FERNANDO AGUIAR nasceu em Lisboa, em 1956. É licenciado em Design de Comunicação pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e professor de Educação Visual. Poeta, artista plástico e performer, publicou, entre outros, Poemas + ou – Histo(é)ricos (1974), O dedo (1981), Minimal poems (1994), Os olhos que o nosso olhar não vê (1999), Tudo por tudo (2009) e Estratégias do gosto (2011). Organizou, entre outras, as antologias de poesia experimental Poemografias: Perspectivas da Poesia Visual Portuguesa (1985, com Silvestre Pestana), Visuelle Poesie Aus Portugal (1990) Poesia Experimental dels 90 (1994) e Imaginários de Ruptura, Poéticas Experimentais (2002). Exposições individuais: POESI AV ISUAL (Lisboa, 1979), Ensaios para uma Nova Expressão da Escrita (Lisboa, 1983), Palavras Sob Palavra (Torres Vedras, 1984) e O Papel dos Signos (Setúbal, 1992). Tem performances documentadas em Rede de canalização (1987), Recent Actions (1997) e A essência dos sentidos (2001).
Leitura de poesia
Sibila: Você lê poesia?
Aguiar: Leio poesia regularmente, sobretudo autores portugueses, brasileiros e de língua espanhola.
Sibila: Que poesia você lê?
Aguiar: Gosto de ler uma poesia mais experimentalista mas, sobretudo, poesia atual. Também leio os livros que me enviam, normalmente de escritores amigos ou conhecidos, e que eu não dispenso ler, independentemente do gênero literário.
Sibila: Você acha que a leitura de poesia tem algum efeito?
Aguiar: Para mim tem um efeito, quando não “estético”, pelo menos “relaxante”. Gosto de uma poesia que me estimule os sentidos e a criatividade, mas gosto igualmente de ler uma poesia simplesmente “poética”, no sentido mais lírico do termo. Nos outros, a poesia terá efeitos diversos, consoante a pessoa que a ler. Mas acho que trará sempre algo de positivo e, de certo modo, “libertador” para quem a lê.
Escrita de poesia
Sibila: O que você espera ao escrever poesia?
Aguiar: Espero principalmente superar aquilo que previa ao escrever o poema, chegar ao final do mesmo e “surpreender-me”com o que escrevi. O que, em boa verdade, nem sempre acontece. Mas é estimulante pegar numa folha em branco, na qual nada está, e terminar com algo que vai nascendo aos nossos olhos, através nossa mão.
Sibila: Qual o melhor efeito que você imagina para a prática da poesia?
Aguiar: Gostaria de pensar que a poesia, nomeadamente a minha, acrescentaria algo a alguém. Que lhe traria, pelo menos, um sentimento agradável. Mas não será sempre assim.
Sibila: Você acha que a sua poesia tem interesse público?
Aguiar: Quando leio os meus poemas em público, de um modo geral, recebo uma resposta/reação positiva e, nesse sentido, terá algum. Por outro lado os meus livros de poesia têm pouca venda (e não serão só os meus…), o que pode ser sinônimo do pouco interesse que despertam. Mas, sinceramente, não é aspecto que me preocupe por aí além porque, no fundo, escrevo essencialmente porque me dá prazer fazê-lo. Num outro plano, mais conceitual, o “Soneto ecológico” que construí em Matosinhos (cidade no norte de Portugal), em 2005, com 70 árvores dispostas em 14 filas (4 + 4 + 3 + 3), resultaram num parque público, regularmente visitado, e onde as pessoas entram literalmente no poema…
Publicação de poesia
Sibila: Qual a melhor suporte para a sua poesia?
Aguiar: A minha poesia expressa-se de vários modos, e por isso necessita de diferentes suportes, em função do fim a que se destina. O suporte básico para o poema é o livro, e não fujo a essa regra. Como participo em bastantes festivais e encontros de poesia, e como o meu modo de a dizer se enquadra naquilo a que os poetas espanhóis designam como “perfopoesia”, a voz e as suas modulações, o corpo e a sua expressão e alguns adereços, são os suportes indicados para a dizer em público.Depois existe outra área poética da qual gosto bastante − a poesia visual – com a qual me expresso tanto sobre papel como em tela, ou utilizando o livro, não como suporte do texto, mas como objeto em si mesmo que pode ser pintado, ou manipulado/transformado de formas diversas. A fotopoesia, onde o “média” é a câmara fotográfica, e o papel fotográfico o suporte. Produzo alguma poesia digital, pelo que o computador e os programas informáticos são o meio e o suporte. O video, nos videopoemas e, finalmente, a instalação poética, onde, nestes últimos casos, a poesia está intimamente ligada às artes plásticas, usando os seus suportes, contextos e as suas estéticas. Ou o que se pode considerar como “Land Poetry”, como é o caso do “Soneto ecológico”, atrás referido. Da página do livro à terra, todos os suportes são válidos para transmitir a poética que vai dentro de nós e que pretendemos expressar. E a poesia tem tudo a ganhar ao conseguir diversificar criativamente os modos de se dizer.
Sibila: Qual o melhor resultado que você espera da publicação da sua poesia?
Aguiar: O resultado ideal seria que as pessoas a lessem/vissem e a apreciassem, o que se torna difícil ao ter a pouca divulgação que tem. Já nem tenho a pretensão de que a poesia pode mudar o mundo, que efetivamente não muda. Mas se alterar o estado de espírito de alguém, já será um resultado interessante.
Sibila: Qual o melhor leitor de seu livro de poesia?
Aguiar: O que tenha interesse por aquilo que está a ler, e que, se possível, consiga gerar associações criativas para as palavras que está a l(v)er.
Sibila: O que você mais gostaria que acontecesse após a publicação da sua poesia?
Aguiar: Que ela fosse efetivamente divulgada, lida e compreendida.
* * *
Nota: As plantações que constituem o soneto ecológico são constituídas por Pinheiro Manso (Pinus pinea), Amieiro (Alnus glutinosa), Ulmeiro (Ulmus minor), Freixo comum (Fraxinus angustifolia), Cipreste (Cupressus sempervirens), Cedro-do-Buçaco (Cupressus lusitanica), Carvalho alvarinho (Quercus robur), Bidoeiro (Betula celtiberica), Sobreiro (Quercus suber), Azevinho (Ilex aquifolium) com uma bordaduracde Fotínia (Photinia x fraseri). […] Trata-se de uma instalação ambiental constituída por 70 árvores organizadas por 14 filas com 5 árvores cada uma, correspondentes aos 14 versos da estrutura do soneto, distribuídas por duas quadras e os dois tercetos (4+4+3+3). […] As árvores com que começa e termina cada fila alternam, de modo a configurarem a rima tradicional (alternada) do soneto: A, B, A, B (por exemplo, Sobreiro, Carvalho, Sobreiro, Carvalho).
O excesso inexcedível
(o amor que, de resto, pode ser abominável)
Décio Pignatari
se o amor pode ser abominável
a dor é uma sensação adorável.
se o excesso pode ser inexcedível
o pouco é com certeza algo incrível.
se o ostensivo pode ser exigível
o redutor é certamente repreensível.
se a tônica pode ser aconselhável
o inverso é quase sempre miserável.
se a nudez poder ser apetecível
o universo é algo de indizível.
se a palavra é por vezes imperceptível
o que não diz será sempre indiscutível.
* * *
Leia a série completa
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- Sibila, lugares contemporâneos da poesia: Pascal Poyet
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- Sibila, lugares contemporâneos da poesia: Liliane Giraudon
- Sibila, lugares contemporâneos da poesia: Eduardo Milán
- Sibila, Lugares contemporâneos da poesia: Zeyar Lynn
Lugares contemporâneos da poesia
Concepção do projeto: Alcir Pécora e Régis Bonvicino
Texto introdutório: Alcir Pécora
Realização: Régis Bonvicino, com a colaboração de Aurora Bernardini e Charles Bernstein
Há reiterados momentos do contemporâneo em que a prática da poesia se parece exatamente apenas uma prática, uma empiria, uma rotina. Faz-se poesia porque poesia é feita. Edita-se poesia porque livros de poesia são editados e foram editados. Por que não continuar editando-os?
Mas qual o significado da arte, quando a arte se reduz a empiria, procedimento habitual que não problematiza os seus meios? Que deixa de inventar os seus próprios fins? Que não desconfia de sua forma conhecida, nem arrisca um lance contra si, inconformada?
Para tentar saber o que pensam a respeito da poesia que produzem alguns dos mais destacados poetas estrangeiros em ação hoje, a Revista Sibila propôs-lhes algumas perguntas simples, primitivas até – silly questions! –, cujo escopo principal é deixar de tomar como naturais ou óbvios os automatismos da prática.
Trata-se de saber dos poetas, da maneira mais direta possível, o que ainda os move a ler, a escrever e a lançar um livro de poesia – ou, mais genericamente, a publicar poesia, seja qual for o suporte.
A condição de, por ora, ouvir apenas os estrangeiros é estratégica aqui. Convém evitar respostas que possam ser neutralizadas a priori por posicionamentos desconfiados de vizinhança.
Leitura de poesia, esforço de poesia e publicação de poesia: nada disso é compulsório, nada disso se explica de antemão. Tudo o que se faz, nesse domínio, é fruto de exigência apenas imaginária. Nada obriga, a não ser a obrigação que se inventa para si.
A revista Sibila quer saber que invenção é essa. Ou seja: o que os poetas ainda podem imaginar para a prática que os define como poetas.
Contemporary places for poetry
There are plenty of moments in our current life when the practice of poetry seems exactly a practice, something empirical, a kind of routine. One makes poetry because poetry has been made. One publishes poetry because books of poetry are published and were published, why not going on publishing them?
But what meaning does art have when art is reduced to empiricism, the habitual procedure which doesn’t discuss its means? Which doesn’t any longer make up its own aims? Which is not suspicious of its usual form, nor runs the risk of a move against itself, unresigned?
Trying to know what some of the most distinguished foreign poets in action today think about their own poetry, Sibila proposed some very simple questions, some naïve questions – silly questions! –, whose principal aim is no longer to consider as natural ( as obvious) the automatisms of the poetical practice.
Sibila asks the poets to tell in the more direct way what still moves them to read, to write, to publish a book of poetry – or, more generically, to publish poetry, in whatever support.
The choice, for the moment, to listen only to foreign poets’ voice is a strategic one. It’s better to avoid answers which would be neutralized a priori, due to suspicious neighbourly attitudes.
Reading poetry, straining to write poetry, publishing poetry: not at all compulsory, all this, not at all explainable in advance. Everything you do in this domain is the result of mere imaginary exacting. Nothing obliges you, unless the obligation you invent yourself, for yourself. Sibila wants to know what kind of invention is that. Id est: what poets may still make up for the practice which defines them as poets.