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POEMAS

Fim de novembro

novembro termina antes de começar
e a noite já se aninhou
na cama do dia e na minha também
tomando o seu lugar

chove no campo
você volta para mim sem ter partido
e a mesma dúvida estende sua mão para nós

meu único ouvido desperto é ainda o meu olfato
que lembra a si mesmo o farfalhar da sua pele
e só posso ver vê-la com meus olhos fechados
através da luz filtrada

é apenas a distância que nos põe um diante do outro
ausência perto de ausência
e então a espreita com que mutuamente nos ignoramos
começa sua procura

 

Petrarca na estação ferroviária de Avignon

Petrarca na estação de Avignon e o rosto de Laura
refletido por um instante na janela do trem que passa
linha paralela

vinte anos de amor celestial
com cansativos trens de um lado para outro entre Vaucluse Paris Gante Liège
Roma Pádua Veneza Praga Verona
onde logo chega a notícia da morte da Imaculada

em seguida vêm
outros dez anos de adoração ainda mais abstrata
depois de sua transferência para a mão direita do Pai

agora cansado da sua persistência
ele reclama ter-se abandonado à tempestade da sua paixão

se pelo menos ela fosse
algo além de aperfeiçoamento do mero vício de esperar
instigado pela representação

(abundantes temas figurativos sobretudo nas bancas de jornais
da estação
em prateleiras menos acessíveis supervisionadas
pelos olhos da câmara)

… e depois nada mais da alegria aumentada
apenas pela inanição
somada à saudade
que transforma o desejo em amor despojado de erotismo
aperfeiçoando-se como ausência
na infinita tentação

valete fratres

 

Traduções: Sonia Coutinho

 

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Dinu Flămând nasceu na Roménia a 24 deJunho 1947, em Susenii Bârgaului, aldeia no Norte da Transilvânia. Começou os seus estudos na aldeia natal, a seguir em Brasov, e licenciou-se em letras em 1970, na Faculdade de Fililogia de Cluj-Napoca.

Participa nos anos de estudante na criação da revista Equinox em torno da qual se agrupará durante várias décadas um dos mais importantes movimentos literários da Roménia, marcado desde o início pelo espírito anti-dogmático e pela abertura a valores humanistas universais. Colocado em Bucareste, trabalha para diversas editoras e revistas literárias, entre as quais a Editora Enciclopédica, Amfiteatru e Secolul 20. Publica nessa época poesia, ensaio, reportagens e artigos de crítica literária mas, à medida que o clima político e cultural tende a se tornar-se cada vez mais sufocante e o controlo da censura  a esmagar qualquer manisfestação de originalidade ou independência, orienta-se cada vez mais para traduções de grandes poetas como Fernando Pessoa, César Vallejo, Carlos Drummond de Andrade, Umberto Saba, Samuel Beckett, Pablo Neruda, Martin Booth, Herberto Helder, Miguel Torga, Sophia de Mello, Michel Deguy e outros – alguns deles incluídos numa antologia de poesia latino-americana, publicada nos anos 80 em colaboração com o poeta chileno Omar Lara.. Lança-se em 1971, com o volume de versos  Apeiron, seguido de  Poezii (1974) e Altoiuri (1976). Com Stare de asediu (1983) o tom da sua poesia torna-se mais polémico e a crítica ao regime repressivo mais transparente, de onde resulta que a censura impõe numerosos cortes, deformações  ou mesmo supressões nos seus textos. Continua presente através de comentários literários, e publica dois livros de crítica: Introdução à obra de G.Bacovia (1981), um dos maiores simbolistas romenos, mais tarde comparado a Pessanha, num artigo publicado em Portugal pela revista Nova Renascença, vol. IX, 1989, e  A intimidade do texto, em 1985.

Obtém em 1985 uma bolsa da Fundação Gulbenkian, e começa a tradução sistemática da obra de Fernando Pessoa, que só será publicada após a queda do regima comunista na Roménia. Um segundo convite a Portugal dá-lhe a possibilidade de no caminho do regresso ficar em Paris, onde em Março de 1989 lhe é concedido asilo político, e denuncia na imprensa francesa o regime opressivo do seu país. Após colaboração com os postos de rádio Free Europe e BBC, é actualmente jornalista  em Paris, na Rádio France International..

A recolha de poesia Viaţă de probă (1989), com numerosos poemas inéditos e poemas restituídos em versão não censurada, que publica na Roménia depois da mudança de regime, marca a sua reintegração na paisagem literária do país natal.Seguir-se-ão os volumes Dincolo (2000),  em edição bilingue, com tradução para francês de Pierre Drogi e ilustrações de Neculai Paduraru, Migraţia pietrelor, uma antologia (2001), com uma segunda edição em 2004, Tags (2002), Grădini (2005), em edição bilingue romena-francesa, com tradução de Claudia Fontu e Frigul intermediar, (2006). Uma parte do volume Stare de asediu foi publicado em Madrid em 1989, com o mesmo título de Estado de sitio, traduzido por Omar Lara, uma antologia poética bilingue, Poèmes en apnée foi editada em Paris (2004) pelas edições La Différence, com tradução francesa de Pierre Drogi, e a editora Tipomur de Tîrgu Mureş (Roménia)  publicou outra antologia, In the Refracting Real, sendo a tradução para inglês da autoria de Olga Dunca.

Recebeu prémios da União dos Escritores da Roménia  pela sua poesia e igualmente pela tradução do Livro do desassossego, assim como o prémio nacional Frontiera Poesis. Publica regularmente em revistas literárias e em jornais diários na Roménia e no estrangeiro, e traduziu ainda livros de Jorges Semprun, Philippe Sollers, Jean-Claude Guillebaud etc.,  tendo prefaciado traduções para romeno de Jean-Louis Curtis, Pascal Quignard e António Lobo Antunes.

 

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Gosto da poesia de Dinu por sua sinceridade, que a situa para além dos modismos.  Embora às vezes possa parecer “discursiva”, cada palavra é procurada com muito cuidado. Ele usa elipses, frases interrompidas, que se chocam, alcançando uma espécie de nonsense.  Na verdade, a poesia de Dinu Flamand tem a ver com sua resistência pessoal à ditadura comunista de N. Ceausescu. Na Romênia, seu trabalho é considerado numa tradição de resistência à pressão uniformizadora às variadas formas de censura do regime ditatorial. Sonia Coutinho

 

O julgamento de Ceaucescu

 

It is a long way, from the smouldering revolt, perceptible in his first poems, to the sarcasms and violent tone in State of Siege, or Life on Trial. A path that is also evident in this anthology, despite the fact that the erotic themes prevail here. Ultimately, love is also deformed by the ‘refraction’ to which the social couple is subject. From this point of view, this anthology, unusual because of the options to which the selection signed by Olga Dunca resorts, is an unexpected secret door, open towards the inside of the same state of discomfort that defines the poetry of  Dinu Flămând.

The work of Dinu Flămând could not be aligned to a strict, exclusive topos; his themes are constantly getting richer, even if the x-ray of feelings replays some obsessive reasons, as you can see from this anthology. After more than 17 years of publishing books at home, followed by as many years of writing in exile, his poetry has remained indebted to maladjustment. Nevertheless, on all the meridians where his existence has led him, the poet has kept safe for himself a spiritual matrix easily identifiable, born from the tension of the unstoppable and of the suppressed inhibitions. His poetry comes from a continuous ‘state of siege’, from a never-ending ‘crisis’, because ‘nobody knows himself’’.

a work hard to be ignored and so much the less to be disputed, no matter how much vicious some critical tastes or literary policies would be. Exacting with himself, merciless with those wandering without a horizon in literature, Dinu Flămând has made himself be respected not only through his verb, but also through his ironic smile that has a real judgement of value.

The poems from Apeiron, 1971, Poems, 1974, Cuttings, 1976, State of Siege, 1983, Life on Trial, 1998, The Migration of Stones, 2000, 2004, bilingual editions On the Other Side / De l’autre côté, 2000, Circular / Circulaire, 2002, Upright Landscapes / Peysages Verticaux, 2003, Poems in Apnee / Poèmes en apnée, 2004, Gardens / Jardins, 2005, or translations exclusively, Estado de sitio, in Spanish by Omar Lara, 1984, the criticism and essaysm in Introduction to the George Bacovia Poetry, 1981, The Intimacy of the Text, 1985, translations into Romanian from Martic Booth, The Insidious Pollen, 1977, 20 Latin-American Poets (in colaboration with Omar Lara ) 1983, Fernando Pessoa, The Book of Restlessness, 2 volumes, 2002, Philippe Sollers, The War of the Taste, 2002, Jorge Semprun, The Needed Dead, 2002, Dominique de Villepin, Napoleon, Those one Hundred Days or The Spirit of Sacrifice, 2003, Fernando Pessoa, Odes et autros poemas / Odes and other Poems, 2004, Samuel Beckett, Poèmes / Poems, 2004, hundreds of articles scattered throughout various publications give the measure of a writer of great scope and force, a beneficiary of critical appreciations signed by specialists in Romania and abroad.

Nicolae Baciut


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