John Tranter: poeta e editor, nascido em Cooma, New South Wales, Austrália, em 1943 morreu no último dia 21 abril. Essa entrevista foi feita em 2015.
Trabalhou em editoração, ensino e rádio. Em 2009, doutorou-se em Artes Criativas na Universidade de Wollongong.
Publicou mais de vinte coletâneas de versos. Uma delas, Mitos urbanos: 210 poemas: novos e selecionados (St Lucia: University of Queensland Press, 2006), ganhou um bom número de prêmios importantes. Seu livro mais recente é Heart Starter (Puncher e Wattmann, Sydney, e BlazeVox, Buffalo, 2015). Ele é o fundador do Jacket Magazine e de JPR, em <poeticsrearch.com>, e mantém uma homepage em <johntranter.com> e um texto diário em <johntranter.net>.
Algumas publicações: Parallax and Other Poems (Sydney: South Head Press, 1970); Red Movie And Other Poems (Sydney: Angus and Robertson, 1972); The Blast Area (St Lucia, Qld: University of Queensland Press, 1974); The Alphabet Murders (Sydney: Angus and Robertson, 1976); Crying in Early Infancy: 100 sonnets (St Lucia, Qld: Makar Press, 1977); Dazed in the Ladies Lounge: poems (Sydney: Island Press, 1979); Selected Poems (Sydney: Hale and Iremonger, 1982); Gloria ([King’s Cross], NSW: [Nicholas Pounder], 1986); Under Berlin: New Poems 1988 (St Lucia, Qld: University of Queensland Press, 1988); The Floor of Heaven (Sydney: Angus and Robertson, 1992); Days in the Capital (Canberra: National Library of Australia, 1992); At the Florida (St Lucia, Qld: University of Queensland Press, 1993); Gasoline Kisses (Cambridge, UK: Equipage, 1997); Late Night Radio (Edinburgh, UK: Polygon, 1998);
Blackout (Cambridge, UK: Barque, 2000); Ultra: 25 Poems (Rose Bay, NSW: Brandl and Schlesinger, 2001); Heart Print (Cambridge, UK: Salt Publishing, 2001); Trio (Cambridge, UK: Salt Publishing, 2003); Studio Moon (Cambridge, UK, Salt Publishing, 2003); Urban Myths: 210 Poems: New and Selected (University of Queensland Press, 2006); Starlight: 150 Poems (St Lucia: University of Queensland Press, 2010.
Cf.: http://www.poetrylibrary.edu.au/poets/tranter-john.
John Tranter, Sydney, Australia, 2009
Foto: Anders Hallengren
LEITURA DE POESIA
Sibila: Você lê poesia?
Tranter: Hoje não leio tanto poesia como costumava na década de 1960, quando minha ocupação era descobri-la. Costumava ler de tudo, naquela época: os Beats, H.M.Enzensberger, poetas modernos norte-americanos, sul-americanos, poetas franceses dos séculos XIX e XX, poesia chinesa antiga, Li Bai, Tu Fu, poetas ingleses… Shakespeare, os românticos, Pope, Frank O’Hara, John Ashbery, Dylan Thomas… Hoje leio principalmente os poetas australianos e americanos contemporâneos, incluindo os canadenses e os cubanos, mas, principalmente, os dos Estados Unidos. E leio muitos romances. Sempre gostei de uma porção de romancistas, desde os livros da série sobre o piloto Biggles aos romances de Proust e Graham Greene e, especialmente, de J. L. Borges, Mario Vargas Llosa e, mais recentemente, Roberto Bolaño. De cinema sempre gostei.
Sibila: Que poesia você lê?
Tranter: Leio poesia contemporânea, principalmente em inglês.
Sibila: Você acha que a leitura de poesia tem algum efeito?
Tranter: Penso que ler poesia torna o leitor mais cuidadoso. Você precisa desacelerar e ler em toda a extensão, prestando sempre atenção aos ecos, às metáforas, aos símiles, à maneira como palavras e frases se atualizam na cultura e na história. Um eco verbal de Shakespeare ou Coleridge traz à tona tudo o que diz respeito a Shakespeare ou Coleridge. A expressão “forma orgânica” traz à mente todas as inovações do Romantismo, por exemplo.
ESCRITA DE POESIA
Sibila: O que você espera ao escrever poesia?
Tranter: Eu costumava esperar que escrever poesia iria transformar o mundo. Hoje não espero muito, de maneira alguma. Escrever poesia costumava ser uma atividade pública; agora passou a ser uma atividade privada, o que é estranho. Em última análise, só se escreve para comunicar-se com os outros. Mas, se a maioria dos “outros” estão ocupados vendo vídeos ou se entretendo com seu novo tipo de celular ou de relógio, do que adianta? Sei que muitos escritores mais velhos se tornaram cínicos. Agora começo a entender por quê.
Sibila: Qual o melhor efeito que você imagina para a prática da poesia?
Tranter: A prática da poesia leva você a escrever com mais força e claridade.
Sibila: Você acha que a sua poesia tem interesse público?
Tranter: O poeta australiano Christopher Brennan (1870-1932), que trabalhou numa biblioteca pública, em Sydney, Austrália, escreveu em inglês uma paródia do “Un Coup de dés…” de Mallarmé, poucas semanas após a publicação do poema, na edição de 11 de maio de 1897 no periódico parisiense Cosmopolis. O poema de Brennan chamava-se “Musicopoematographiscope”, e foi publicado em Sydney pela firma de Hale e Iremonger, quase um século mais tarde, em 1981. O poema que Brennan compôs era longo e complexo, como o poema original de Mallarmé e, quem sabe, tenha sido a primeira paródia do verso livre moderno. O peso maior do protesto dessa paródia pode ser encontrado ao se acompanharem, ao longo dela, as palavras em letras maiúsculas “Não dou a mínima para o público, e ele devolve a gentileza” (“I don’t give a tinker’s damn for the public and they return the compliment”). Brennan sentia-se isolado na Austrália colonial; por muitas décadas outros poetas, nesse país, sentiram a mesma coisa. A cultura australiana teve um breve interesse pela poesia, nas décadas de 1960 e 1970, afortunadamente quando meu fazer poético era mais produtivo, mas assim era o de todos os outros poetas, no mundo. Mas esse interesse murchou, na Austrália, à medida que a população foi se tornando mais jovem (a idade média, agora, é de menos de 32 anos, menos que a metade de minha própria idade) e mais sujeita aos jogos de matar o tempo do capitalismo. O que se vê na Austrália é interesse pelo esporte (hedonismo disfarçado, uma forma de ser como todos os outros) que se opõe a um interesse pela cultura, em geral, e pela poesia, em particular (individualismo, intelectualismo soft que se distancia da vida real).
PUBLICAÇÃO DE POESIA
Sibila: Qual o melhor suporte para a sua poesia?
Tranter: O melhor suporte para minha poesia é minha mulher, leal e operosa, que sempre me apoiou em meu poetar indutor de pobreza.
Sibila: Qual o melhor resultado que você espera da publicação da sua poesia?
Tranter: Tornar-me um pouco melhor conhecido e ajudar uns poucos leitores a pensarem de forma mais imaginativa.
Sibila: Qual o melhor leitor de seu livro de poesia?
Tranter: Sempre achei que o leitor ideal de minha poesia sou eu mesmo. Eu sou quem tem todas as referências e minha poesia é muito referencial. Poucos acham a mesma coisa, mas qualquer um poderia fazê-lo. Acredito escrever para todos, ou para alguém que esteja preparado para ler meus poemas.
Sibila: O que você mais gostaria que acontecesse após a publicação da sua poesia?
Tranter: Eu gostaria que milhões de pessoas se apaixonassem por minha poesia, tal como se apaixonam pelas estrelas do rock e do cinema. Infelizmente, ou felizmente, isso não acontecerá nunca.
READING POETRY
Sibila: Do you read poetry?
Tranter: Not as much as I used to back in the 1960s, when I was busy discovering poetry. I used to read everything then: the Beats, H.M.Enzensberger, modern North American poets, South Americans, French poets of the 19th and 20th centuries, ancient Chinese poetry, Li Bai, Tu Fu, British poets… Shakespeare, the Romantics, Pope, Frank O’Hara, John Ashbery, Dylan Thomas… Now I mainly read contemporary Australian and American poets. Including Canadians and Mexicans, and poets from Cuba, but mainly USA poets. And a lot of novels. I have always liked a wide range of novelists, from books about Biggles to novels by Proust to Graham Greene, and especially J.L.Borges, Mario Vargas Llosa and more recently Roberto Bolaño. And I have always loved the movies.
Sibila: What kind of poetry do you read?
Tranter: Contemporary poetry, mainly in English.
Sibila: Do you think that reading poetry would produce any effect?
Tranter: I think it makes one a more careful reader. You need to slow down, and read widely, always looking for echoes, metaphors, similes, the way words and phrases extend through the culture and through history. A verbal echo of Shakespeare or Coleridge brings in all the concerns of Shakespeare, or Coleridge. The phrase ‘organic form’ beings to mind all the innovations of Romanticism, for example.
WRITING POETRY
Sibila: What do you expect from writing poetry?
Tranter: I used to expect that it would transform the world. Nowadays I don’t expect much at all. It used to be a public activity; now it has become a private activity, which is strange. After all, one only writes in order to communicate with others. But if most of the ‘others’ are busy watching videos or playing with their new phone or clever watch, what’s the point? I knew that many older writers became cynical. Now I am beginning to understand why.
Sibila: In your opinion, which is the best effect one can get from practicing poetry?
Tranter: One learns to think and to write with more force and clarity.
Sibila: Do you think your poetry has any public value?
Tranter: The Australian poet Christopher Brennan (1870-1932) who worked in a large public library in Sydney, Australia, wrote a parody in English of Mallarmé’s poem ‘Un coup de dés…’ a few weeks after ‘Un coup de dés…’ was published in the May 1897 issue of the Paris journal Cosmopolis. Brennan’s poem was titled ‘Musicopoematographiscope’, and it was published as a book by the Sydney firm of Hale and Iremonger almost a century later, in 1981. The poem Brennan wrote was long and complex, like the original poem by Mallarmé, and is perhaps the first ever parody of modern free verse. The main burden of its complaint can be traced by following through the poem the words in large capitals: “I don’t give a tinker’s damn for the public and they return the compliment” (The idea is that a tinker often swears, so his ‘damn’ is practically worthless). Brennan felt isolated in colonial Australia at the time; many other poets in this country have felt the same over many decades. Australian culture was briefly interested in poetry, in the 1960s and 1970s, fortunately when my own poetry writing was most productive, but then so was everyone else in the world. That interest has waned in Australia, as the population has become younger (the average age is now less than 32, less than half my own age) and more subject to the time-wasting toys of capitalism. Australia sees an interest in sport (mindless hedonism, be like everybody else) opposed to an interest in culture generally and poetry in particular (individualism, soft intellectualism removed from real life).
PUBLISHING POETRY
Sibila: Which is the best support for your poetry?
Tranter: My hard-working and loyal wife, who has always supported me and my poverty-inducing poetry.
Sibila: Which is the best result you expect from the publishing of your poetry?
Tranter: To become a little better known, and to help a few of my readers to think a little more imaginatively.
Sibila: Who is the best reader of your poetry?
Tranter: I have always felt that I am the ideal reader for my own poetry. I get all the references, and my writing is very referential. Very few others do that. But anybody would do. I guess I write for everybody, or for anybody who is prepared to read my poems.
Sibila: What would you most like to happen after the publication of your poetry?
Tranter: For millions of people to fall in love with it, like they do with rock stars and movie stars. Unfortunately, or fortunately perhaps, that will never happen.
De Poetry (dezembro de 2010):
Flowers
Jim Gott and old money don’t mix. There is
no possibility of change. He sent flowers
to the old lady, to no avail. Then he fought
the Chinese laundry over the disputed crease
in his last clean shirt sent by UPS; the Chinaman
got a court order that he not be so called.
He makes peanuts: Jim’s thousand a year is viewed
as a decent living: you figure it out.
Old Gott was taken to court, a kind of
maze synod, that September, ornamental
cherry petals littering the streets.
Thirty-eight years later the charge sheet tells us
that he was called The Fiendish. In the distant
future, I shall be as efficient as you.
(http://www.poetryfoundation.org/poetrymagazine/poem/240810#poem).
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- Sibila, lugares contemporâneos da poesia: Marco Giovenale
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- Sibila, lugares contemporâneos da poesia: Eduardo Milán
- Sibila, Lugares contemporâneos da poesia: Zeyar Lynn
Lugares contemporâneos da poesia
Concepção do projeto: Alcir Pécora e Régis Bonvicino
Texto introdutório: Alcir Pécora
Realização: Régis Bonvicino, com a colaboração de Aurora Bernardini e Charles Bernstein
Há reiterados momentos do contemporâneo em que a prática da poesia se parece exatamente apenas uma prática, uma empiria, uma rotina. Faz-se poesia porque poesia é feita. Edita-se poesia porque livros de poesia são editados e foram editados. Por que não continuar editando-os?
Mas qual o significado da arte, quando a arte se reduz a empiria, procedimento habitual que não problematiza os seus meios? Que deixa de inventar os seus próprios fins? Que não desconfia de sua forma conhecida, nem arrisca um lance contra si, inconformada?
Para tentar saber o que pensam a respeito da poesia que produzem alguns dos mais destacados poetas estrangeiros em ação hoje, a Revista Sibila propôs-lhes algumas perguntas simples, primitivas até – silly questions! –, cujo escopo principal é deixar de tomar como naturais ou óbvios os automatismos da prática.
Trata-se de saber dos poetas, da maneira mais direta possível, o que ainda os move a ler, a escrever e a lançar um livro de poesia – ou, mais genericamente, a publicar poesia, seja qual for o suporte.
A condição de, por ora, ouvir apenas os estrangeiros é estratégica aqui. Convém evitar respostas que possam ser neutralizadas a priori por posicionamentos desconfiados de vizinhança.
Leitura de poesia, esforço de poesia e publicação de poesia: nada disso é compulsório, nada disso se explica de antemão. Tudo o que se faz, nesse domínio, é fruto de exigência apenas imaginária. Nada obriga, a não ser a obrigação que se inventa para si.
A revista Sibila quer saber que invenção é essa. Ou seja: o que os poetas ainda podem imaginar para a prática que os define como poetas.
Contemporary places for poetry
There are plenty of moments in our current life when the practice of poetry seems exactly a practice, something empirical, a kind of routine. One makes poetry because poetry has been made. One publishes poetry because books of poetry are published and were published, why not going on publishing them?
But what meaning does art have when art is reduced to empiricism, the habitual procedure which doesn’t discuss its means? Which doesn’t any longer make up its own aims? Which is not suspicious of its usual form, nor runs the risk of a move against itself, unresigned?
Trying to know what some of the most distinguished foreign poets in action today think about their own poetry, Sibila proposed some very simple questions, some naïve questions – silly questions! –, whose principal aim is no longer to consider as natural ( as obvious) the automatisms of the poetical practice.
Sibila asks the poets to tell in the more direct way what still moves them to read, to write, to publish a book of poetry – or, more generically, to publish poetry, in whatever support.
The choice, for the moment, to listen only to foreign poets’ voice is a strategic one. It’s better to avoid answers which would be neutralized a priori, due to suspicious neighbourly attitudes.
Reading poetry, straining to write poetry, publishing poetry: not at all compulsory, all this, not at all explainable in advance. Everything you do in this domain is the result of mere imaginary exacting. Nothing obliges you, unless the obligation you invent yourself, for yourself. Sibila wants to know what kind of invention is that. Id est: what poets may still make up for the practice which defines them as poets.
Lugares contemporâneos da poesia
Concepção do projeto: Alcir Pécora e Régis Bonvicino
Texto introdutório: Alcir Pécora
Realização: Régis Bonvicino, com a colaboração de Aurora Bernardini e Charles Bernstein
Há reiterados momentos do contemporâneo em que a prática da poesia se parece exatamente apenas uma prática, uma empiria, uma rotina. Faz-se poesia porque poesia é feita. Edita-se poesia porque livros de poesia são editados e foram editados. Por que não continuar editando-os?
Mas qual o significado da arte, quando a arte se reduz a empiria, procedimento habitual que não problematiza os seus meios? Que deixa de inventar os seus próprios fins? Que não desconfia de sua forma conhecida, nem arrisca um lance contra si, inconformada?
Para tentar saber o que pensam a respeito da poesia que produzem alguns dos mais destacados poetas estrangeiros em ação hoje, a revista Sibila propôs-lhes algumas perguntas simples, primitivas até – silly questions! –, cujo escopo principal é deixar de tomar como naturais ou óbvios os automatismos da prática.
Trata-se de saber dos poetas, da maneira mais direta possível, o que ainda os move a ler, a escrever e a lançar um livro de poesia – ou, mais genericamente, a publicar poesia, seja qual for o suporte.
A condição de, por ora, ouvir apenas os estrangeiros é estratégica aqui. Convém evitar respostas que possam ser neutralizadas a priori por posicionamentos desconfiados de vizinhança.
Leitura de poesia, esforço de poesia e publicação de poesia: nada disso é compulsório, nada disso se explica de antemão. Tudo o que se faz, nesse domínio, é fruto de exigência apenas imaginária. Nada obriga, a não ser a obrigação que se inventa para si. A revista Sibila quer saber que invenção é essa. Ou seja: o que os poetas ainda podem imaginar para a prática que os define como poetas.
Contemporary places for poetry
There are plenty of moments in our current life when the practice of poetry seems exactly a practice, something empirical, a kind of routine. One makes poetry because poetry has been made. One publishes poetry because books of poetry are published and were published, why not going on publishing them?
But what meaning does art have when art is reduced to empiricism, the habitual procedure which doesn’t discuss its means? Which doesn’t any longer make up its own aims? Which is not suspicious of its usual form, nor runs the risk of a move against itself, unresigned?
Trying to know what some of the most distinguished foreign poets in action today think about their own poetry, Sibila proposed some very simple questions, some naïve questions – silly questions! –, whose principal aim is no longer to consider as natural (as obvious) the automatisms of the poetical practice.
Sibila asks the poets to tell in the more direct way what still moves them to read, to write, to publish a book of poetry – or, more generically, to publish poetry, in whatever support.
The choice, for the moment, to listen only to foreign poets’ voice is a strategic one. It’s better to avoid answers which would be neutralized a priori, due to suspicious neighbourly attitudes.
Reading poetry, straining to write poetry, publishing poetry: not at all compulsory, all this, not at all explainable in advance. Everything you do in this domain is the result of mere imaginary exacting. Nothing obliges you, unless the obligation you invent yourself, for yourself. Sibila wants to know what kind of invention is that. Id est: what poets may still make up for the practice which defines them as poets.