras modernas?
Nesse embate, a literatura se torna ato enquanto renuncia a toda teleologia escatológica, a toda lamentação ou entusiasmo, às avaliações pessimistas ou otimistas, progressivas ou reativas da história. Ocorre justamente desatrelando-se destes conceitos reguladores, na singularidade do “uma única vez”, como performatividade sem origem nem destinação.
A ação escritural (depois da máquina, em tempo high tech) vem convocar então uma história não processual, uma história não mais marcada pelo lastro temporal (moderno, pós-moderno), mas pela descontinuidade do acontecimento. Como ocorrência on-line, a escrita se apresenta feito uma materialidade que advém no mundo – deixa um rastro, faz algo no mundo. Separa-se dos modos de controle cognitivo do tempo e lança-se à anarquia de um espaço virtual, descentrado. Realiza-se num gesto dissociativo dos comandos cronológicos, redimensionando a história ao âmbito da aleatoriedade topológica.
No entanto, em um sistema como a web, tecido na generalização do gênero confessional, curiosamente tornado axioma de um programa de publicação absoluto (tecnologia hdmi empregada no desnudamento biográfico – vidas à mostra e à venda na transparência das telas e vitrines do Estado-Bordel), nítida se torna a infestação de Joões fakes e anônimos Führers pelas redes sociais, cidadãos-usuários envolvidos com a redação de seu Apocalipse e Mein Kampf customizados. No espaço de falta propiciado pelo domínio internáutico, cada qual vive o deslumbre de ser o último a falar, excitado com a chance de publicar um Apocalypse now definitivo.
Uma animação apocalíptica como a de agora tem relação com a azáfama sem fim da soberania, da disciplina, do controle (Estado, Religião, Mercado, Mídia), com a história de seus pretextos e estratégias preventivas (arquitetura e gestão de crises) contra a descoberta do impoder que possa advir da demora meditativa de cada um. Teme-se sobretudo a passividade frente às seduções, aos possíveis sinais de mistério e revelação para além do que surge como novidade, tendência on-line. Sob inflamações discursivas como as de que a publicidade estaria destruindo a filosofia, a tecnologia o pensamento, assim como a internet destruiria o livro, a máquina em relação ao homem etc., o que interessa à comunicação oficial (provedora) é a manutenção do pânico como modo de sustentar a mais-valia em suas formas de lucro, bens e commodities as mais impensáveis e impalpáveis.
Se a alçada da filosofia, da literatura e da arte foi confundida durante muito tempo com as técnicas de infligir desespero (segundo certo didatismo de que na origem dessas atividades estariam o espanto, o temor, a Angst), isso se evidencia cada vez mais como prática da má consciência, como tática adequada à formação de público, à rivalidade política, aos jogos de fascinação ideológica. (E aqui sim, muitos reitores, professores e publicitários, juízes, pastores e policiais, literatos, artistas e companhia – os mistagogos de todos os gêneros –, lucram com a interdição e estigmatização do que possa vir a ser filosofia, justiça, literatura, arte etc.)
Quando a incumbência de representar o assombro da presença no mundo fica reservada a uma determinada paideia ou estilística, a uma disciplina (a representação médica, por exemplo, como razão suficiente), o que se configura aí é uma domesticação da vida.
Por princípio, a predominância de uma gramática e o acordo de uma fala convencional formam a base de toda “doutrina do julgamento”. São pressupostos que legitimam a constituição e a duração de cada época em sua fantasia de progresso autorrevelante, inquestionável (ilusão transcendental), em seu estado de suspensão apocalíptica e catastrófica (representação absoluta). Das profecias ao juízo final, a verdade desvelada e a adequação interpretativa – predição e predicação – funcionam como fundamentos capitais, seletivos, inflacionários. Daí a latência mágica da técnica: quanto mais impactante o modo de apresentar o ser, maior a força de uma doutrina para seduzir pela falta – a eficiência numa rivalidade sendo medida pela potência apropriadora expropriante do adversário. Nessa perspectiva, a intensidade de uma revelação é relativa ao alcance de seu deslumbramento/assombramento, sendo o sucesso catequizador aferido pela capacidade ofuscante da “luz desveladora do verbo”.
Por essas razões, me interessam proposições que descontinuam a imagem do êxito. Textos que abram outros espaços de legibilidade e funcionem como desestabilizadores da mecânica econômica que estigmatiza o corpo com o tempo. Manobras de escrita e leitura geradoras de produções excessivas; extravios do quadro dialético, negação sem remissão nem correspondência ao idêntico. Me interessam autores (Nerval, Blake, Poe, Lautréamont, Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud, Nietzsche, Kafka, Artaud, Beckett…) obscuros às coordenadas de visibilidade de seu tempo, feito anomalias que emanam do âmago de uma escuridão sem origem nem destino.
De modo difusivo a literatura se inscreve num gesto fora do script moderno, enquanto a filosofia (matriz da domesticidade ocidental, do platonismo ao heideggerianismo) se encarrega de assujeitá-la através de um pensamento subordinado à exigência de continuidade. Pensamento que, assinala Blanchot, desde Kant “pretende ter sua sede na Universidade”[1]. Como se escrever/pensar devesse se reduzir a escolas e períodos, a ressoar com a voz despótico-filosófica naturalizada e transmitida em cada época, permanecer sob as ordens do sentido sobretudo quando a elas se opõe, metabolizando-as.
A oficialidade do discurso filosófico instaura uma gramática que – demonstra Derrida em De um tom apocalíptico adoptado há pouco em Filosofia – se configura na “preocupação em dizer a verdade, em revelar, sem desvirilizar, o logos” (Derrida, 1997: 39). Formaliza a entonação de uma voz que intenta se alojar, desde o início, como se fosse a razão última do homem: “O fim começa, intima o tom apocalíptico” (id.: 51).
Observa-se tal virilidade inerente ao logos na rigidez com relação à escrita – demonstrada por Platão, no Fedro, em defesa da palavra falada – num filósofo ainda tão revisitado como Heidegger. Se, no Fedro, Sócrates acusa a impessoalidade da palavra escrita[2] – o fato dela promover um apagamento e esquecimento de qualquer identidade –, Heidegger, em Parmênides, emula a cena dialogal entre Sócrates e Fedro. Condena-se, então, a escrita à dimensão maquínica ao mesmo tempo em que se fetichiza a escrita à mão. Existe nessa polêmica uma pretensão de incumbir ao fazer manual a restauração da virilidade histórica – o mando, a autoridade da lei, o vigor da justiça devendo ser infligidos pelas mãos másculas.
Parece inclusive inerente à noção de tékhne uma paixão pelo ofício (oficiosidade) que explica a obsessão do homem por não perder, não deixar escapar de suas mãos os objetos que produz e possui. Assim, uma paradoxal fragilidade poderosa estaria na base da técnica: disposição para gerar e matar; impotência e soberania diante da finitude efêmera; vontade de controle sobre nascimento e morte.
Um TOC fálico-manual-filosófico vem comandando a dialética senhor-escravo, masoquismo-sadismo, os autos da mão-de-obra histórica (história de manobras, manipulações, manejos, manuseios). Compreendendo a história, nesse sentido, uma disputa pastoreira/paranoica por manter o mundo em “boas mãos”.
Não seria o estertor de certa monomania filosófica (a mão única determinante da narrativa humana) que, em Heidegger, rebate contra a escrita à máquina?
“A máquina de escrever encobre a essência da ação do escrever e da escrita. Ela subtrai ao homem a dignidade essencial da mão, sem que o homem experimente apropriadamente essa subtração e sem que reconheça que aqui se deu uma transformação da relação do ser com a essência de si mesmo” (Heidegger, 2008: 125-126).
Ao invés desse tom essencialista imputado à história, a narrativa neste milênio vem enunciar um outro tempo. Tempo sem começo nem fim, incessante. Tempo da escrita cuja ausência de princípio, ou princípio inautêntico, funciona, segundo as proposições de William Burroughs em A revolução eletrônica, como um vírus indicador da qualidade mutante de nossa animalidade: “Os animais falam e transmitem informação. Mas não escrevem. Não podem tornar as informações disponíveis para as gerações futuras ou para os animais que estão fora de alcance de seu sistema comunicativo. Esta é a diferença fundamental entre os homens e outros animais. A escrita” (Burroughs, 2009: 27-28).
Abandonado o algoritmo metafísico, a essência suposta antes/depois da existência, o falo/a mão como forma matricial de uma língua primeira e última, o que vem é o tempo articulado pela escrita. Tempo desdobrado da perda de origem e comando. Sem arché, inessencial. Princípio da anarquia – qual o oximoro extraído de Heidegger pelo filósofo Reiner Schürmann (Le principe d’anarchie. Heidegger et la question de l’agir, 1982), e que em seus escritos anuncia um testemunho anárquico-filosófico, a constituição de si[3] enquanto sujeito sem sujeição; princípio da ausência de princípio; subjetivação depois das épocas; vida sem porquê. Testemunho este que culmina em seu livro póstumo, Des hégémonies brisées (1996).
Deixam de atuar na escrita e no pensamento de agora os traços de uma ontologia hegemônica, monocêntrica. Surge à cena, então, uma tarefa provocadora: dizer “sim” ao emprego inevitável dos objetos técnicos e ao mesmo tempo recusar que eles nos açambarquem exclusivamente. Somos capazes? Questiona Mehdi Belhaj Kacem em sua recensão do livro de Schürmann[4].
O que surge à tona com a narrativa emergente no século XXI, desde o âmbito de uma escrita do desastre, ressoante com o livro de Blanchot em tudo o que se desligou da lógica da identidade e dos gêneros, tem a ver com o tempo eternamente nascente de um começo viralizado.
Acontecimento-máquina-do-tempo que escapa às normas da durabilidade apocalíptica (da moral dura lex, sed lex). Isso, que vem sendo escrito agora, desde sempre: o tempo e o lugar de uma minúscula vírgula num texto infinito. Uma história que, escreve Derrida em Papel-máquina, “no mínimo, não se atém a si mesma, não se mantém, uma história que agora [maintenant] não se segura mais pela mão [main-tenant]” (Derrida, 2004: 34).
Agora vem – Narrativa e Música
O espaço literário, em sua ativação de zonas diferenciais, extrarradiais, nos fornece trilhas para um anti-programa (antilogos). No contexto da cultura digital, da mecânica datilográfica, a literatura, as narrativas e o livro mobilizam um combate às inteligências que queiram se impor antes de seu surgimento, a fim de reconhecê-los e assimilá-los junto aos cronogramas culturais.
Sem dúvida os jogos de concorrência capitalizados pelo mercado e a academia predominam na cena de agora e no dia a dia de quem escreve e pesquisa. Mas o que passa não seria aquilo que não foi capturado por eles, ao menos imediatamente? Isso que não ocorreu e nem foi gerado, necessariamente, nos limites de tais eventos?
Qual o pensamento do exterior que, para Foucault, se realiza nas dobras do fora, numa relação com o impensado? Algo que não se deixa integrar na medida em que ainda não entra na experiência? A obra de arte dissemina possibilidades de individuação enquanto desmonta toda noção de matriz original?
Extraída por Deleuze de Proust, em Proust e os signos, a noção de máquina literária compreende a escrita como experiência singular. Tal experiência (realizações à parte ou ao lado), em suas conexões quaisquer, não-ideológicas, com campos de produção e objetos parciais, consiste em modos de fazer-mundo.
Assim, para o filósofo, uma obra de arte reconstitui sempre um começo de mundo, envolve lugares e paisagens completamente distintos do lugar em que os apreendemos. Meio individuante, a atividade criadora, ao invés de se religar a uma unidade perdida ou projetar uma totalidade futura, efetua, a cada vez, um nascimento. Criar, fazer obra, consiste mais num movimento dissociativo, numa transformação sem concernência, do que em reprodução.
Segundo a experiência da viagem, da deriva que em O livro por vir figura como questão irresolúvel (“Para onde vai a literatura?” – a literatura vai em direção ao seu desaparecimento), a literatura, enquanto projeto, se dá, segundo Blanchot, como passagem, desarticulação, evasão de um conjunto orgânico, continental.
Nesse sentido é que, à medida que a instituição Filosofia agonizava numa tendência contemplativo-reflexiva, na vontade de reduzir o movimento vital a certa estabilização simbólica, a um estado inefável e inalterável do ser (o inatismo de uma representação pura, pacificada, de um estado ditatorial, sem escrita), o gesto de escrever e seus derivados vinham abrindo o horizonte da finitude a conexões e operações sem fim, apresentando-se como meios (suportes, técnicas, mediações instituídas) e não apenas como simples resultados de subjetivação.
O livro, que desde sua reinvenção no século XIX pela literatura (para Foucault, a literatura surge neste gesto[5]), ao colocar em dispersão a trama agonística da existência, sem reduzi-la a uma unidade ou gênero, se oferece como estrutura dissipativa, relacional e inacabada. Apresenta nossa errância por uma physis sem télos nem arché. Difunde a disputa inacabável entre mundo e terra (um embate travado por Heidegger numa tentativa de restaurar a integralidade da linguagem produzida pelo humano em face da tecnificação moderna).
Em Derrida, um egípcio, o filósofo Peter Sloterdijk diz que durante o êxodo judaico o livro (pergaminho) tornou os monumentos de pedra, toda simbologia politeísta e pesada dos egípcios, portáteis. Uma transvaloração, ligada à problemática da transportabilidade, ocorre na passagem da representação do mundo pelas mãos dos arquitetos para a dos arquivistas. Divino, de monumento, passa a documento.
Hoje, um deslocamento planetário ocorre simultaneamente à virtualização das bibliotecas, e a viagem sem sair do lugar solicita uma urgente extrapolação de toda axiomática fundada sobre a lógica aristotélica (como o “nada pode ser e não ser simultaneamente”). Tal como Debord já assinalava, com sua teoria da deriva, em 1958: “Entre os diversos procedimentos situacionistas, a deriva se apresenta como uma técnica ininterrupta através de diversos ambientes. O conceito de deriva está ligado indissoluvelmente ao reconhecimento de efeitos da natureza psicogeográfica, e à afirmação de um comportamento lúdico-construtivo, o que se opõe em todos aspectos às noções clássicas de viagem e passeio”.
Presencia-se neste momento um êxodo em jogo: caminhada/escrita/anotação implicando uma evasão sem fim do calendário humanista. Multiversões da história descerrada em heterotopias e heterocronias. Trata-se de uma mudança decorrente de uma interrupção, lapso decisivo à suscitação de uma ética in extremis: abandono de tudo o que insiste em nós como desejo egológico, extinção das negociações melancólicas sobre o passado, das promessas para um futuro, numa afirmação da errância pelas infinidades de camadas que compõem a realidade.
Nesse horizonte em trânsito, a compulsão de cyber usuári@s por feeds de notícias tem a ver ainda com as reverberações de um humanismo encurralado (onde está a realidade? O que se passa?).
A fissura por devorar linhas do tempo na comunidade virtual revela uma adicção demiúrgica que dá o tom de nossa música – um vício inerente ao programa de civilização global (Nietzsche, na seção 86 de A gaia ciência, chamava atenção para a relação entre narcóticos e cultura). Nada passará despercebido pela varredura feita desde minha tela. A aflição espiã e bisbilhoteira, por ver, ouvir e falar imediatamente o que está acontecendo em todos os cantos do mundo, obsedada por tours atualizadores a cada instante do dia, sintoniza-se com a onda geopsi das drogas (das sintéticas ao crack) em seu anseio de estar no controle e descontrole absolutos. Faz-se notar uma sensação imediata de potência e impotência capaz de recapitular a origem da técnica, de mimetizar a duração limítrofe do morto-vivo em escala integrada.
Não seria essa pauta, já explorada nos contos de Poe, como em “O caso Valdemar”, e tornada gênero zumbi nos filmes de George A. Romero, indício dos limites da linguagem onto-teológica?
Algo se passa enquanto “todo um mundo está desabando”, escreve Guattari, no final dos anos 70, em “Milhões e milhões de Alices no ar”. E o que passa despercebido a qualquer enrijecimento cognitivo e sensível, aos sistemas de abrigo, às técnicas de conservação da espécie (da cera de tapar ouvidos usada por Ulisses às arquiteturas-bunkers derivadas da Segunda Guerra e os sistemas de blindagem), é a música da vida – num sentido nietzscheano de que a vida é música.
Agora, o animal que estamos nos tornando encontra-se num momento de liberação do acontecimento. Aponta, no auge da tecnificação, seguindo-se as proposições de diferentes filósofos (de Deleuze a Derrida e Agamben), um movimento integrador de forças, entre as quais comparece a da animalidade não por ordem de outra razão, mas por um desvio irremediável.
Observável é o raiar de um tempo sem época, de “um apocalipse sem apocalipse, um apocalipse sem verdade, sem revelação, sem envios (pois o “vem” é plural em si), comunicações sem mensagem e sem lugar de destino, sem destinador ou destinatário decidível” (Derrida, 1997: 71).
Inexiste o Juízo Final. Deixa de haver outra escatologia senão o “tom do “Vem”, sua própria différance, um apocalipse para lá do bem e do mal. “Vem” não anuncia este ou aquele apocalipse: ele já ressoa de um certo tom, ele é em si mesmo o apocalipse do apocalipse, Vem é apocalíptico” (id.).
Esse que vem (e sempre esteve aí: júbilo e alegria da mensagem liberada de endereçamentos e correspondências; a loucura de um imperativo sem emissor nem receptor; vontade sem sujeito/objeto) é um animal narrativo. Presença anárquica assumindo o lugar de errância do destino – vida e escrita indiscerníveis num “brusco despertar”: todos os nomes da história, no fundo, sou eu.
A exigência de descontinuidade do pensamento – tal como propõe Blanchot – passa pela iniciação à escrita, pela “jubilosa dissolução” inerente ao ato de escrever. Qual a experiência alterativa do eterno retorno, uma mudança do querer se impõe para que o homem libere dentro de si a vida, o trabalho e a linguagem. Cabe a cada um a possibilidade de modular/propagar outros tons, desarmonizar a música da obediência, abrindo brechas e falhas na harmonia comandada, gerando bugs na programação globalizadora.
(“O homem é um animal em vias de despojar-se da espécie”, Deleuze[6])
Hoje, o animal autobiográfico que somos sofre um abastardamento, sobretudo através da música. Encaminha-se para o desabrigo no qual o legado histórico, afetivo, técnico, é processado pelas máquinas. Compactando infinitas e incompletas camadas sonoro-epocais, arranjando-as para vibrar num agora evenemencial, a música eletrônica – como narrativa de agora – promove uma desterritorialização homem-máquina, uma ampliação da realidade muito próxima à experiência do eterno retorno: uma intensidade de “flutuações significantes ou insignificantes do pensamento que, de fato, não pertence a ninguém, não tem começo nem fim” (Klossovski, 2000: 82).
Um livro como A gaia ciência já esboçava linhas de uma escritura-música, com as quais Nietzsche traçou alternativas de um pensamento insubmisso ao logos filosófico. Ali, para dizer com Derrida, tem início um trabalho de timpanização do autismo filosófico, de certo “enviesamento da percepção”, uma agitação do loxôs no logos[7].
A conjunção escrita-objetos técnicos, desde a mudança de época assinalada por Blanchot sob os signos do fogo e da explosão[8], capaz de mesclar teoria, ficção e tecnologias audiovisuais (as condições históricas se liberando/acontecendo bem agora), mostra-se decisiva aos estudos sobre narrativa contemporânea. Percebe-se em autores brasileiros como Fausto Fawcett, Mauricio Salles Vasconcelos, André Sant’Anna, Botika, uma transformação da literatura ocorrendo nas interseções com a música – e também com a TV, o cinema, as artes visuais etc. No desbravamento de espaços de subjetivação e reinvenção de si, o ato de narrar, redimensionando o espaço do livro, precipita e põe a vibrar os traços de uma comunidade que vem – no sentido apresentado por Agamben de uma comunidade em que a singularidade se expõe como tal, qual-quer, amável.
Torna-se evidente em um romance como Meu Rádio (Coletivo Animal), de Mauricio Salles Vasconcelos, certa mutação cognitiva operada no cruzamento das esferas que orbitam a vida a partir de relações entre romance e música. Nessa ficção irrompe uma radiância alien, uma animalização como vir-a-ser: filosofia, literatura e música implicando relações de forças que perturbam a imagem dada de homem, fragmentando esta em meandros e adventos trans-históricos. A questão que em Meu Rádio avulta pode ser aquela sublinhada por Deleuze em Foucault: não se sabe do que o homem é capaz “enquanto ser vivo”, como conjunto de “forças que resistem” (Deleuze, 1988: 100).
MSV realiza, neste livro, operações narrativas sintonizadas com uma transição social que culmina com a transição do próprio romance. Isso a partir da vida de três personagens que têm em comum não apenas os aspectos crônicos de um território, mas modos distintos, distantes e simultâneos de recepcionar, através do iPod, o som da banda Animal Collective.
O efeito radiofônico, segundo um amontoado de notas e aforismos em torno da música disponível para download na web, imprime um tom vertiginoso à trama de Meu Rádio. Sua matéria (inapropriável) dada em andamento, na passagem por sucessões de auges consistidos em instâncias do imediato, se estende nas propagações ondulatórias do agora, tal como se lê num diálogo logo no começo:
“ – Sim, a música e seu modo de ser mediada compõem uma só peça, uma outra forma de estar no tempo e no espaço de cada um. – Sim, é para cada um, feito código. O que você ouve? Qual é o aparelho? Em qual tempo? – Só o que vem de agora. A música comunica exatamente isso: está tocando precisamente nesta hora. Mal “você” acaba de exercer uma instantânea recepção. (…) – Onde não há canais de transmissão, nem festa, apenas o veio de uma única escuta, maquinal, exposta em rede. Justo onde e quando o silêncio mais parece manifesto” (Vasconcelos, 2016: 22-23).
Vê-se a emergência de uma cultura do desabrigo concomitante à satelização do mundo. Uma espécie de contracultura desidealizada, desprovida de um encampamento, no entanto muito bem situada, que, além de minar as estruturas homogêneas de apreensão e determinação do espaço-tempo (o que já havia sido feito pela vanguarda histórica em seus procedimentos de ruptura e consagração do instante), desembocou nas indeterminações, na inoperância do tempo tomado pelo lado de fora. O inacabamento, então, “se torna um princípio ativo e passa a designar não a insuficiência ou a falta, mas o trânsito ininterrupto das rupturas singulares” (Tabarovsky, 2004: 18-19).
Após a morte do pai, fabulada no romance de Donald Barthelme na metade dos anos 70, o humano órfão – desencadeando-se em conexões sem intervalo (em rede) entre os mil meios a compor vida, linguagem e trabalho – desperta num repentino sonho erótico. Vê-se tomado pelo transbordamento dos fluxos libidinais (“Sem destinatário. Nem escavação de origem” [Vasconcelos, 2016: 30]), reunindo-se em dispersão nas mutações posteriores às explosões nucleares. Dessa conjuntura desprendem-se as três histórias que compõem Meu Rádio: “(GOZO SÚBITO SOBRE FIM-DE-FAMÍLIA NUCLEAR EM CONTINUIDADE E LANÇAMENTO AO INDETERMINADO COLETIVO ANIMAL)” (id.: 36).
Outra ontologia desatrela-se da lógica de identidade/reconhecimento que subordina as relações a uma razão suficiente. A subjetivação advinda, ainda que pós-metafísica, não deixa, contudo, de já ir traçando um mapa crítico revivificador da filosofia: criação para si de um corpo sem órgãos (Deleuze e Guattari); constituição de si como sujeito anárquico (Schürmann); singularidade qualquer (Agamben); sujeito arquitransgressor (Kacem).
Uma coletividade passa a se formar, então, para lá do ser. Coletivo aberrante, animalidade sem gênero nem gênese a emergir desde o fim da história, do futuro, do apocalipse, ou seja, desde um fim sem fim (o desastre blanchotiano) que nos pontos mais extremados, até hoje inclassificáveis, da literatura moderna já figurava como anomalia diante dos grandes dualismos humanistas – uma altermodernidade, para dizermos com Nicholas Bourriaud.
Há, na ficção de hoje, uma replicação de personagens híbridos a partir do cruzamento de máquinas e organismos. Em um ambiente embaralhado por guerras, sons e imagens provenientes de diversas fontes de transmissão, surge um trabalho de anotação e diagramação capaz de propositar modos insólitos de escrever a história e habitar o mundo.
Outras habilidades da mão-de-obra se configuram na história da digitalidade, na transformação da matéria aí operada (do carbono ao silício). Usam-se mais dedos – e duas mãos de preferência a uma. O texto digital restitui as enervações de uma percepção/operação microscópica, plural, dando lugar à fluidez plástica das formas, à quase-imaterialidade do fluxo contínuo da escrita, à substância dessubstancializada dos objetos técnicos.
Atravessa essa história da digitalidade uma feminização do mundo, tal como sugere Donna Haraway no “Manifesto Ciborgue”: “Os ágeis dedos das “mulheres orientais”; a antiga fascinação das garotas vitorianas anglo-saxãs por casas de bonecas; a atenção – imposta – das mulheres para com a miniatura – tudo isso adquire novas dimensões nesse mundo. Talvez exista uma Alice-ciborgue tomando nota dessas novas dimensões.”
São observáveis, aí, diversos tipos de registro (inscrições agramaticais, derivantes, visuais, não significantes, musicais) capazes de redimensionar a vida num momento de apagamento das fronteiras entre sonho e vigília, imaginação e realidade material, ficção e biografia. A escrita de si dissemina-se na infinidade de suportes proporcionados pela produção maquínica, fragmentando e transversalizando o que pode livro/literatura em suas múltiplas destinações.
Nessa conjuntura, o romance contemporâneo desempenha, segundo a análise de Jean Bessière em Le roman contemporain ou la problématicité du monde, uma função de mediação do nó representacional que se dá no jogo entre transformações cognitivas, perceptivas, espaciotemporais, e as emergências biográficas. E isso não implica que à ficção ainda reste uma reserva de boa vontade, um papel democrático integrador de diferenças a ser desempenhado. Pelo contrário, a narrativa de agora assinala um colapso dos sistemas totalitários, o derruimento das clivagens entre homem e animal, natureza e cultura. Chama atenção para o surgimento de uma forma de vida nascente e inominável, que não se identifica com autoridade designante/denominadora[9] alguma, justamente porque dispensou qualquer antecedente fundamental.
Não que o humano aí figurado se identifique com o animal, e comece a agir, em cada caso, mimetizando determinada espécie. Mas seu modo de ser se apresenta em transição, como algo inobjetivável, inespecífico. Está tomado pelo devir (animal, mineral, atômico, mulher, criança, ciborgue). Sua ação não mais supõe a lógica da utopia/distopia: se dá no esquecimento característico de quem vive num meio rachado por excesso e ruído, na indeterminação das relações por contingência – excedente entre excedentes movendo-se por conexões parciais sem fim.
Em romances como Búfalo, de Botika, e Favelost: (the book), de Fausto Fawcett, um contexto violentado, extrapolado, montado/editado segundo procedimentos extraídos dos meios de comunicação, de uma cultura da guerra, mercantil e laboratorial, que fez do mundo um campo de experimentações, serve de meio para o surgimento de personagens anômalos – sem parentesco com os bestiários precedentes e as genealogias do fantástico.
Em Meu Rádio (Coletivo Animal) uma narração oblíqua, ativada pela música, desestabiliza o estado das palavras e das coisas, as coordenadas e batalhas audiovisuais. Desencadeia-se numa radiação de enunciados e vidas possíveis para lá dos dados ditos e visíveis. Bem num momento em que o rádio vem saindo de cena, e que a transmissão da música se transforma com os dispositivos móveis que armazenam dados download, MSV confere um novo efeito radiofônico à narrativa. Põe-se a captar música (vinda de tecnologias sonoras) e guerra (de corpos, tráficos, do poder econômico em todos os setores e formas de vida) numa profusão de mundos, sinalizando a passagem por um limiar extraterritorial do romance de agora. A trama, entre maquinismos e multidões do planeta, indica uma esfera alien, um coletivo humano e não-humano em descoberta, em expansão:
“Alien – é o modo de recepcionar espaço/tempo/terra
Órbita que a própria música faz gravitar em sua emissão
Incompleta, infinita” (id.: 151)
Talvez se possa falar, aí, de uma outra gênese da palavra. Da violência de uma primeira claridade que agora vem despertar um mundo onde tudo pretendia repousar em harmonia. Um de outro modo, como diz Agamben no livro A comunidade que vem, “depois de tudo estar definitivamente completo (…) algo como um frêmito do que é perfeito, uma irisação dos seus limites”. Pequeno deslocamento na história em que a palavra estaria, no fim, destinada a regressar ao início. Entendido esse como marca do Incipit –
No princípio era o vírus.
Referências bibliográficas
AGAMBEN, Giorgio. A comunidade que vem. Trad. António Guerreiro. Lisboa: Editorial Presença, 1993.
BESSIÈRE, Jean. Le roman contemporain ou la problématicité du monde. Paris: PUF, 2010.
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[1] “O pensamento e a exigência de descontinuidade”, in BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita. Tradução Aurélio Guerra Neto. São Paulo: Escuta, 2010.
[2] “Palavra que não tem atrás de si a caução pessoal de um homem verdadeiro e preocupado com a verdade”, escreve Blanchot em A besta de Lascaux.
[3] SCHÜRMANN, Reiner. “Se constituer soi-même comme sujet anarchique”, in Les Etudes philosophiques, nº 4/1986.
[4] Recensão consultada pela última vez em 26/02/2017: http://www.philomag.com/les-livres/fiche-de-lecture/le-principe-danarchie-heidegger-et-la-question-de-lagir-7357
[5] Cf. em “Linguagem e literatura”: “Pode-se dizer que a literatura começou no dia em que o espaço da retórica foi substituído pelo que se poderia chamar o volume do livro. Aliás, é curioso constatar que que só muito tarde o livro se tornou um acontecimento no ser da literatura. Foi somente quatro séculos depois de sua invenção real, técnica, material, que o livro adquiriu status na literatura. (…) Mas, de fato, se a literatura realiza seu ser no livro sem acolher placidamente a essência do livro – aliás, o livro, na realidade, não tem essência, só tem a essência de seu conteúdo – é porque será sempre o simulacro do livro. Ela faz como se fosse um livro, faz de conta que é uma série de livros”, in MACHADO, Roberto. Foucault, a filosofia e a literatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
[6] “Instintos e instituições”, in A ilha deserta: e outros textos.
[7] Cf. “Timpanizar – a filosofia”, in Margens da filosofia.
[8] BLANCHOT, Maurice. A conversa infinita 2: a experiência limite. Tradução João Moura Jr. São Paulo: Escuta, 2007, p. 280: “Quando, pela primeira vez na história do mundo, detém-se o poder material de pôr fim a essa história e a esse mundo, é que já se saiu do espaço histórico. Teve lugar a mudança de época. Isso pode exprimir-se simplesmente: de ora em diante, o mundo é uma edificação que se pode incendiar.”
[9] Derrida demonstra, em O animal que logo sou, como a ideia de gênese do tempo está ligada a uma apropriação antropocêntrica do mundo fundada sobre a falta (queda); à atividade que, no criacionismo judaico-cristão, foi designada por Deus, no princípio, aos homens: nomear/assujeitar os animais. “Desde o vazio de sua falta, uma falta eminente, uma falta completamente diferente da que ele empresta ao animal, o homem instaura ou reivindica de uma só vez sua propriedade (o próprio do homem que tem efetivamente como próprio o não ter um próprio), e sua superioridade sobre a vida dita animal. Esta última superioridade, superioridade infinita e por excelência, tem de próprio ser ao mesmo tempo incondicional e sacrificial (…) Os homens seriam em princípio esses viventes que se deram a palavra para falar de uma só vez do animal e para designar nele o único que teria ficado sem resposta, sem palavra para responder” (Derrida, 2011: 43-44 e 62).