Tradução incompleta
Speech is the twin of my vision
Walt Whitman
(Esperamos acrescentar no futuro mais gnomas a esta série, por enquanto incompleta; as palavras entre parênteses sob cada gnoma — às vezes pedaços de palavras — são os resquícios preciosos a partir dos quais pudemos reconstituir as sentenças originais na sua almejada “plenitude”)
1. Um alien trota no inverno //
tripas frias enroladas na areia.
(LOGOS)
2. O alien descasca o jardim //
unhas crescidas de bebê arranham.
(U HA CR)
3. Cores vão tirando as meias.
(A C)
4. A folhagem gargalha
como se tocassem
a sua barriga escura.
(RRI)
5. Ondas amanhecidas absorvem
bocados de claridade / mansamente.
(D I)
6. Findo o dia, o sol
ainda bem alto /
no rastro alaranjado do jato.
(N RT)
7. A névoa ensaboa o morro
que mira / encolhido / o mar
embaixo enrolado / como mangueira.
(ESFOLADA)
8. O rabo do cão interroga /
exclama.
(EX)
9. A lâmpada que falha /
é uma borboleta branca.
(B RB L)
10. As asas abertas /
sem ondulações / do urubu alisam turbulências.
(E ON U)
11. O Continente corre no horizonte
como raiz, seu tronco cerrado rente ao chão.
(CO AIZ)
12. Ó, Oh, Ô!
(O)
13. Úmidas na areia / crianças
de cócoras contra o sol baixo / efervescente.
(AL PASAR EL ARROYO IMAGINARIO)
14. (A quem profetiza Heráclito?) Ao jardineiro
que carrega folhas, galhos e parece abraçar
farto animal morto.
(HER LITO)
15. Um galho inclinado
retém (dionisíaco) gotas
prontas pra cair.
(P ONT)
16. A gaivota toma a luz do poste
quando incendeia seu vôo calmo —
que se apaga aos poucos como um holofote.
(E SE A)
17. A folha corre e se prende numa teia de rastros na areia.
(A F LH)
18. A gaivota no chão / emerge das asas como de um saco //
o seu breu.
(L IVRE)
19. No vaso de lábio grosso se remexe
um bolo de folhas.
(O B)
20. Raízes brancas se espalham por cima do mar /
podadas.
(P)
21. Pássaros na enseada //
atrás os montes /
param de ondular / abatidos.
(S M E PA)
22. Como se abrisse um estojo
o jardineiro levanta a grade de ferro
pra tirar folhas secas.
(IGUAIS?)
23. A borboleta maquia o mormaço
voando como folha no vento.
(VAI E VEM SOB E DESCE TORNA A SUBIR E TORNA A DESCER)
24. Sob trovões o jardineiro agachado
recolhe da grama frutinhas murchas que guarda
num saco de plástico escuro.
(U S C)
25. A luz fresca se vai fechando na grama como um alicate.
(LUSCO)
26. Como faróis de automóvel o sol
percorre de súbito as lajotas e de novo se retira //
a carroceria forrada de cobertas entra de ré no pátio.
(A C)
27. Na madrugada as luzes de dois barcos
refletidas na água se afastam como zíper
abrindo o escuro.
(SE A)
28. Gotas recentes, pacíficas /
uma / diferente / se estira como arranhão
na vidraça.
(DE MA)
29. …
… /
…
( / )
30. O galho nada às vezes como peixe que / sem avançar /
se desmontasse / espalhando escamas e espinhas ao redor / e depois
outra vez se refizesse para subir e descer mais / no mesmo lugar.
(A VEZ)
31.
32. O nome de Zeus sai // o colorido
sem aderência desgruda da paisagem obscura.
(NOME Z)
33. Numa faixa escura do mar o barco corre
como num asfalto.
(COM)
34. Ao lado de gaivotas (ausentes)
uma flâmula se agita como um pássaro que coçasse
obsessivamente o próprio peito com o bico.
(OBS)
35. No alto de uma escada apoiada na palmeira o jardineiro
primeiro examina e depois puxa uma pequena peça escura /
fita adesiva que não gruda mais ramos
no tronco.
(NÔ)
36.
37.
38. Tales / fala-se / viu / reclinado no chão / um carro de mão
que carregava apenas luz como uma capa.
(TALES)
39. Em Priene morava Bias / filho de Teutanes / coroava-o
uma espuma que o vento não lhe roubou jamais.
(EM PRIENE MORAVA BIAS FILHO DE TEUTANES)
40. O holofote se acende — uma cega tesoura
na névoa / não corta esse pergaminho esgarçado que Hesíodo
e Pitágoras / Xenófanes e Hecateu não retiveram.
(HES ODO E P)
41. Em câmera lenta a névoa alta passa
diante do holofote como bandeiras de uma torcida.
(AVANTE)
42. Homero / vestido de negro / inclina-se na canoa
como ave migratória num pedaço solto de madeira.
Também Arquílico.
(HOMER ARQU LIC)
43. As sombras das palmas descem
até o chão circulando o tronco alto
como raízes expostas /
a palmeira se ergue do chão / autônoma.
(THE PALM STANDS ON THE EDGE OF SPACE)
44. A linha limítrofe é estendida
à frente pelos dedos das mãos.
(FR)
45.
46.
47. O pássaro que o vento lança olha
pra baixo / não pisca / o bico curvo fechado /
se levantam raras penas que tremem.
(SS R)
48.
49. A gaivota empurra pra frente
um edifício e desliza pelo céu desobstruído.
(UM)
49a.
50. O Logos (…).
(Alien)
51.
52. A pedra deixada num banco de madeira /
o rastro de uma criança.
(O R S)
53.
54.
55.
56. Homero / o mais sagaz / pensou ver a moita
deitar-se como uma galinha ao sol / recolhendo
a sombra sob as penas eriçadas.
(SOMBRA S)
57. Um galho ofegante fora do vento: Hesíodo / o mestre.
(HES OD)
58.
59.
60.
61.
62.
63.
64. Como uma torcida a folhagem acompanha o vento
que se joga ao chão em meio a
serpentinas furibundas.
(IOS URI)
65.
66.
67.
67a.
68.
69.
70.
71.
72.
73.
74.
75.
76.
77. Como esfregão mole e úmido a folhagem passa
a luz no muro manchado.
(C O E)
78.
79.
80.
81.
82.
83.
84.
84a.
84b.
85.
86.
87.
88.
(…)
123. O velho cadeado chupa o pé fortemente / fechando a grade.
(MENTE)
Etc. Etc.
Sérgio Medeiros é autor de três livros de poesia e tradutor do poema maia Popol Vuh (Iluminuras, São Paulo, 2007)
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