Três fragmentos de Galáxias*
multitudinous seas incarnadine o oceano oco e regougo a proa abrindo um
sulco a popa deixando um sulco como uma lavra de lazúli uma cicatriz
contínua na polpa violeta do oceano se abrindo como uma vulva violeta
a turva vulva violeta do oceano óinopa pónton cor de vinho ou cor de
ferrugem conforme o sol batendo no refluxo de espumas o mar multitudinário
miúdas migalhas farinha de água salina na ponta das maretas esfarelando
ao vento iris nuntia junonis cambiando suas plumas mas o mar mas a escuma
mas a espuma mas a espumaescuma do mar recomeçado e recomeçando
o tempo abolido no verde vário no aquário equóreo o verde flore
como uma árvore de verde e se vê é azul é roxo é púrpura é iodo é de
novo verde glauco verde infestado de azuis e súlfur e pérola e púrpur
mas o mar mas o mar polifluente se ensafirando a turquesa se abrindo
deiscente como um fruto que abre e apodrece em roxoamarelo pus de sumo
e polpa e vurmo e goma e mel e fel mas o mar depois do mar depois do mar
o mar ainda poliglauco polifosfóreo noturno agora sob estrelas extremas
mas liso e negro como uma pele de fera um cetim de fera um macio de
pantera o mar polipantera torcendo músculos lúbricos sob estrelas
trêmulas o mar como um livro rigoroso e gratuito como esse livro onde
ele é absoluto de azul esse livro que se folha e refolha que se dobra
e desdobra nele pele sob pele pli selon pli o mar poliestentóreo
também oceano maroceano soprando espondeus homéreos como uma verde
bexiga de plástico enfunada o mar cor de urina sujo de salsugem e de
marugem de negrugem e de ferrugem o mar mareado a água gorda do mar
marasmo placenta plácida ao sol chocada o mar manchado quarando ao
sol lençol do mar mas agora mas aurora e o liso se reparte sob veios
vinho a hora poliflui no azul verde e discorre e recorre e corre e
entrecorre como um livro polilendo-se polilido sob a primeira tinta
da aurora agora o rosício roçar rosa da dedirrósea agora aurora pois
o mar remora demora na hora na paragem da hora e de novo recolhe sua
safra de verdes como se águas fossem redes e sua ceifa de azuis como
se um fosse plus fosse dois fosse três fosse mil verdes vezes verde
vide azul mas o mar reverte mas o mar verte mas o mar é-se como o
aberto de um livro aberto e esse aberto é o livro que ao mar reverte
e o mar converte pois de mar se trata do mar que bate sua nata de
escuma se eu lhe disser que o mar começa você dirá que ele cessa se eu
lhe disser que ele avança você dirá que ele cansa se eu lhe disser
que ele fala você dirá que ele cala e tudo será o mar e nada será o mar
o mar mesmo aberto atrás da popa como uma fruta roxa uma vulva frouxa
no seu mel de orgasmo no seu mal de espasmo o mar gárgulo e gargáreo
gorjeando gárrulo esse mar esse mar livro esse livro mar marcado e
vário murchado e flóreo multitudinoso mar purpúreo marúleo mar azúleo e
mas e pois e depois e agora e se e embora e quando e outrora e mais e
ademais mareando marujando marlunando marlevando marsoando polúphloisbos
multitudinous seas incarnadine the hollow sea yowls the prow opening a
furrow the stern leaving a wake behind it like a plow carving lazuli a continuous
scar the purple pulp of the ocean opening like a violet vulva
the murky violet vulva of the ocean óinopa pónton wine-dark or rust-
faced depending on the angle of the sun on the ebb and flow of foam the sea
multitudinous tiny crumbs spatter of saline water on the crests of ripples crumbling
in the wind iris nuntia junonis shedding plumage but the sea but the scum
but the foam the foamscum of the sea begun again and beginning
time abolished in the varied verdure of the aqueous aquarium green blooming
like a tree of green and is seen is blue is violet purple iodine and again
is green glaucous green infested with blues and sulfur pearl and purple
but the sea but the sea polyfluent sapphiring the turquoise opening up
dehiscent like a fruit bursting open and rotting into purpleyellow pus from juice
and pulp and purulence gum honey and gall but the sea after sea after sea
the sea still polyglaucous polyphosphorous nocturnal now under uttermost stars
yet smooth and black like an animal pelt wild animal satin skin a panther
silk the sea a polypanther twisting erotic muscles under shimmering
stars the sea like a rigorous book given freely like a book where
it is the absolute of blue a book leafed through and through folding and
unfolding on it skin under pelt pli selon pli polystentorean sea
also the sea oceansea puffing out homeric spondees like a green
plastic bladder all puffed up urine-colored sea sodden with saline mud and
seaweed black slush black rust the seasick sea the fat water of the sea
stagnant placid placenta in the sun hatching the soiled sea blanching
in the sun sheet of the sea but now but dawn and smoothness spreads under veins
burgundy the hour multiflowing into blue green and slowly flows slowly grows
inflowing like a book multireading itself multiread under the first ink
of dawn now the rose-tinted roseate caress of the rosy-fingered dawn now for
the sea lingers lags delayed in the hour in the halt of the hour and gathers again its
harvest of verdure as if waters were nets and reaping its blues as if
one multiplied was two was three was a thousand green times green
grapevine blue seen but the sea turns the sea returns but the sea being itself like the
opening of an open book for that opening is the book that to sea returns
and in turn the sea upturns for its subject-matter is the sea the sea that churns its buttery
foam cream of scum and if i told you the sea begins you’d say it ends and if i
told you it moves you’d disapprove and if i told you it speaks
you’d disagree and the sea will be all and the sea will be nought
the sea itself open and trailing the stern like a purple fruit a flabby vulva
in its honey orgasm in its hurting spasm the sea a gurgling gargoyle
warbling garrulous that sea that book sea that sea book branded and
various withered and florid multitudinous sea incarnadine cerulean sea bluesea and
if and but and then and now and whether and though and when and yore and more
moreover seasicking seaspinning seamooning searising polyboisterous polúphloisbos
o que mais vejo aqui neste papel é o vazio do papel se redobrando escorpião
de palavras que se reprega sobre si mesmo e a cárie escancárie que faz
quando as palavras vazam de seu vazio o escorpião tem uma unha aguda de
palavras e seu pontaço ferra o silêncio unha o silêncio uno unho escrever
sobre o não escrever e quando este vazio mais se densa e dança e tensa
seus arabescos entre escrito e excrito tremendo a treliça de avessos
branco excremento de aranhas supressas suspensas silêncio onde o eu se
mesma e mesmirando ensimesma emmimmesmando filipêndula de texto extexto
por isso escrevo rescrevo cravo no vazio os grifos desse texto os garfos
as garras e da fábula só fica o finar da fábula o finir da fábula o
finíssono da que em vazio transvasa o que mais vejo aqui é o papel que
escalpo a polpa das palavras do papel que expalpo os brancos palpos do
telaranha papel que desses fios se tece dos fios das aranhas surpresas
sorrelfas supressas pois assim é o silêncio e da mais mínima margem
da mais nuga nica margem de nadanunca orilha ourela orla da palavra
o silêncio golfa o silêncio glória o silêncio gala e o vazio restaura
o vazio que eu mais vejo aqui neste cós de livro onde a viagem faz-se
nesse nó do livro onde a viagem falha e falindo se fala onde a viagem
é poalha de fábula sobre o nada é poeira levantada é ímã na limalha
e se você quer o fácil eu requeiro o difícil e se o fácil te é grácil
o difícil é arisco e se você quer o visto eu prefiro o imprevisto e
onde o fácil é teu álibi o difícil é meu risco pensar o silêncio que
trava por detrás das palavras pensar este silêncio que cobre os poros
das coisas como um ouro e nos mostra o oco das coisas que sufoca desse
ouro pensar de novo o silêncio corpo áureo onde tudo se exaure as
sufocadas solfataras as guelras paradas desse espaço sem palavras
de que o livro faz-se como a viagem faz-se ranhura entre nada e nada
e esta ranhura é a fábula a dobra que se desprega e se prega de sua
dobra mas se dobra e desdobra como um duplo da obra de onde o silêncio
olha quando um cisco no olho do silêncio é fábula e esse cisco é meu
risco é este livro que arrisco a fábula como um cisco como um círculo
de visgo onde o cisco se envisga e o silêncio o fisga manual de vazios
por onde passa o vazio o que mais vejo aqui neste papel é o calado
branco a córnea branca do nada que é o tudo estagnado e a fábrica de
letras dactiloletras como um lodo assomado mas por baixo é o calado
do branco não tocado que as letras dactilonegam negram sonegam
e por que escrever por que render o branco como turnos de negro e o negro
com turnos de branco esse diurnoturno rodízio de vazio e
pleno de cala e fala de fala e falha o escorpião crava a unha em si
mesmo sensimesmovenena de anverso e avesso mas o texto resiste o texto
reprega o texto replica seu anverso dispersa seu avesso já é texto
o que mais vejo aqui é o inviso do ver que se revista e se revisa para
não dar-se à vista mas que se vê vê-se é essa cárie cardial do branco
que se esbranca o escrever do escrever e escrevivo escrevivente
what i mostly see here on this paper is the emptiness of paper folding over scorpion
of words folding over itself and the cavernous cavity it forms
when words empty out from their emptiness the scorpion has a sharp nail of
words and its sting brands silence nails through silence in the singular i nail writing
about not writing and when this emptiness turns dense and dances and tenses
over its arabesques between scripted and ex-scripted trembling trellises in reverse
white excrement of suppressed suspended spiders silence where the i
selves itself selfsighting enselves inmyselfselving hangingthread of text ex-text
that’s why i write rewrite nail in the nought the font of this text the fork
the fiendish fingers and of fables what follows is finishing fables finite fables the
finunison of the one overflowing in emptiness what i mostly see here is this paper that
i scalp the pulp of words on paper i expalpate the blank palpus of a
cobweb paper woven from those threads from the webs of surprised spiders
sneakily suppressed for thus is silence and from the smallest margin
from the smallest trivial trifling margin of nevernothing rim brim border of the word
silence gushes out glorious silence rushes out silence begets and emptiness restores
the emptiness i mostly see here in this waistband book where the journey happens
in the knot of the book where the journey fails and in failing one speaks where the journey
is fable dust floating over nothingness is stirred up dust is magnet amid filings
and if you prefer the facile i summon the difficult when you find the facile graceful
the difficult is fierce and if you prefer the seen i favor the unforeseen and
where the facile is your alibi the difficult is my risk thinking the silence that’s
stuck behind words thinking this silence that fills up the pores
of things like a kind of gold and shows us the hollows of words choked by that
gold thinking again the silence golden body where everything wears out the
suffocated solfataras the motionless gills of that wordless space
the book is made of like the journey makes itself a crack between nothing and nil
and the crack is the fable the hinge that unfastens and fastens on its
hinge but folds and unfolds two-fold like a double of the work where silence
peers from when a speck of dust in the eye of silence is fable and that speck is my
wreck is my risk it’s this book that i risk and the fable like a speck like a spiral
bait where the speck gets stuck in the hook of silence a handbook of voids
traversed by the void what i mostly see here on this paper is the silent
blank the white cornea of nothingness that is the stagnant all and the factory
of letters typewritten letters like mud oozing but beneath is the silence
of the blank untouched that the darktyped letters deny disguise disavow
and why write why surrender and render the white like shifts of black and the black
like shifts of white that daynightshift turning of emptiness and
full of silence and speech of speech and defeat the scorpion stings its nail on
itself initselfpoisons adversarial in reverse but the text resists the text
replies the text replicates its front disperses its back it’s already text
what i mostly see here is the unseen of seeing which is reviewed and revised so
it can’t be in view but which is seen one can see that is the cardiac cavity of the blank
which whitens itself the writing of writing and i livingwrite scribealive
tudo isto tem que ver com um suplício chinês que reveza seus quadros
em disposições geométricas pode não parecer mas cada palavra pratica
uma acupunctura com agulhas de prata especialmente afiladas e que
penetram um preciso ponto nesse tecido conjuntivo quando se lê não
se tem a impressão dessa ordem regendo a subcutânea presença das
agulhas mas ela existe e estabelece um sistema simpático de linfas
ninfas que se querem perpetuar por um simples contágio de significantes
essa torção de significados no instante esse deslizamento de superfícies
fônicas que por mínimos desvãos criam figuras de rociado rosicler
et volucres veneris mea turba columbae mas é também um suplício chinês
a vítima entre lâminas eróticas que cortam sem cortar tão finas como
plumas passando entre rodízios tinguunt gorgoneo de vento o sangue
não aflora contido em capilares preso em paredes venosas cuja textura
punica rostra lacu não foi afetada ou foi mas se mantém tacta e intangida
intangida depois um impulso um sopro um alento um deslocar de coluna de
ar e a cabeça rola rompido seu instável equilíbrio por uma exígua
navalha de éter mas é você lapso e relapso você quem move os gonzos
desse acaso os ábacos desse jogo de avelórios um homem-pena como diria
summus juice me poenitet homopluma ele está sentado ratoneiro de
ratoletras e não se manca de seu estéreo dourado uma sopa de letrias
que baba como bulha-à-bessa alhos migalhas bugalhos o argueiro no olho
alheio a trave no olho nosso a carocha o caroço o osso o caruncho tudo
isso e mais chicória alfavaca alperche alquequenje alius aliter fervem
nesse caldo de nostrademo futurando o postrêmio assim quando ele tem
eólica de rins vai-se ver e é uma eólica de runas uma melancólica
de belasletras deletreadas em tritos detritos a ourina pelos ureteres
calcificou em calcário de ur e pelos cânulos ouripingou um ouro-pigmento
mais venimoso que sulfurgueto de armênio vademecum vaderetro sassafrásio
ele esta personagem non grata tendo o livro por menagem se compraz em
crisoprásio atende pelo vulgo de bocadouro e pelo invulgo de crisóstomo
enquanto excreta crispando-se seus crisólitos crisográficos ninguém se
espante porém com tais crocidismos crocodilares quando estiver deveras
extremungido e limpo de letras e lastros vai fazer o morto mudo e mouco
feito um oco então nostrademo cacofante descriptará os renogramas pétreos
cacata carta na frase de catúlio cat-face e se ouvirá o seu testremento
acolhido por uma palma de salvas fiat jus era uma vez o entremez
do último céu que vem a ser o céu do céu caem esses fios de luz que
se prendem entre o visível e o invisível poderia ser hagoromo o manto
de penas urdindo-se da luz dançada pelo anjo ou um vento que deixasse
congelar suas arestas seus vértices seus vórtices em profilaturas
filiformes o âmbito tem qualquer coisa de estelário nas lucilações
provocadas por um desgarre súbito de pontos migratórios depois não se vê
mais nada porque a vista pára num poro entre visto e invisto onde o
visível gesta vai daí a cabeça rompido o equilíbrio descabeça e cai
all this has to do with a chinese torture that switches around its paintings
in graphic arrangements it may not seem so but each word practices
an acupuncture with specially sharpened silver needles that
pierce a precise point in that conjunctive tissue when you read it you
don’t get the impression that that order governs the subcutaneous presence of
those needles but it is there and it establishes a sympathetic system of lymph
nymphs who want to perpetuate themselves through mere contagious contact with signifiers
that torsion of signifieds in the instant that sliding and slippage of phonic
surfaces that through minute attics create a rosy-colored dew figures
et volucres veneris mea turba columbae but it’s also a chinese torture
the victim between erotic blades that cut without cutting feather-
thin going through water wheels tinguunt gorgoneo of wind the blood
does not flow collected in capillaries walled in by vessel walls whose texture
punica rostra lacu was not affected or was but remains touched and intangible
untouched after an impulse a breath a blow a dislocation of the air
column and the head rolls its delicate balance broken by a thin
ether blade but it is you lapsing and relapsing you the one who moves the joints
of chance the abacus of the glass bead game a plume-man as they say
summus juice me poenitet homoplume featherman he is sitting there a rat pilferer of
pilphabets and doesn’t realize the blunder of his golden manure an alphabet soup
frothing over like a bull-ah-base bubbles like another kettle of fish the speck in your
brother’s eye the plank in our own eye the core the cone the cap the bone the rot all
that plus chicory basil apricot chinese lantern bladder-berry alius aliter boils
in that brew of nostradamus futuring the posterior that way when he has
kidney colic pain they look and it’s a runic pain a melancholic pain of
unlettered belle-lettres in trite detritus goldenurine through urethras
calcified into chaldean limestone and through the canules a gold-picrocodigment
goldripped more poisonous than armenium sulphurgite vademecum vaderetro sassafras
he this non grata black sheep having the book as keep and fortress delights in
chrysoprase goes by the common name of goldenmouth and by the learned one of
chrysostom while he excretes crinkling his chrysolite chrysographisms but let no
one be fooled by such crocodilian crocodisms when he’s finally truly
extrameunctioned and clean from ballast and belles-lettres he’ll play dead deaf and dumb
like a hole then nostradamus cacophant will decrypt the stone rhenograms
cacata carta bumf bum-fodder in the phrase by catullius cat-face and his textcrement will be heard
will be greeted by applause fiat jus once upon a time there was the intermezzo
of the ultimate heaven which is the heaven of heavens fall those light beams that
get stuck between the visible and the invisible it could be hagoromo the feather
cloak weaving itself from the light danced by angel or a wind that would let its
spires freeze its vertices its vortices in filiform profilaments
the ambience has a starry quality in its lucillations caused
by a sudden tearing of migratory points then you can’t see anything
else because your gaze pauses on the pore between seen and unseen where the
visible gestates from there the head goes its balance lost and plunges beheaded headfirst
Tradução: Odile Cisneros
Do livro homônimo publicado pela Ugly Duckling Press nos Estados Unidos
https://uglyducklingpresse.org/
Who was Haroldo de Campos: Haroldo de Campos – Wikipedia