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Sibila, lugares contemporâneos da poesia: Vivek Narayanan

Vivek Narayanan: Nasceu na Índia, em 1972. Ele viveu, trabalhou e estudou em diversos países, como a Zâmbia, África do Sul e os Estados Unidos. É editor do jornal on-line Almost Island e editor associado de Fulcrum (Boston); trabalha no programa Sarai do CSDS (Centre for the Study of Developing Societies), em Delhi. Publicou Universal Beach (Mumbai: Harbour Line, 2006) e as antologias: 60 Indian Poets (Penguin India, 2007); The Bloodaxe Book of Contemporary Indian Poetry (Bloodaxe, 2008); Language for a New Century: Contemporary Poetry from the Middle East, Asia, and Beyond (W.W. Norton, 2008). Narayanan explora diferentes maneiras de leitura, busca fundir a poesia com outras formas, experimentando com a tecnologia, o espaço físico, o movimento, a interação com o público.

Leitura de poesia

Sibila: Você lê poesia?

Narayanan: Faço o melhor que eu posso, embora a própria natureza da poesia pareça ser a de resistir, escapar à leitura. Trata-se de um encalço constante, mais do que de certo ato de apropriação.

Sibila: Que poesia você lê?

Narayanan: Finalmente, no início deste ano, consegui terminar de ler os Cantos de Pound, acompanhados pelo maravilhoso livro-guia de William Cookson, um trabalho sem parti pris e notável, em si mesmo. É difícil não notar aqueles Cantos em quase todo movimento poético que veio depois, nos séculos XX e XXI. E também um livro-fonte para as traduções experimentais que estou tentando fazer, agora. E de lá para muitos outros lugares, como a poesia de Ouyang Jianghe ou de Xi Chuan – ou, indo em outra direção, para o twerk multilíngue intrigante de Latasha Nevada Diggs. Ou então, voltando atrás, ao Troilus e Cressida, de Shakespeare. Ou, ainda, saltando de lado e através das línguas, à poesia extrema da tradição sânscrita na qual tenho mergulhado, ultimamente. Leio os contemporâneos para me situar e saber onde não me encontro e onde me encontro, às vezes para me inspirar e colaborar, mas tenho que me alongar bastante no recente (século XX) e no remoto para evitar ser apanhado pela miragem do contemporâneo. Há tanta coisa escrita, agora – poesia inovadora inclusive – que está começando a parecer apenas “estilo de época”. A América e a Grã Bretanha são ainda os centros hegemônicos da poesia em inglês – muitas vezes, quando vejo poetas americanos escrevendo sobre “poesia recente” – sem outra qualificação –, descubro que todas suas referências são americanas, que eles estão de fato falando apenas da poesia americana, que eles parecem estar tão envolvidos consigo mesmos, que – literalmente –  não conseguem sequer perceber a existência de alguém que esteja “fora” disso; não possuem nenhum marcador para tanto. Pelo fato de eu escrever em inglês, não sendo nem americano nem britânico, tenho que ler a poesia de ambos os países e tentar não cair sob seu feitiço, todos seus pequenos argumentos próprios. E, apesar de eu poder admirar muito e me sentir inspirado pelas tendências mais severas, mais ascéticas da poesia experimental de ambos os países, ultimamente sinto-me por demais decadente, por demais apaixonado pelo excesso para restringir meus escritos e minhas leituras apenas a isso. Estou em plena multiplicidade – num meio onívoro, pluriverso.

Sibila: Você acha que a leitura de poesia tem algum efeito?

Narayanan: Sim, certamente. Se a poesia realmente existe, somente conseguimos detectar sua existência pelos seus efeitos, e não porque determinado texto ou objeto está de acordo com este ou aquele requisito, esta ou aquela definição. Um teórico literário do sânscrito, por exemplo, poderia tentar fazer uma lista dos efeitos da poesia no corpo: cabelos em pé etc.

Escrita de poesia

Sibila: O que você espera ao escrever poesia?

Narayanan: Pode ser, no mínimo, aquilo que Rahsaan Roland Kirk chamou de “momentos brilhantes”. Pequenos instantes de insight, pequenas aberturas, nós. Uma espécie de recalibragem entre língua, tempo e mundo. No máximo, um holismo completo. Matéria e conhecimento unidos, todos juntos, num único punhado. É uma aspiração que eu tenho. Mas estaria mentindo se dissesse que já consegui isso de algum poema.

Sibila: Qual o melhor efeito que você imagina para a prática da poesia?

Creio que a prática da poesia sirva como uma espécie de recurso. Quando meu pai morreu, faz pouco tempo – momento de que sempre tive terror –, encontrei um pequeno alívio recorrendo à poesia.

Sibila: Você acha que a sua poesia tem interesse público?

Narayanan: Bem, pelo que posso dizer, a poesia ultimamente é apenas um subconjunto do discurso – e enquanto discurso, certamente é de interesse público, embora não um que possa ser predeterminado, contido ou dirigido. Quando você se mete em praça pública, no meio do clamor de vozes que se confundem e se sobrepõem – as linhas sem fim da deflexão, do eco, da refração – onde ninguém poderá saber o que vai acontecer –, bem, você vai lá sabendo disso. Então, nesse contexto, eu cheguei a pensar cada vez mais que o uso especial da poesia não é o de empurrar alguma mensagem para alguém, algum partido a ser tomado, mas precisamente o seu valor é que ela é desviante, múltipla, e que recusa se estabilizar. Um bom poema ou uma boa tradução estão sempre em movimento.

Publicação de poesia

Sibila: Qual o melhor suporte para a sua poesia?

Narayanan: Estou, finalmente, reunindo meu pequeno grupo, agora. Leitores, colegas escritores, debatedores que, parece, estarão em consonância comigo. Mas pelo fato de ter ficado em solidão durante tanto tempo, tenho consciência de que não será possível passar a bola para adiante, que eu terei de assumir a responsabilidade por aquilo que escrevo. Que seguirei pelo meu faro e não pelo dos outros. Os direitos não são necessariamente individuais, mas a responsabilidade o é. O cenário da Índia, do qual faço parte, ainda é muito desencorajador no que diz respeito a qualquer atividade experimental, qualquer coisa que possa ser rotulada como “não simples”. Se não houver um momento de reflexão, o impulso democrático se dissolve em impulso de saturação máxima do mercado, de patrocínio corporativo, de premiação extravagante, e assim por diante. Não pretendo me inserir nessa dicotomia tornando-me estritamente um escritor “difícil”, ou algo assim. Ao contrário, eu só escrevo aquilo que me agrada. Que se tenha que pagar ou não o preço pela escolha que se faz.

Sibila: Qual o melhor resultado que você espera da publicação da sua poesia?

Narayanan: Que ela consiga injetar-se, feito um vírus, na linguagem.

Sibila: Qual o melhor leitor de seu livro de poesia?

Narayanan: O leitor que está sempre por vir, suspeito.

Sibila: O que você mais gostaria que acontecesse após a publicação da sua poesia?

Narayanan: Que qualquer coisa que aconteça me ajude ou me permita continuar fazendo mais poemas. Nunca me sinto mais feliz do que quando estou, realmente, no meio do ato de fazê-los.

Reading poetry

Sibila: Do you read poetry?

Narayanan: I do as best I can, though it seems in the very nature of poetry to resist, to escape reading. It’s more of a constant chase than certain act of appropriation.

Sibila: What kind of poetry do you read?

Narayanan: Earlier this year I finally got to the end of Pound’s Cantos, and, reading alongside, William Cookson’s wonderful guidebook to the Cantos, an impassioned and remarkable work in itself. Hard not to see those Cantos now in practically every poetic movement that came after, in the XXth or the XXIst century. And a sourcebook for the experimental translations I’m trying to do now. From there to many places, to the poetry of Ouyang Jianghe or Xi Chuan; or, going in a different direction, Latasha Nevada Diggs’ thrillingly multilingual Twerk. Or backwards to Shakespeare’s Troilus and Cressida. Or, leaping laterally and across languages, to the sometimes extreme poetry of the Sanskrit tradition that I’ve been immersed in lately. I read the contemporary to locate myself and know what I’m up against, sometimes to be inspired and to collaborate, but I have to keep going far into the recent (XXth century) and very distant past to keep myself from being caught up in the mirage of the contemporary. So much being written now, innovative poetry included, is already starting to look just like ‘period style’. America and Britain are still the hegemonic metropolitan centers of poetry in English – sometimes when I see American poets writing about “recent poetry” – unqualified – I find that all their references are American, that they’re actually talking only about American poetry, that they appear to be so involved in themselves that they literally cannot even perceive the existence of an ‘outside’, they have no marker for it. Writing in English but being neither American nor British myself, I have to read both and neither to keep myself from falling under their spell, all their little ingrown arguments. And while I might greatly admire and be inspired by the more severe, ascetic strands of American and British experimental poetry, ultimately I’m too decadent, too in love with excess to restrict my own writing and reading to just that. I’m an omnivore, I’m into multiplicity, pluriverses.    

Sibila: Do you think that reading poetry would produce any effect?

Narayanan: Yes, certainly. If poetry exists at all we detect its presence only by its effects and not because a given text or object conforms to this or that requirement or definition. A Sanskrit literary theoretician, for instance, might try to make a list of poetry’s effects (on the body) – hairs standing on end etc.

Writing poetry

Sibila: What do you expect from writing poetry?

Narayanan: Maybe, at the very least, what Rahsaan Roland Kirk called “bright moments”. Little bits of insight, little openings, knots. A kind of recallibration between language, time and world. At the most, complete holism. All of knowledge and matter bound together in a single fistful of stuff. That’s an aspiration. But I’d be lying if I said I’d ever gotten that from any one poem.

Sibila: In your opinion, which is the best effect one can get from practicing poetry?

Narayanan: I guess it does serve as a kind of resource. When my father passed away recently, a moment I’d always been terrified of, I felt somehow at a slight advantage, having poetry there as a resource.

Sibila: Do you think your poetry has any public value?

Narayanan: Well, as far as I can tell, poetry is ultimately just a subset of speech – and as speech, certainly does have public value, although not one that can be easily pre-determined, contained or directed. When you step into the public square, into the clamour, overlap and swing of voices, the endless lines of deflection, echo and refraction – then there’s no knowing what will happen, you do it with that understanding. So in that context I’ve come to think more and more that poetry’s special use is not in pushing any one message, any party line, but precisely in being devious, multiple, and refusing to settle. A good poem or a good translation is always on the move. 

Publishing poetry

Sibila: Which is the best support for your poetry?

Narayanan: I am finally gathering my little group now, readers, fellow writers and discussants who it looks like will ride the distance with me. But, having been a loner so long I’m also very conscious that the buck will stop here, that I’ll have to take responsibility for what I write. That I’ll follow my own nose and no one else’s. Rights are not necessarily individual, but responsibility is. In the Indian scene, which is the scene I’m most a part of, there’s at the moment still a great discouragement against anything experimental, anything that people want to label as not “simple”. Without a moment’s thought the democratizing impulse dissolves into the impulse of maximum market saturation, of corporate sponsorship, fancy prizes and so on. Now, I don’t want to just buy into that dichotomy by then becoming a strictly “difficult” writer etc – instead, I’ll just write what I like. One may or may not have to pay the price for such choices.

Sibila: Which is the best result you expect from the publishing of your poetry?

Narayanan: That it manages to inject itself like a virus into the language.

Sibila: Who is the best reader of your poetry?

Narayanan: The reader who is always yet to come, I suspect.

Sibila: What would you most like to happen after the publication of your poetry?

Narayanan: That whatever happens helps or allows or makes me to keep on making more poems. Never happier than when actually in the midst of the making.

My Father’s Wound

Avocado trees on the moon. “Aichigum,

Mullukumb, Billy Blue Gum.” This is not exactly

a confessional. My father’s wound

was also my wound, dirt outside

Vedanta Hall, blood in the dirt

below the gutter pipe, blood like washing

undone in my banian fold. I am not saying

that blood was the thing. My father

was singing. From the tall narrow barred window,

the gravel driveway, in the heat, my father’s wound

is jelly to the touch. I touch it now.

*

A broken tree on the floor. Tarzan says,

“Tarzan save Vivek father wound”. “The shadow

before State House, he will ride his bike no more.”

Once, I looked up from paper and saw the clouds

move. It was terrible, that clouds

could move. The clouds moving reminded me

of my father’s wound. I don’t care if you like this,

*

I am going to take my time. My father came back

from an hernia operation, there had been a mistake,

the stitches had to be removed. Every day

I had seen him shaving

in the bathroom, whistling Balamurali’s songs.

*

“If you’re going

to write a poem about me”, my father says,

“don’t forget to mention my daily yoga.”

*

There is a large glass door looking onto the pool.

My father cleared that place up. Surrealism only matters

if it’s real. I listen to Michael,

Mr. Mister, Genesis. On Kyrie, I saw

a massive bird block the sky while I blasted

the song from the car stereo to the playground

and the driver sat quietly. Did I mention

we had a driver? He drove me around

when my father had his wound

and could not move.

*

I betrayed that wound. I see it half-formed, my mother

washing him, his long painful yelps. This was scary,

to hear those animal sounds. My mother went in there

instead of me. Splashing. A red oval among the ripples.

Cf.: http://www.kritya.in/0509/En/poetry_at_our_time.html.

*  *  *

Leia a série completa

 

Lugares contemporâneos da poesia

Concepção do projeto: Alcir Pécora e Régis Bonvicino
Texto introdutório: Alcir Pécora
Realização: Régis Bonvicino, com a colaboração de Aurora Bernardini e Charles Bernstein

Há reiterados momentos do contemporâneo em que a prática da poesia se parece exatamente apenas uma prática, uma empiria, uma rotina. Faz-se poesia porque poesia é feita. Edita-se poesia porque livros de poesia são editados e foram editados. Por que não continuar editando-os?

Mas qual o significado da arte, quando a arte se reduz a empiria, procedimento habitual que não problematiza os seus meios? Que deixa de inventar os seus próprios fins? Que não desconfia de sua forma conhecida, nem arrisca um lance contra si, inconformada?

Para tentar saber o que pensam a respeito da poesia que produzem alguns dos mais destacados poetas estrangeiros em ação hoje, a Revista Sibila propôs-lhes algumas perguntas simples, primitivas até – silly questions! –, cujo escopo principal é deixar de tomar como naturais ou óbvios os automatismos da prática.

Trata-se de saber dos poetas, da maneira mais direta possível, o que ainda os move a ler, a escrever e a lançar um livro de poesia – ou, mais genericamente, a publicar poesia, seja qual for o suporte.

A condição de, por ora, ouvir apenas os estrangeiros é estratégica aqui. Convém evitar respostas que possam ser neutralizadas a priori por posicionamentos desconfiados de vizinhança.

Leitura de poesia, esforço de poesia e publicação de poesia: nada disso é compulsório, nada disso se explica de antemão. Tudo o que se faz, nesse domínio, é fruto de exigência apenas imaginária. Nada obriga, a não ser a obrigação que se inventa para si.

A revista Sibila quer saber que invenção é essa. Ou seja: o que os poetas ainda podem imaginar para a prática que os define como poetas.

Contemporary places for poetry

There are plenty of moments in our current life when the practice of poetry seems exactly a practice, something empirical, a kind of routine. One makes poetry because poetry has been made. One publishes poetry because books of poetry are published and were published, why not going on publishing them?

But what meaning does art have when art is reduced to empiricism, the habitual procedure which doesn’t discuss its means? Which doesn’t any longer make up its own aims? Which is not suspicious of its usual form, nor runs the risk of a move against itself, unresigned?

Trying to know what some of the most distinguished foreign poets in action today think about their own poetry, Sibila proposed some very simple questions, some naïve questions – silly questions! –, whose principal aim is no longer to consider as natural ( as obvious) the automatisms of the poetical practice.

Sibila asks the poets to tell in the more direct way what still moves them to read, to write, to publish a book of poetry – or, more generically, to publish poetry, in whatever support.

The choice, for the moment, to listen only to foreign poets’ voice is a strategic one. It’s better to avoid answers which would be neutralized a priori, due to suspicious neighbourly attitudes.

Reading poetry, straining to write poetry, publishing poetry: not at all compulsory, all this, not at all explainable in advance. Everything you do in this domain is the result of mere imaginary exacting. Nothing obliges you, unless the obligation you invent yourself, for yourself. Sibila wants to know what kind of invention is that. Id est: what poets may still make up for the practice which defines them as poets.