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O mandato social do poeta em questão

O mandato social do poeta em questão

Breve introdução às traduções

 Semicerchio. Rivista di poesia comparata [1]é uma revista acadêmica que nasceu em Florença em 1985, tendo como atual diretor Francesco Stella. O seu alvo é a literatura e, nomeadamente, a poesia comparada “da antiguidade até o contemporâneo, com atenção específica para o enquadramento internacional e as relações inter-culturais, para a crítica temática e a literatura de imigração”.

No número XXXV, intitulado “Il trovatore stanco” e publicado em Novembro de 2006, Semicerchio propõe relevante investigação sobre o “mandato social” do poeta, isto é, sobre o conceito originalmente proposto por Walter Benjamin para falar da relação entre público de leitores e empenho estético-político do poeta. A investigação toma como ponto de partida algumas reflexões contidas no ensaio Sobre a Poesia Moderna (Sulla Poesia Moderna) do crítico e sociólogo da literatura italiano Guido Mazzoni, publicado em Itália no mesmo ano.

Tais reflexões foram arranjadas de forma interrogativa e dirigidas a poetas de vários contextos culturais e nacionais, na Europa e não só. Destacam-se, logo, contribuições de poetas alemães, espanhóis, franceses, anglófonos, gregos, poloneses e japoneses. Tantos são os contextos à disposição para responder a essas perguntas desafiadoras: quanto comum pode já ser julgado o destino da poesia que os perpassa? Qual é a sua relação com a canção, no que diz respeito à sua capacidade de “intervenção”?

 

Não dedicamos, neste momento, espaços às réplicas dos poetas selecionados para debaterem sobre o assunto. Apresentamos, em primeiro lugar, a tradução do editorial da revista – que recupera os pontos de partida conceituais a partir de trechos retirados da obra de Mazzoni – e a introdução  deste número de Semicerchio assinada por Francesco Stella, que explicitam os interesses da investigação à luz de um prévio esclarecimento sobre o conceito de “mandato social”. Ademais, apresentamos a tradução da pós-fação por Guido Mazzoni, a qual encerra a investigação, oferecendo ao mesmo tempo um resumo sobre o conjunto de respostas e acrescentando ulteriores quanto preciosas considerações sobre o assunto.

O mandato social do poeta [2]

 

Um debate sobre a perda progressiva do papel social da poesia contemporânea como representante de valores e ideias compartilhadas está atualmente em curso em alguns periódicos literários italianos. Afirma-se que a decadência da poesia na cultura contemporânea tem provocado o desenvolvimento de linguagens e cânones poéticos autorreferenciais. Na sequência desta discussão vivaz, Semicerchio: Journal of Comparative Poetry decidiu sondar outras culturas a respeito deste assunto. Pelos comentários que se seguem a cada uma das questões, somos gratos ao recente livro sobre o estado da poesia contemporânea do crítico italiano Guido Mazzoni (Sulla poesia moderna / Sobre a poesia moderna, 2005). A partir dessa obra, mencionamos e compactamos três passagens que podem fornecer pistas e sugestões para iniciar esta discussão com poetas pertencentes a outras tradições culturais e vivências em diferentes contextos sociais.

 

O poeta, hoje, é encarregado de uma função social, de um mandato como representante de valores e ideias comuns?

  1. Gesellschaftlicher Auftrag é uma expressão de Walter Benjamin para “mandato social”, para referir-se ao que acontece quando o público delega ao artista para que produza obras afastadas do ciclo econômico e dotadas de um valor simbólico. Até quando os seletos grupos sociais encarregados das decisões culturais mantiveram suas lideranças, a poesia foi capaz de preservar seu prestígio mesmo que expressasse o ponto de vista de uma pequena minoria. Nos últimos 150 anos, os assim chamados poetas malditos – antiburgueses ou simplesmente incompreensíveis para a maioria – foram, na verdade, regularmente aceitos em museus e programas educacionais […]. Mas na segunda metade do século XX temos percebido novos elementos que poderiam eventualmente mudar a história política da poesia moderna. Por muito tempo poetas têm se habituado a viver sem nenhuma missão social, mas nas últimas décadas eles têm também se dado conta da progressiva e irreversível perda de prestígio […]. Ao longo dos últimos 150 anos, a poesia destinou-se a um público muito limitado, consistido principalmente de versificadores ou versificadores aspirantes. Hoje, a poesia é uma forma de escrita a qual progressivamente alcança a autorreferência; ela é desprovida de leitores os quais não tenham ambições de escrita, e é confinada num nicho protegido, o qual é capaz de sobreviver unicamente graças ao prestígio obtido através dos séculos, ao conservadorismo dos programas escolares, e ao clientelismo residual de alguns editores.

 

A carência de comunicabilidade da linguagem poética é uma consequência da perda de representatividade e relevância social da poesia?

 

  1. Quando a pirâmide hierárquica se rompe, quando a autoridade carismática dos artistas não mais se encontra com o consentimento popular generalizado, quando a autoridade dos comentaristas perde a função, o sistema colapsa em pura anarquia. Ao longo das últimas décadas, o mundo da poesia tem chegado perto desta forma de implosão entrando numa fase de decadência irreversível a qual não tem nada a ver com os valores artísticos das obras. Os principais sintomas desse declínio são: 1) o aumento descontrolado de escritores amadores, e 2) a marginalização social dos poetas consagrados […]. Com o crescimento da complexidade deste fenômeno, cada sistema individual que compõe o todo adquire e constantemente aumenta a sua autonomia. O resultado é o desenvolvimento de linguagens as quais estão distantes do mundo cotidiano e são incompreensíveis para aqueles que não compartilham dos conhecimentos dos escritores que os geraram. Quando algo interrompe a anarquia teórica do talento individual, cada texto corre o risco de dar voz a uma tautologia do ego, o qual expressa unicamente a si mesmo sem ser representante de preocupações mais vastas.

 

Até que ponto a poesia hoje contribui para uma renovação da linguagem comum ou da linguagem da cultura? É possível reconhecer nas canções aquela representatividade social que, por muito tempo, pertenceu à poesia?

 

  1. Recentemente, tem se mostrado claro que a poesia contemporânea não deixa um espaço vazio atrás; seu lugar tem sido tomado pelo que Walter Benjamin chamaria de “elemento poético” da poesia. Hoje o elemento poético da poesia aparece amplamente difundido porque está encarnado na canção – um trabalho de arte nasce dentro do mundo da comunicação de massa o qual é rapidamente tomado como uma mais alta dignidade cultural. […]

Hoje, à música rock e pop tem sido unanimemente dada uma função social ou mandato enquanto a poesia parece ter perdido qualquer tipo de consentimento coletivo. […]

A atual disseminação das necessidades culturais está associada ao desenvolvimento progressivo de uma nova cultura, a qual, embora originalmente direcionada ao consumismo, ao mercado e aos puros lucros econômicos, está destinada a ampliar sua autoridade, a reivindicar o direito à memória, e a invadir o território controlado pela cultura tradicional.

Elvis Presley por Andy Warhol
Elvis Presley por Andy Warhol

 

Um sistema fechado? Investigação sobre o mandato social [3]

A esta investigação os poetas interpelados – nomes entre os mais ilustres da poesia mundial – responderam com uma generosidade e disponibilidade que nos honra, permitindo-nos recolher um dossier que alguém já propôs aproveitar num volume autônomo, e que, contudo, representa já desta forma uma ferramenta inédita e prestigiosa – dados os autores envolvidos – sobre o problema do mandato social e, no geral, sobre o estado de autoconsciência do poeta no início do século XXI.

Lamentamos, aliás, não ter conseguido receber em tempo os testemunhos sobre o assunto pelos poetas árabes e pelo poeta coreano Ko Un, que contamos integrar nos próximos números e no volume eventual, mas estamos orgulhosos de ter posto «Semicerchio» ao serviço de interlocutores tão nobres, e de hospedar contribuições que, particularmente em casos como os de Bonnefoy e Deguy, se estendem ao alcance de preciosos ensaios.

O material possibilita e, aliás, precisa de ulteriores reflexões. Aqui será suficiente limitarmos a registar a reação aparente dos poetas, mesmo com todas as diferenças específicas e até os aparentes contrastes ditados pelas respectivas sensibilidades e experiências, tenha sido relativamente unitária e apaixonadamente documentada: esquematizando formulações altamente aprofundadas e sofisticadas, pareceu-nos que todos compartilham uma substancial desconfiança em relação às solicitações relativas ao papel social do poeta.

Alguns têm posto em perspectiva mais lucidamente a questão dentro do álveo cultural em que surgiu, outros a interpretaram alternativamente, e se calhar equivocando-a, enquanto convite a um regresso para o empenho sócio-político, todavia todos desmentiram que o «mandato social» representa um problema que realmente faça sentido em face a escrita poética desse tempo. As respostas dos poetas relembram que nunca a poesia teve muitos leitores, e que no entanto ela fica sendo um fenômeno social, no sentido de que dialoga e interage com a sociedade independentemente da taxa de comunicatividade da sua linguagem, e invocam amiúde o testemunho  sobre a duração do cânone literário como prova da independência do texto no que diz respeito ao controle social. Passou despercebido, a meu ver, que «mandato social», em inglês bem como em italiano ainda mas que no original em alemão, é um conceito que abrange não tanto o papel civil, mas sim a representatividade social do poeta. O problema não é quanto o poeta seja ou se sinta na sua escrita em diálogo com a sociedade ou com a realidade histórica, mas sim quanto a sociedade reconhece à figura social do poeta a função de expressão de sentimentos e linguagens coletivos bem como de valores simbólicos identitários.

Uma pergunta que logo se calhar tinha de ser posta a todos menos aos poetas, e às quais os poetas substancialmente desqualificam como imprópria. Essa percepção é saudável para o que achamos um progresso na análise da questão: sem tirar nenhum peso da constatação «científica» com a qual Mazzoni observa com clarividência uma mudança objetiva de paradigma cultural que não adianta dissimular, este dossier contextualiza-a enquanto escrúpulo interno a uma certa cultura – da escola de Frankfurt até um Bourdieu que em Itália mal busca aplicações à altura da sua inteligência – e na verdade não necessário à compreensão do universo poético.

Esta reação leva, isto é, a pensar que a reconstrução em retrospecto de épocas nas quais ao poeta estava reconhecido um mandato social, e logo a sua contraposição a um tempo em que o mesmo não acontece mais, estejam suportadas por pressupostos não demonstrados e talvez parcialmente ilusórios. Teríamos então de aceitar a ideia de que, pelo menos segundo os poetas, a poesia sempre foi uma instância elitista e relativamente autônoma do sistema social, ou ao menos sempre acreditou sê-la para poder preservar o carisma de que dispõe, e sempre funcionou segundo lógicas específicas, ou ao menos acreditou fazê-lo. Esta fé na liberdade da poesia, por mais riscos que ela corra de ser mistificadora, é necessária à sua mitificação, e a sociedade reconheceu-lhe o fundamento atribuindo à poesia o valor de capital simbólico que ainda é transmitido pela educação escolar.

Enquanto esta relação de confiança durar, mesmo só por inércia, a poesia não terá necessidade nenhuma de reconhecimento social fora da instituição de ensino.

No entanto, paradoxalmente, a reação dos poetas, que justamente Mazzoni definiu de “corporativa”, é mesmo aquela que Bourdieu recomendava na página final de As regras da arte: na previsão de um tempo que tende a limitar e, em seguida, excluir a participação dos escritores do debate público pela «ingerência dos detentores de poder sobre os instrumentos de circulação» o sociólogo francês convidava os «produtores» de literatura à unidade na defensa dos próprios interesses específicos, impondo-se como «poder internacional de crítica e de supervisão, se não de proposta, contraposto aos tecnocratas», desenvolvendo uma forma de «corporativismo do universal». Talvez, subconscientemente, os poetas já tinham começado a perceber essa necessidade.

 

Posfácio [4]

Por Guido Mazzoni

Semicerchio pediu-me para concluir esta discussão com uma breve réplica.

Antes de mais nada fico surpreendido e lisonjeado que alguns parágrafos de Sulla poesia moderna tenham sido capazes de levantar um debate tão amplo entre alguns dos maiores poetas contemporâneos. As intervenções deles são muito mais ricas do que a sugestão inicial e mereceriam uma reflexão aprofundada que não faz sentido abrir nestas poucas linhas. Limitarei-me a esclarecer o meu pensamento sobre três tópicos: o problema do público, a relação com a canção, o destino da poesia contemporânea.

Em Sulla poesia moderna tentei recolher a metamorfose que – entre a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século passado – transforma uma arte governada por sólidas regras públicas no mais individualista entre os gêneros literários. Tentei mostrar como, no final de um processo que destrói convenções milenares, os poetas alcançam uma liberdade sem precedentes: podem exibir sem pudor a própria biografia, escrever de forma obscura, renovar o vocabulário, subverter as regras do metro, da gramática, da sintaxe; podem, noutros termos, afrouxar a ligação com a tradição e com o senso comum, enfraquecendo assim os vínculos coletivos que nos permitem comunicar. Graças a este processo, a poesia dos últimos séculos renova a nossa imagem do mundo e expressa o «inexpliqué besoin d’individualité» (Mallarmé) consubstancial à nossa época, no entanto ela ao mesmo tempo multiplica a quantidade de pressupostos necessários para entender as obras e se torna uma típica arte de classe, de corporação. Se durante mais de um século o grupo social que apreciava a poesia moderna, reconhecendo-se nos seus temas e nos seus estilos, tem tido uma hegemonia sobre a cultura e os cânones transmitidos, há algumas décadas não é mais assim. Nesta metamorfose leio o sintoma de uma mudança mais vasta.

Samuel Beckett
Samuel Beckett

Alguns dos trechos mencionados podem levar a crer que eu defenda a superioridade estética da música rock e pop sobre a poesia contemporânea, enquanto na verdade eu só tentei descrever uma transformação histórica. Estou consciente de que fiz alguma provocação. Escrevi-o contra a tradição adorniana na qual me formei e contra a miopia corporativa de muitos poetas. Não me interessava de nenhum modo reavaliar a canção; me interessava ao invés refletir sobre a confrontação, que perpassa o Ocidente, entre a cultura humanística tradicional e a cultura de comunicação em massa. Porque não há dúvida que a sociedade do espectáculo criou, sobretudo nos últimos quarenta anos, um sistema de contos, mitologias, discursos, teorias, imagens do mundo que se comporta, na prática, como uma nova cultura humanística, diferente daquela que herdamos do passado e que os cânones escolares guardam, pelo menos em Europa. Este conflito e esta hibridação tem lugar todo dia: quem tiver menos de quarenta anos e treinou-se num regime de bilinguismo cultural sabe-o muito bem. As relações entre poesia moderna e canção são só partes de um todo mais amplo de que eu quis discutir tirando os óculos de Frankfurt, abandonando o repertório de lugares comuns sobre a cegueira das massas induzido pelos media e renunciando à ideia de que a humanidade tenha alguma integridade a restaurar, alguma essência a realizar. Eu quis sair do meu cânone e pensar a história da cultura como uma mudança sem telos, uma transformação contínua de ideias, gostos, estilos, gêneros, modas.

Eu não creio que a poesia esteja destinada a desaparecer; creio, por outro lado, que esteja vivendo um longo, longuíssimo lusco-fusco da sua relevância pública, e que não se possa liquidar esse evento como um fenômeno de superfície, sendo definitivamente cada um de nosso valor, pensamento, obra, só uma construção cultural. É preciso acrescentar que a poesia moderna dispõe de muitos recursos para aliviar os efeitos de um tal declínio. Pode gerir um enorme capital simbólico acumulado durante séculos e guardado pelas instituições.

Tornou-se a arte da intelectualidade em massa, aquela que permite a dezenas de milhares de literatos mais ou menos proletarizados (estudantes e doutorandos de humanidades, professores de liceu e universitários) em continuar cultivando o sonho estético que os induziu a fugir da vida ativa e arriscar a precariedade. Finalmente é a arte que, encorajando o autobiografismo e não pedindo a posse de algum instrumento ou de alguma técnica, encarna a ansiedade moderna de auto expressão. Por todos estes motivos, a poesia não desaparecerá. Ocupará ao invés um papel parecido ao que o teatro ocupou no século do cinema: terá seus Beckett e seus Heiner Müller, seus escritores capazes de transcender os limites de um gênero sempre mais ensimesmado e de falar aos leitores lidos mas não especialistas. Continuará produzindo obras que, a ver das pessoas acostumadas a apreciar um certo jogo linguístico, terão um conteúdo de verdade profundíssimo. Eu sou uma dessas pessoas. Mas ao meu lado, outros grupos sociais, provavelmente mais hegemônicos do que o meu, terão outros gostos, venerarão outras obras e ignorarão a existência dos textos que admiro – até que uma rotação do tempo histórico, hibridizando ou transformando as coisas de que estamos a falar, tornará incompreensíveis esses nossos discursos.

 

 

 

Referências

EDITORES. O mandato social do poeta. In. Semicerchio: Rivista di poesia comparata. Il trovatore stanco. Sul mandato sociale del poeta, número XXXV, nov., 2006. p. 4.

MAZZONI, Guido. Postfazione. Semicerchio: Rivista di poesia comparata. Il trovatore stanco. Sul mandato sociale del poeta, número XXXV, nov., 2006. p. 45.

STELLA, Francesco. Un sistema chiuso? Inchiesta sul mandato sociale. Semicerchio: Rivista di poesia comparata. Il trovatore stanco. Sul mandato sociale del poeta, número XXXV, nov., 2006. p. 5.

 

[1] Site oficial: http://semicerchio.bytenet.it/

 

[2] Editorial do número XXXV de Semicerchio. Rivista di poesia comparata, sem autoria expressa. Traduzido do inglês por Keissy Guariento Carvelli.

 

[3] Texto de autoria de Francesco Stella, traduzido do italiano por Mattia Faustini.

[4] Posfácio por Guido Mazzoni; tradução do italiano por Mattia Faustini.

 

Leia a série completa

 

Lugares contemporâneos da poesia

Concepção do projeto: Alcir Pécora e Régis Bonvicino
Texto introdutório: Alcir Pécora
Realização: Régis Bonvicino, com a colaboração de Aurora Bernardini e Charles Bernstein

Há reiterados momentos do contemporâneo em que a prática da poesia se parece exatamente apenas uma prática, uma empiria, uma rotina. Faz-se poesia porque poesia é feita. Edita-se poesia porque livros de poesia são editados e foram editados. Por que não continuar editando-os?

Mas qual o significado da arte, quando a arte se reduz a empiria, procedimento habitual que não problematiza os seus meios? Que deixa de inventar os seus próprios fins? Que não desconfia de sua forma conhecida, nem arrisca um lance contra si, inconformada?

Para tentar saber o que pensam a respeito da poesia que produzem alguns dos mais destacados poetas estrangeiros em ação hoje, a Revista Sibila propôs-lhes algumas perguntas simples, primitivas até – silly questions! –, cujo escopo principal é deixar de tomar como naturais ou óbvios os automatismos da prática.

Trata-se de saber dos poetas, da maneira mais direta possível, o que ainda os move a ler, a escrever e a lançar um livro de poesia – ou, mais genericamente, a publicar poesia, seja qual for o suporte.

A condição de, por ora, ouvir apenas os estrangeiros é estratégica aqui. Convém evitar respostas que possam ser neutralizadas a priori por posicionamentos desconfiados de vizinhança.

Leitura de poesia, esforço de poesia e publicação de poesia: nada disso é compulsório, nada disso se explica de antemão. Tudo o que se faz, nesse domínio, é fruto de exigência apenas imaginária. Nada obriga, a não ser a obrigação que se inventa para si.

A revista Sibila quer saber que invenção é essa. Ou seja: o que os poetas ainda podem imaginar para a prática que os define como poetas.

Contemporary places for poetry

There are plenty of moments in our current life when the practice of poetry seems exactly a practice, something empirical, a kind of routine. One makes poetry because poetry has been made. One publishes poetry because books of poetry are published and were published, why not going on publishing them?

But what meaning does art have when art is reduced to empiricism, the habitual procedure which doesn’t discuss its means? Which doesn’t any longer make up its own aims? Which is not suspicious of its usual form, nor runs the risk of a move against itself, unresigned?

Trying to know what some of the most distinguished foreign poets in action today think about their own poetry, Sibila proposed some very simple questions, some naïve questions – silly questions! –, whose principal aim is no longer to consider as natural ( as obvious) the automatisms of the poetical practice.

Sibila asks the poets to tell in the more direct way what still moves them to read, to write, to publish a book of poetry – or, more generically, to publish poetry, in whatever support.

The choice, for the moment, to listen only to foreign poets’ voice is a strategic one. It’s better to avoid answers which would be neutralized a priori, due to suspicious neighbourly attitudes.

Reading poetry, straining to write poetry, publishing poetry: not at all compulsory, all this, not at all explainable in advance. Everything you do in this domain is the result of mere imaginary exacting. Nothing obliges you, unless the obligation you invent yourself, for yourself. Sibila wants to know what kind of invention is that. Id est: what poets may still make up for the practice which defines them as poets.