Skip to main content

Um poema de Flávio Viegas Amoreira

Pagar

 

O poeta tem boletos

e pagar antes que solva o tempo

o da poesia volte

sem se distraia de tanto sente

de amiudar o verso rente

nunca descansar do estro

ainda que sobre a mesa com a pena em riste

o poeta acumule as contas

porque não desdenhe o preço

o poeta tem boletos

não sobe aos palanques

ojeriza a cerimônias oficiais

sem cargo comissionado

nem fé em algum rumo certo

quem sabe uma sinecura

que lhe seja préstimo

os prazos prenhes

alguns desejos pressurosos

arroubos fesceninos

 

não me venham com sermão sobre as dores do ofício

as torres

eremitérios

passa ao largo dos execráveis shoppings

vendilhões high techs

mas  não lhe tirem a breja nos botecos

 

a pluma afia como a espuma de casco verde

tal a chama do chouriço ordinário

o tremoço petiscando

eito um Mallarmé do tórrido balneário

e não cansa esboçar ingente verso a verso

grato pelo parco soldo

que arrefece a penúria da forçada solidão

o poeta tem boletos não fosse o quarto sala

despojado doutro luxo

não fosse o triunfo sobre a melancolia

spleen saciado por um gajo cibernético

para ter o direito de ficar em casa

ao longe ver o mar do cais em bruma

não que gaste tempo além do verso

mas ainda assim o poeta tem boletos

e precisa um canto para descrever sua ausência

ouriço renitente se aproximar nem tente

ainda que a rima tenha fácil

a lábia para vender um lápis

nenhuma outra habilidade

não há o que salve

como ganhar um puto !

onde ser útil

ao venal não há o que baste

o poeta tem boletos que “a dócil mão

ao toque arde

que a sorte acode

que ao tempo pague

viver de brisa

ao bem do eco pede.”


 Sobre Flavio Viegas Amoreira

Poeta, contista e crítico literário, Flávio Viegas Amoreira é das mais inventivas vozes da Nova Literatura Brasileira surgida na virada do século: a ‘’Geração 00’’. Utiliza forte experimentação formal e inovação de conteúdos, alternando gêneros diversos em sintaxe fragmentada. Aqui se publica poema de seu mais recente livro Des casulo.