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Haroldo de Campos: entrevista de Inês Oseki-Depré a Aurora Bernardini

Inês Oseki-Depré é professora e pesquisadora de tradução literária, semiologia e crítica no departamento de Literatura Comparada da Universidade de Provence, França onde coordena a pós-graduação e orienta mestrandos e doutorandos. É autora de traduções do francês para o português (Escritos, de Jacques Lacan, Algo:Preto, de Jacques Roubaud), do português para o francês (José de Alencar, Joao Guimarães Rosa, Ligia Fagundes Telles, Antonio Vieira, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Haroldo de Campos). Publicou várias obras sobre tradução literária (Traduction et Poésie; Théories et Pratiques de la traduction littéraire; De Walter Benjamin à nos jours). Realizou várias missões pedagógicas no exterior (Marrocos, Cuba, Vietnam, China, Portugal).

Nos últimos anos, tem feito visitas de trabalho a diferentes universidades brasileiras, sobretudo à Universidade Federal do Rio de Janeiro nas quais co-orienta um doutorado e à Universidade Federal de Santa Catarina.  Vem de publicar uma antologia de poesia brasileira na França https://sibila.com.br/critica/os-poetas-brasileiros-estao-vivos/15042 .

Nessa entrevista ela nos fala da correspondência de Haroldo de Campos a ela, recolhida no livro OSEKI-DÉPRÉ, Inês (org.). Cartas de Haroldo de Campos a Inês Oseki-Dépré (1967-2003). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2022.


 

Aurora Bernardini: “Um crítico vale pela qualidade de sua escolha, antes do que pela excelência de seus argumentos” (Haroldo de Campos, p. 76). Você sabe dizer por que Haroldo insistia nessa afirmação? Ele não confiava nas análises dos críticos? Sabe de algum caso?

Inês Oseki: A resposta à sua pergunta se encontra na própria carta de Haroldo de Campos. Ele louva o método empregado por Roland Barthes, que é “paramétrico”, uma crítica múltipla, e põe em questão o método estruturalista, muito na moda nos fins dos anos 1960, que permite uma análise completa e bem-feita mesmo de um mau poema. Por isso, o que conta é a qualidade do texto estudado mais do que o método ou os argumentos utilizados, o que é uma citação de Ezra Pound.

AB: “Ele trabalha mais artesanalmente [referindo-se a Butor], em elaboração e extensão, enquanto nós, mais radicais, trabalhamos no sentido de uma compreensão violenta, o perigo dele é de certo decorativismo de alto coturno, o nosso: le néant, o silêncio, nesse sentido somos mais os netos de Mallarmé que Butor (ainda representante do littérateur da tradução francesa). Como você entenderia esse “silêncio?”

IO: Penso que “Silêncio” tem dois sentidos para Haroldo de Campos.

Referindo-se ao Lance de dados, de Mallarmé, que Haroldo considera como a matriz da poesia concreta, ele diz: “A concepção de uma estrutura pluridividida ou capilarizada que caracteriza a constelação do poema de Mallarmé, derrubando a noção de desenvolvimento linear dividido em princípio-meio-fim em favor de uma organização circular do material poético, torna obsoleta toda a relojoaria rítmica que se baseia na ‘regra prática’ do hábito metrificador” – o que não é o caso de Michel Butor, saliente-se. Prossegue: “Desta verdadeira roseta verbal que é Un coup de dés emerge, como elemento primordial da organização rítmica, o silêncio…”.

Ou seja, na disposição gráfica do poema, os brancos que correspondem às pausas de leitura é que são polissêmicos. O outro sentido é fenomenológico: “O eidos – Un coup de dés n’abolira jamais le hasard (o lance de dados não abolirá jamais o acaso) – realiza-se através da elipse de temas periféricos à ‘coisa em si’ do poema…”.

Ou seja, na economia semântica, a elipse, a concentração.

AB: “O nosso Jakobson esteve aqui, em começo de março” [1971] — escreve Haroldo à página 117. “Maravilhoso e generosíssimo como sempre. Está muito desiludido com a atmosfera parisiense, sobretudo depois do sucedido com o pobre Benveniste, que era seu maior amigo, creio, na linguística francesa.” Sabe detalhes do que sucedeu a Benveniste?

IO: Benveniste sofreu um ataque cerebral e permaneceu muito tempo, de 1969 a 1976, ano de sua morte, afásico e internado, antes de falecer. Jakobson o visitava regularmente no hospital e tentava comunicar-se com o linguista francês, que, segundo ele, era o único linguista inovador e interessante da França. Haroldo, parece, tendia mais para os linguistas que para os críticos literários. Inclusive, em mais de uma ocasião afirma que o linguista Jakobson vale mais do que dez…? Me foge o final da comparação… Haroldo diz numa carta: “Ler um linguista como Jakobson vale sempre mais do que dez tomos de crítica literária normal, mesmo da aparentemente atualizada”.  Ele tinha grande amizade e muita consideração por Roman Jakobson que, contrariamente aos linguistas da época, se interessava muito pela literatura. O linguista permitiu, graças a vários de seus ensaios, penetrar na trama do texto literário, em particular em seu trabalho Linguistique et poétique, em que analisa as funções da linguagem e os critérios do que ele chama de literariedade.

AB: “Acho um perigo a dispersão em múltiplos interesses, embora eu mesmo seja um exemplo de homem multipartido (mas no meu caso, só como poeta, só o que me mantém vivo e trabalhando é cultivar uma curiosidade perene…)”, p. 82.

Você teve várias provas disso: teve ocasião de colaborar com Haroldo em outras iniciativas memoráveis que não fossem suas traduções (“você é minha tradutora predileta…”, p. 155) para o francês?

IO: Haroldo faz menção ao fato de que, além da minha tese de doutorado, que vim realizar na França enquanto bolsista, eu não pude recusar traduzir os Ecrits de Jacques Lacan que a Perspectiva me pediu (As circunstâncias são bem explicadas na entrevista publicada em Grampo Canoa, #1, outubro 2015). O paradoxo é que ele me fazia trabalhar traduzindo as Galáxias: acho que ele queria que eu me concentrasse no essencial.

AB: Quais eram, mais especificamente, as divergências de Haroldo em relação a Henri Meschonnic, aludidas à página 150, mas mencionadas mais vezes?

IO: As divergências entre os dois autores provêm dos diferentes pontos de vista. Para Haroldo, a tradução (impossível) se realiza na transcriação. Nesse sentido, o que prevalece é a forma, herança dos trabalhos de Roman Jakobson. Para Meschonnic, a tradução da forma remete a uma ideologia da qual ele quer escapar; para este último, a tradução implica um descentramento, não uma anexação. Ele leva em conta o contexto, ela é translinguística. Isso não impede que Haroldo seja muito admirativo diante das traduções bíblicas de Meschonnic, cuidadoso do “aspecto ritmopeico, rítmico-prosódico, do original hebraico” (1993, 2004a e 2004b). Guilherme Gontijo Flores consagrou um artigo a esse assunto: “Da tradução em sua crítica: Haroldo de Campos e Henri Meschonnic”, em Circuladô, Tradução como Criação e Crítica, ano IV, n. 5, 2016, pp. 9-24.

AB: Haroldo gostava da expressão “par délicatesse” que usava com muita ironia: “A Perspectiva, evidentemente (par délicatesse), não vai pagar o que não deve, ou seja, o que a Lei brasileira não lhe impõe” (p. 294). Mas em outra ocasião Haroldo falou também em “morte par délicatesse”, você lembra em que ocasião?

IO: Fora do contexto não tenho mais lembrança, désolée… Mas provém de uma citação de algum escritor ou poeta… [De “Chanson de la plus haute tour”, de Arthur Rimbaud.]

AB: Em seu posfácio, você diz: “Haroldo de Campos é antes de tudo um syntaxier, como Stéphane Mallarmé. Isso significa que em cada fragmento de Galáxias podem se isolar “frases” ou “elementos de frases” que permitem a compreensão do conjunto. Em outras palavras, para que a tradução seja possível, é necessário que uma certa significação possa ser extraída do texto (Haroldo: “Mallarmé foi um syntaxier que hauriu seus sintagmas absolutos na sintaxe latina”, p. 303.), cuja condição de possibilidade é sua organização sintáxica. Você exemplificaria para nossos alunos?

IO: Deixo aqui um extrato de um artigo que foi publicado pela revista Remate de Males, Campinas-SP, vol. 38, n. 2, pp. 477-501, em dezembro de 2018. “Tradução em ensaio (ensaio de tradução): uma hermenêutica do fazer”. Tudo está explicado, acrescento a análise da tradução de um fragmento:

 

[…] Os fragmentos escolhidos como suporte de minha reflexão sobre a tradução francesa do poema são os fragmentos 35 e 36, traduzidos em 1969. Essa escolha se deve à possibilidade de se apreender, graças à nossa correspondência, a progressão da passagem do texto português para o francês[1]. Se o processo tradutivo se fez sempre de maneira intuitiva, inclusive até os anos 1980-90, quando se começou a pensar na tradução como objeto das mais diversas teorias[2], posso dizer que meu modus operandi sempre foi o mesmo: o de uma literalidade literária, ou, para parodiar Ezra Pound, o de uma “liberdade mimética”. Durante esses vinte anos, meu método tradutivo manteve-se praticamente o mesmo, o que favoreceu a tradução de textos poéticos ou “intraduzíveis” (Galáxias, Iracema, Primeiras estórias, Escritos, de Jacques Lacan…) em detrimento de textos de prosa. Sem pretensão, minha tendência sempre foi o que Haroldo de Campos definiria como a “tradução isomórfica”: aquela que traduz o próprio signo em sua materialidade, ou, como ele diria, aquela que traduz a iconicidade do signo, lembrando Charles Morris.

A significação que se revela à leitura dos textos de Haroldo de Campos é a chave de uma tradução bem-sucedida, ela esclarece sem dúvida o texto e nossa apreensão do mesmo. Entenda-se por significação a organização do texto, o ritmo, a presença do sujeito, inventor. A compreensão do texto escrito se faz em várias etapas, das quais a mais evidente é a leitura sintáxica[3].

Assim, se o fragmento 36 contém em aparência uma única frase (ausência de pontuação, maiúsculas), as “proposições” são encadeadas e articuladas entre elas ou por uma pontuação ausente ou por um shifter (‘e’, raramente ‘mas’), e podemos recortá-lo em sete segmentos que correspondem a unidades de significação para facilitar a análise. Vejamos o incipit do fragmento 36:

 

eu sei que este papel está aqui e que não haverá ninguém nenhum outro (,)

nunca nenhures em nenhuma outra parte (,) ninguém para preenchê-lo em meu lugar// E isto poderá ser o fim do jogo MAS não haverá prelúdio nem interlúdio nem poslúdio neste jogo em que enfim estou a sós// nada conta senão esta minha gana de cobrir este papel…

 

A leitura sintáxica não coloca problemas de tradução. Em compensação, a significação, aparentemente clara, é ao mesmo tempo múltipla, os elementos de frase (proposições) podendo ser permutáveis, aumentados, suprimidos.

Duas são, portanto, as principais dificuldades da tradução:

– a significação das palavras, que são sempre remetidas a outros textos e/ou à vivência do escritor e nem sempre se encontram dicionarizadas;

– o ritmo que deve se manter na tradução[4], a musicalidade do conjunto, as sonoridades, a prosódia, as aliterações, paronomásias, que não são equivalentes nas duas línguas. Para Henri Meschonnic, o ritmo revela o sujeito do discurso poético: “O sentido sendo a atividade do sujeito da enunciação, o ritmo é organização do sujeito como discurso no e pelo seu discurso”[5].

 

A tradução: etapas

Se a organização sintáxica não oferece problemas maiores, é preciso, entretanto, segmentar a longa frase do fragmento em unidades significativas, no sentido semântico mas também prosódico. Significação não designa aqui o sentido (“a mensagem”) das frases, enigmático e polissêmico, “inessencialmente” traduzível, segundo Walter Benjamin. Com efeito, para o filósofo (“A tarefa do tradutor”[6]), “a traduzibilidade é, em essência, inerente a certas obras; isso não quer dizer que sua tradução seja essencial para elas mesmas, mas que determinado significado inerente aos originais se exprime na sua traduzibilidade” (Lages, 2008).

O ritmo do fragmento é construído sobre recorrências e paralelismos, essencialmente fonoprosódicos. No início, a predominância das nasais é evidente (não/ ninguém/ nunca/ nenhures/ nenhuma/ ninguém/ não/ nem/ nem/ enfim…) e a sequência é retomada por “nada conta”. A nasalização, além de retardar a frase, acentua a negação:

 

“eu sei que este papel está aqui e que não haverá ninguém nenhum outro (,)

nunca nenhures em nenhuma outra parte (,) ninguém para preenchê-lo em meu/lugar” […]”

 

que a tradução francesa enfraquece, uma vez que as nasais francesas não provocam a nasalização como o português:

 

“je sais que ce papier est là et qu’il n’y aura personne d’autre/jamais nullepart nulleplace ailleurs personne pour le remplir à ma/place”.

 

A nasalização vai sendo substituída progressivamente por sons mais “secos”, o sujeito da enunciação figura sua solidão através de sons secos, surdos:

 

[…] estou só e solto nato e morto nulo e outro neste afinal instante lance

em que me entrego todo porque este é o meu troco// e são vinte

anos luz de jejum e desconto de silêncio e demência deste ponto oco

deste tiro seco abrindo para um beco que se fecha no beco no fio

 

Do ponto de vista semântico, a configuração do fragmento se define pela metonímia: o papel é coberto como um corpo. As sonoridades acompanham a variação semântica, cuja chave é a palavra corpo, que vai ressoar em ecos como “só e solto”, “nato e morto”, “nulo e outro”, interrompidos por “instante lance” (abertura vocálica, nasal), “entrego todo”, “este é meu troco”. Do grupo “ô-o”, passa-se para “ê-o: “tiro seco” “para um beco” “se fecha no beco” “no fio violeta” que ressoa com “crepúsculo” (sucessão de sons “bilabiais”). Esse modelo será retomado mais tarde em outros poemas e lembra, de certo modo, versos de João Cabral (“A palo seco”). O sujeito da enunciação não tem alternativa: entre silêncio e demência.

A tradução tenta manter de maneira imperfeita a rima interna e compensa a perda do som “ô” por outras rimas (para o olho): “seul et veuf”, ou por grupos monossilábicos “né et mort”, “nul et autre”, “point creux”, que ecoa com “coup sans feu”.

Como O lance de dados para Mallarmé, Galáxias é um poema crítico, metacrítico. O sujeito da enunciação se afirma como sujeito tradutor: “Vejo tudo e traduzo em escritura”. O “tudo” é a cidade, a sujeira, as bestas mortas. Encontramos no fragmento ecos a Baudelaire e a Proust:

Em Baudelaire: “C’est pourquoi l’imagination est pour lui ‘la reine des facultés’. En fait, elle substitue une traduction légendaire de la vie extérieure”[7].

Para Proust: “Je m’apercevais que, pour exprimer ces impressions, pour écrire ce livre essentiel, le seul livre vrai, un grand écrivain n’a pas, dans le sens courant, à inventer puisqu’il existe déjà en chacun de nous, mais à le traduire; le devoir et la tâche d’un écrivain sont ceux d’un traducteur”[8].

O fragmento se aproxima da prosa, apesar das reiterações (“uma casa outra casa”) ou das ressonâncias e ecos (“em pós e brilhos por um ladrilho de sol em vidrilhos”, “neste papel o dócil papel”). A tradução deve manter essa alternância entre verso e prosa; é de se notar que o esquema rítmico é frequentemente quebrado: o que seria verso torna-se prosa, mas o que é prosa torna-se verso:

 

vejo tudo

e traduzo em escritura

esta fita visível

que pende da janela

por um aéreo debrum

de voltas remansosas

UMA CASA OUTRA CASA…

e no alto se apura

em pós e brilhos

por um ladrilho de sol

em vidrilhos vibrados

ESTA CIDADE É UM RESTO

é uma cola de outubro

uma goma canicular

de envelopes desgrudados…

 

Denegação, metalinguagem, o texto prossegue, o sujeito da enunciação reaparece, o papel-corpo é o próprio corpo do poeta, “ferida de vida aberta e úmida”, mas a língua “canina áspera” cicatriza todas as feridas e permite que a vida escorra em cores celestes. O tom, mais para a prosa, é interrompido pelo enjambement e pelas recorrências sonoras (“sensível”, “ferida”, “vida”, “língua canina”, “ferida”, “saliva”, “vida”, vida”). O grupo “esta gana esta língua canina” reforça, pela prosódia, a violência da imagem.

A “saída”, que poderia provir do livro, em referência ao livro de Mallarmé, provocando crisálidas de luz, se choca com a realidade, o papel, o poema, que entra no paradigma dos restos (animais?) dependurados, pois esta “prosa” é feita de “limalhas”, restos que contrastam com os “pós” e os “brilhos” do sol… O texto espiralar retoma a figura da “fita” (de cinema? da máquina de escrever? de seda?), da lesma, que deixa rastros brilhantes no asfalto, mas se atém ao olhar que “translitera”.

Porém, o poema transpõe, transcende a realidade. O final é uma promessa, o poema salva da caducidade: “sauf que le rouge utile ronge les nacres désuètes”.

Se considerarmos as etapas da tradução, podemos verificar as modificações que o fragmento conheceu até a versão final:

O verso 6: “estou só e solto nato e morto nulo e outro neste afinal instante lance”, traduzido num primeiro tempo por: “je suis seul et veuf nati et mort nul et autre dans cet enfin instant lance”, no final, torna-se: “je suis seul et veuf né et mort nul et autre dans cet enfin instant élan”, com enfraquecimento consonântico (-t) e perda de rima interna (nato e morto/ nulo e outro). O alongamento produzido pelos sons nasais é mantido.

No verso 8, “ans lumière” (anos-luz) é substituído por “années-lumière”, forma correta, com perda da assonância luz/jejum. No verso 9, o “tiro seco”, primitivamente traduzido por “coup sec”, é substituído por “coup sans feu” com perda da rima interna “seco/beco”, compensado por “s’ouvrant vers une impasse”, fluido.

No verso 12, “remansosas”, primitivamente traduzido por “paisibles”, é substituído por “flexueux”. No verso 18, “como uma ferida de vida aberta e úmida” é traduzido por “comme une blessure cassure de vie ouverte et humide” (alongamento), em que “cassure” será substituído por “morsure”.

O verso 28, “(mas tudo)/ isso não passa de eco fechado na palavra beco e se vai ver não há nada”, primitivamente traduzido por “(mais tout)/ cela ne passe de l’écho qui se casse dans le mot impasse et si on va voir il n’y a rien”, com uma irregularidade gramatical, é finalmente traduzido por “(mais tout)/ cela se passe dans l’écho qui se casse dans le mot impasse et si on va voir il n’y a rien”, em que, por razões prosódicas, “fechado” é substituído por “ quebrado”…

 

*

 

Régis Bonvicino: Quando você conheceu Haroldo de Campos?

Inês Oseki: Conheci Haroldo de Campos em 1966 em São Paulo. Fomos apresentados por um amigo comum, Francisco Achcar, e no café, situado na Avenida São Luís, se encontravam igualmente Augusto de Campos e Décio Pignatari.

RB: Quais eram as circunstâncias culturais e políticas da época em que o conheceu?

IO: As circunstâncias culturais eram boas naquela época em que começou a ditadura militar. A censura levou um certo tempo para começar a proibir ou a vedar textos, filmes, espetáculos. Havia uma grande criatividade, peças de teatro, cinema, e com Haroldo fizemos planos de nos encontrar em Paris. Eu saí logo do país (1966), tendo obtido uma bolsa de estudos para realizar um doutorado na França, não cheguei a presenciar a transformação política e cultural que aconteceu logo depois. Em 1971, quando voltei para o Brasil com a intenção de ficar, percebi que tudo havia mudado, que tinham começado a invadir a vida dos cidadãos, a censurar livros, a proibir filmes, a torturar e a eliminar pessoas, e muitos intelectuais e artistas (os que conseguiram) já tinham se exilado do país…

RB: Por que razão resolveu publicar as cartas?

IO: Como eu tinha muitas cartas do Haroldo, achei que devia partilhar esse tesouro com o público. Meu primeiro gesto foi de mostrá-las ao Julio Mendonça, da Fundação Haroldo de Campos, na Casa das Rosas, onde eles tiraram um xerox de todas elas. E já que as cartas tinham sido entregues a uma biblioteca, achei que elas deviam ser mostradas a um público maior. Conversando com um amigo, Marcelo Jacques de Moraes, justamente diretor das edições da UFRJ, ele se mostrou muito interessado e aceitei que fossem publicadas no Rio de Janeiro e não em São Paulo. Mas hoje acho que fiz bem, quem tiver interesse por elas pode adquiri-las more onde more, como é o caso do Sanches Robayna, em Tenerife…

 


 

[1] Com efeito, como os fragmentos não foram traduzidos na ordem em que são publicados, os comentários, abundantes no início, se rarefazem com o passar dos anos: a operação de tradução se realiza mais rapidamente e, em geral, as sugestões são inscritas na própria cópia enviada ao autor e retornada à tradutora por via de fax.

[2] Ver Inês Oseki-Dépré, Théories et pratiques de la traduction littéraire, Paris, Armand Colin, 1999.

[4] Para Henri Meschonnic, o ritmo revela o sujeito do discurso poético: “O sentido sendo a atividade do sujeito da enunciação, o ritmo é organização do sujeito como discurso no e pelo seu discurso”[4].

Henri Meschonnic, “Critique du rythme”, Anthropologie historique du langage, Lagrasse, Verdier, 1982, p. 12.

[6] Walter Benjamin, “A tarefa do tradutor”, prefácio à tradução des “Tableaux parisiens”, de Charles Baudelaire, 1923 (trad. Susana Kampff Lages).

[7] “É porque a imaginação é para ele (o poeta) ‘a rainha das faculdades’. De fato, ela substitui uma tradução legendária da vida exterior” (Baudelaire, Art poétique, introduction aux poèmes du Salon de 1845, Paris, Gallimard, p. 455).

[8] “Eu me dava conta de que, para exprimir essas impressões, para escrever esse livro essencial, o único livro verdadeiro, um grande escritor não necessita, no sentido comum, inventar, pois ele já existe em cada um de nós, mas a traduzi-lo. O dever e a tarefa de um escritor são os de um tradutor” (Proust, Le Temps retrouvé, Paris, RTF, vol. 7, 1927, p. 41, tradução nossa).