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Reinaldo Lopez, um pintor em Cuba

Rlopez

Entrevista a Marcelo Flores

O pintor Reinaldo López, nascido em 1934 na cidade de Matanzas, Cuba, tem obras expostas no Museu Nacional de Arte Cubana e hoje reside com sua família em Havana, no bairro de Playa, onde mantém seu estúdio. Tive a oportunidade de entrevistá-lo – lá mesmo, em Havana – em julho de 2006, por conta de uma indicação do poeta mexicano e conselheiro editorial de Sibila José Ángel Leyva. Em sua casa, conversamos sobre a situação das artes plásticas em seu país e sobre sua obra em particular. Reinaldo “explica” alguns de seus trabalhos. Também estavam presentes Martha Teresa Ximeno, antropóloga e esposa de López, e David López Ximeno, filho do casal e jovem poeta; ambos contribuíram para o diálogo com algumas intervenções.

A obra de López é de central importância no contexto artístico cubano. Ele presenciou a revolução de 1959 – que levou o regime de Fidel Castro ao poder – e acompanhou, durante todos esses anos, o ambiente cultural de lá, que passou por diversas e marcantes transformações. Testemunhou o auge e a decadência do movimento modernista cubano – que vai de 1927 até os anos 1960 –, bem como o chamado “Quinquenio Gris”, período que vai de fins da década de 1960 até o começo dos anos 1980, durante o qual a liberdade de expressão no país foi intensamente tolhida pelas imposições do regime de Castro, imposições que obrigaram os artistas a trabalhar estéticas fechadas em si mesmas ou que fizessem parte do realismo revolucionário – uma tendência daquela época –, quando então foram abordadas, de maneira extremamente realista, apenas as questões do cotidiano revolucionário.

Seu trabalho foi exposto em diversos países e registra, com uma linguagem bastante contemporânea e universal, os traços das culturas afro-cubanas, promovendo uma interessante mescla da pintura moderna com a arte primitiva africana; nota-se em sua obra, por exemplo, a forte presença de aspectos da santeria, religião de origem africana, similar em muitos aspectos ao candomblé do Brasil. Entre seus trabalhos ainda consta a ilustração de uma edição inteira da revista mexicana de poesia Alforja em 2004. (Marcelo Flores)

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Cuba, perspectivas entre o velho e o novo (foto de João Bonvicino)

Marcelo Flores: Seu trabalho é conhecido por cultivar as origens negras da cultura cubana. Por que razão você faz isso?

Reinaldo López: Eu pinto com raízes negras cubanas e caribenhas. Trato de fazer uma pintura daqui, da região do Caribe, e tento fazer com que ela seja facilmente reconhecida por ser daqui. Eu não pinto novidades; não gosto de pintar guiado pelas últimas tendências estéticas, eu simplesmente pinto o que sinto, o que percebo… Portanto, trato de deixar plasmada nas telas toda a minha bagagem cultural de origem africana.

MF: Há, em seu trabalho, uma pesquisa específica em relação à determinada “nação” africana, por exemplo, iorubá ou banto?

RL: Iorubá é a etnia que predomina aqui em Cuba; há comunidades no interior do país que são arará e que, apesar de pequenas em termos populacionais, têm grande ascendência, por exemplo, em Matados e em Caravali.

MF: Como é o ensino de artes plásticas em Cuba? Preparam-se bons espectadores? Os cubanos têm uma boa formação cultural e crítica?

RL: Bem, quando freqüentei a escola, eu era muito jovem, foi antes da Revolução de 1959, concluí meus estudos nessa época e era dificílimo viver de arte. Os artistas constituíam uma elite muito pequena. Nós somos de Matanzas, e foi lá que estudei. Depois de Fidel Castro, surgiram escolas de arte em maior número. Então, os pintores e os artistas – as escolas de arte cubanas são compostas de teatro, dança, artes gráficas e artes plásticas – que se identificaram com a revolução e que se uniram a ela passaram a trabalhar ativamente na área de cultura de Cuba e se tornaram os professores dessas escolas.

MF: Mas, hoje, o ensino prepara a população para interagir de maneira crítica com a arte?

RL: Continua sendo algo de elite, do interesse de poucos. Quando digo elites, quero dizer que apenas as pessoas mais cultas da população se interessam por arte, uma elite no sentido cultural. Podem ser do povo, não têm de ser necessariamente profissionais da arte, mas ainda sim passam a constituir uma espécie de elite. Em geral, quem freqüenta as galerias, os museus, o teatro, a sinfonia ou a música erudita não é gente do povo. Essas pessoas vão ouvir música ligeira, como quem vai às rodas de samba no Brasil; aqui é a rumba. Eu gosto da rumba e da sinfônica, mas nem todos pensam assim, porque é gente de um nível cultural mais baixo. E, a meu ver, o importante é aumentar o nível cultural de todos, e não extinguir o que se considera mais baixo ou mais alto.

MF: É possível identificar um diálogo com a tradição da pintura em seu trabalho?

RL: Isso é o publico quem irá dizer…

Martha Teresa Ximeno, companheira de Reinaldo, intervém, apontando para obras que estão na sala.

MTX: Nesta cerâmica, que é um touro caribenho do fim dos anos 1970, aparecem todos os traços da cor tropical. Este olho, que se vê no lombo do animal, é uma simbologia muito forte na cultura de origem iorubá, é o olho de Olofi, orixá que penetra o destino do homem e da mulher e define-lhe toda a vida. O espectador vai encontrar, por exemplo, naquele quadro, que se chama Signos privados, esse mesmo olho. As ferramentas dos diferentes orixás estão representadas por toda a pintura que, precisamente por isso, ganhou tal título. Esta outra é um quadro feito a partir de uma ilustração que participou de um concurso internacional da fundação Juan Miró, em Barcelona, no ano de 1982. Nela aparece, também, esse animal de sacrifício e a simbologia que tem tal “tijo” (o animal), “toro carnívoro”. Observe o olho, é uma representação das terras da cultura abaquá, os símbolos dessa cultura, que é uma cultura carabali.

RL: Sim, a acepção é essa.

MF: Pode-se dizer, portanto, que essa mescla de cultura popular e erudita se dá mediante a relação que se estabelece entre as técnicas e concepções da pintura moderna tradicional – tradicional no sentido de diacrônica – e a cultura de raiz, com sua arte primitiva e extremamente simbólica.

RL: Exato. A arte das cavernas. É daí que sai minha arte, daí nasce minha busca. Da arte primitiva tomo a referência, depois vou explorar outros espaços, vou até onde consigo chegar.

MF: Segundo João Cabral de Melo Neto, “é evidente que, numa literatura como a de hoje, que parece haver substituído a preocupação de comunicar pela preocupação de exprimir-se, anulando, do momento da composição, a contraparte do autor na relação literária, que é o leitor e sua necessidade, a existência de uma teoria da composição é inconcebível. […] Em nosso tempo, como não existe um pensamento estético universal, as tendências pessoais procuram se afirmar, todo-poderosas, e a polarização entre as idéias de inspiração e trabalho de arte se acentuam”.2 Operando uma transposição desses conceitos da literatura para as artes plásticas, como funciona essa polarização entre idéias de inspiração e trabalho de arte em sua pintura?

RL: Não sou apenas intuitivo, porque sou um profissional. Emotivo, sim, mas claro, aprendi tecnicamente a arte de pintar. Procuro desfrutar ao máximo a pintura, explorar todas as suas particularidades. Ademais, luto para que ela não se pareça com a de ninguém, busco uma linguagem autoral.

MF: A arte depende de relações sociais, políticas ou históricas, ou apenas repercute na sociedade?

RL: Depende. Depende principalmente do momento vivido pelo artista. Não é sempre político, a não ser que haja uma necessidade histórica para que essa relação seja política, por exemplo. Vem da necessidade de o mundo interior do artista se encontrar com o mundo exterior, a realidade propriamente dita.

MTX: Há hotéis e edifícios importantes em Cuba, em Varadero, em Havana, como o próprio aeroporto internacional José Martí, que têm grandes murais de cerâmica de Reinaldo López, como também o parque Lênin. Isto é, ele faz sua pintura para, em primeira instância, satisfazer suas necessidades de expressão artística, mas há um consumo social de seu trabalho.

MF: Como você concebe uma obra?

RL: Bom, observe La muerte de Cacanfu [e aponta a tela]. Cacanfu é uma história de origem africana. Cacanfu é um militar da África. Em Cuba, quando uma pessoa morria violentamente, dizia-se: “morreu como Cacanfu”. Essa palavra foi se degenerando e deu em “cafu”. A gente dizia “cafu”, “fulano, mandaram-no para cafu”, morte violenta.

MTX: Esse militar africano morreu em batalha e, como são Jorge, morreu flechado.

RL: Trato de ilustrar essas pequenas passagens da história e, como aqui se usa muito “cafu”… Não sei, um dia resolvi pintar a morte de Cacanfu, é isso…

MF: O que você prefere na pintura contemporânea cubana? Como você vê a linguagem da pintura cubana de hoje?

RL: Bem, a pintura contemporânea cubana está um pouco permeada de estrangeirismos. É algo que eu não entendo, eu cheguei até Picasso, e de Picasso não pude passar, porque não entendo nada. Pegam um quadro como a Mona Lisa,recortam-no e fazem um quadro com tais elementos [colagem], isso eu não entendo. Meus pintores prediletos, mestres clássicos cubanos, são Wifredo Lam e Roberto Diago, que foi meu professor; foram eles que me encaminharam nesse mundo negro, nessa coisa preciosa que é a pintura cubana.

MF: Você pensa que há falta de marcas autorais na pintura cubana hoje?

RL: Sim.

MTX: Há muitas tendências na cultura cubana.

David López Ximeno: Há um fenômeno na pintura contemporânea em Cuba que não se pode esquecer e que afeta e influencia muitas manifestações da arte e da prática, o conceito do “pós-moderno”. E a pintura também está permeada por esse conceito, exatamente como a poesia também o está, e a dança, o teatro, a música. Isso existe porque é uma maneira de ver a vida no final do milênio. Desde os anos 1990 ocorre uma apropriação dos elementos de diferentes épocas da civilização, e a cultura em Cuba faz diferentes apropriações de elementos nacionais que se mesclam e resultam em algo novo, que não é a vanguarda plástica dos anos 1920 e 1930, é outra coisa.

MF: Você não dialoga com as novas tendências?

RL: Há um momento que o criador se adapta ao transcurso do tempo, não racionaliza. Estou falando por mim. Nas coisas que ele [David] viveu com essa nova arte, existe uma identificação, um choque. Comigo, o que há é um choque de gerações, eu não posso mudar e pintar como se pinta agora. Estou sensivelmente amarrado: não posso fazer essa coisa que descreveu o David, que são coisas que ele faz, mas eu não posso. Eu estou parado aonde cheguei e, agora, estou amarrado em minha obra. Parti da pintura rupestre e fui me desenvolvendo até a época do realismo, da qual pude desfrutar. A partir daí, comecei a buscar meu estilo, minha forma, minhas coisas, que não se parecem com ninguém.

MF: Quanto aos materiais, quais você prefere? Por quê?

RL: Uso somente o acrílico sobre tela ou cartolina. O óleo demora muito para secar, eu luto contra o tempo e a morte. O tempo é implacável. Sou um homem velho, preciso pintar, pintar, pintar. Não posso esperar tanto.

MF: Você vê alguém influenciado por seu trabalho? Tem discípulos?

RL: Não tenho discípulos, mas num determinado momento tive amigos que se sentiam influenciados.

MF: É Gabriel García Márquez nesse retrato aí na parede?

RL: Conheci García Márquez numa feira de livros, onde estava expondo minha obra. Ele estava no pavilhão da Colômbia, vizinho ao pavilhão de Cuba, e José Ángel Leyva, poeta mexicano e amigo querido, disse-me: “tenho uma surpresa aqui”. Ele me chamou e me apresentou a Márquez. O escritor pôs a mão em meu peito e disse que gostava muito dos cubanos e me deu um livro. Foi isso, essa foi minha pequena relação com ele [risos].

MF: Como é a relação de sua arte com a crítica?

RL: Bem, em Cuba há uma carência muito grande de críticos de artes plásticas, e eu penso que, no entanto, sempre fui bem tratado, com artigos bons e interessantes, que aparecem de quando em quando, mas, realmente, aqueles que podemos chamar de críticos de artes plásticas são muito poucos.

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Sem título (foto de Marcelo Flores)

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Leia uma entrevista com o poeta cubano Rolando Sanchez Mejías em sibila English e poemas da cubana Reina Maria Rodrigues em sibila English.

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