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Poemas da covid

Epitáfio

De novo se conecta
noite, agora na sala
diante de uma tela
talvez ouça o eco da canção da banda

Privatized futures
dia após dia
da sala para o quarto
e vice-versa sem atalhos

Enterros, covas coletivas,
outra hipótese, se for top,
epitáfio, uma lápide
à la carte, pó de estrelas nos olhos

Decolagem

Fedor
Urubus bicam dedos
bicam unhas, braços
pra fora da cova
ambulância
os caras descarregam
outro corpo
esse morreu afogado em seco,
no leito do hospital
a escavadeira lança
terra vermelha
na vala comum
uma sucessão de cruzes
feitas às pressas
verdes, brancas, azuis,
pontiagudas
um deles decola súbito
cabeça erguida, implume,
entre pás e enxadas
ramalhetes de flores
rastro de pus no azul

Álvaro de Campos

Acendes um cigarro para adiar a viagem
mas não tens oásis,
só tens destino e realidade
Não és mais o menino que sucedeste por erro
Estás, de verdade, em algum portão de embarque
Verdadeiro ou produto de tua arte
Não adianta ergueres em ti todos os Césares
para atrasares os relógios do cosmos ou a viagem
Ou repetires: “Adia-te, adia-te”
Grandes, como dizes, são os desertos
e tudo é mesmo parábola ou deserto
Todavia, um ínfimo vírus,
como não querias ou imaginavas,
acelera súbito os motores do universo.


 Sobre Régis Bonvicino

Poeta, autor, entre outros de Até agora (Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo), e diretor da revista Sibila.